O mais recente Relatório de Status Global sobre Segurança no Trânsito da Organização Mundial da Saúde (OMS), mostrou que nos últimos 15 anos a taxa de mortalidade no trânsito se manteve estável em relação ao tamanho da população mundial. Essa estabilidade pode até soar positiva, mas é preciso lembrar que estamos falando da morte de 1,35 milhão de pessoas ao ano, além de 50 milhões de feridos.

Os esforços para a melhoria da segurança viária se mostram ainda insuficientes para alcançar a meta da própria OMS de reduzir em 50% o número de mortes no trânsito até 2020. Uma das coisas que precisa mudar nas cidades de maneira urgente é o planejamento e o desenho das vias, que têm grande influência em como as pessoas se comportam no ambiente urbano.

As taxas de mortalidade estabilizaram, segundo a OMS, porque houve avanços desiguais pelo mundo: esforços de países de renda média e alta ajudaram a mitigar a situação geral. Países de baixa renda apresentam uma taxa de mortalidade três vezes mais alta do que os de média e alta renda. De 2013 a 2016, não foi observada nenhuma redução no número de fatalidades no trânsito nos países de baixa renda, enquanto que 48 países de rendas média e alta registraram queda no número de fatalidades. De acordo com o mesmo relatório da OMS, países das Américas e da Europa apresentam as menores taxas médias regionais. No entanto, quando fazemos uma comparação entre os países das Américas, aqueles considerados ricos possuem uma taxa média mais baixa, de 11,8 mortes por 100 mil habitantes. Nos países de baixa renda, essa taxa é de 18,3 a cada 100 mil.

Promover uma mudança na distribuição do espaço das vias é um dos objetivos dos projetos de Ruas Completas. Um estudo feito pela organização Smart Growth America e também lançado recentemente, intitulado “Dangerous by Design ("perigoso por causa do desenho", em tradução livre)”, aponta que muitas vezes o desenho das ruas tem grande influência e que o conceito de Ruas Completas tem o poder de salvar vidas a partir da mudança de mentalidade na hora de projetar as ruas de uma cidade. Segundo o estudo, nos Estados Unidos, apesar de ter ocorrido uma queda de 6,1% nas fatalidades envolvendo ocupantes de veículos entre 2008 e 2017, o número de pedestres mortos vem crescendo desde 2009. Na última década, o total de pessoas feridas ou mortas enquanto caminhavam cresceu 35%.

Se não aumentou o número de pessoas que optam por caminhar nas cidades e a taxa de motorização cresceu pouco desde 2008, por que as mortes aumentaram? Segundo o relatório, o desenho das ruas permanece o mesmo, voltado para o trânsito de veículos e perigoso para quem caminha. E os índices de mortalidade nos Estados Unidos também acompanham a tendência mundial: são maiores em comunidades de baixa renda. Para os autores, o fato não surpreende, já que essas comunidades são “significativamente mais propensas a não contarem com calçadas, faixas de pedestres visíveis, e desenhos viários que promovam limites de velocidades menores e mais seguros".

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Projeto "Cidade da Gente" deu novo uso para o espaço público em bairro de Fortaleza (Foto: Rodrigo Capote/WRI Brasil)

Ruas Completas como resposta

No Brasil, para ampliar a disseminação e a implementação de projetos de Ruas Completas, o WRI Brasil e a Frente Nacional de Prefeitos (FNP) formaram a Rede Nacional para a Mobilidade de Baixo Carbono. Em 2017, ano em que foi criada a Rede, 11 cidades começaram a desenvolver projetos de Ruas Completas que, quando implementados, servirão de aprendizado e inspiração para outras cidades.

Além das Ruas Completas, o estudo da Smart Growth America recomenda outras ações concretas que protegem especialmente os pedestres nas vias e que podem ser adotadas em qualquer país:

  • Sempre que possível, projetar ruas para velocidades reduzidas – “Em vez de projetar ruas que incentivem o excesso de velocidade e, depois, confiar na fiscalização, as cidades devem projetar ruas para incentivar, em primeiro lugar, limites de velocidades mais baixos e mais seguros.”

  • Teste abordagens ousadas e criativas – “O desenho ruim das ruas não é um problema insuperável, nem caro para resolver. Algumas cidades tiveram sucesso testando intervenções de curto prazo e baixo custo para criar ruas mais seguras e, em seguida, mediram o impacto de seus projetos, para só então trabalharem em busca de soluções permanentes.”

  • Priorizar projetos que beneficiarão aqueles que sofrem de maneira desproporcional – “Alguns grupos, como pessoas quem caminham em comunidades de baixa renda, por exemplo, tem muito mais chances de serem atingidos e mortos enquanto se deslocam. Tomadores de decisão devem priorizar os projetos que beneficiam esses usuários mais vulneráveis.”

Avanços na América Latina

Duas cidades da América Latina já estão seguindo algumas dessas diretrizes e vêm sendo reconhecidas por adotar medidas consistentes e que estão salvando vidas no trânsito.

Fortaleza recebeu o prêmio Sustainable Transportation Award por projetos e intervenções que promovem a redução das mortes no trânsito, pela expansão da rede cicloviária e diversas outras ações em prol de uma mobilidade urbana mais sustentável e inclusiva. O prêmio é concedido anualmente pelo Instituto de Políticas de Transporte e Desenvolvimento (ITDP) por meio de um comitê de especialistas de diversas organizações. As inovações de baixo custo e as soluções de implementação rápida implementadas pela capital cearense também ajudaram no reconhecimento da cidade.

Segundo a prefeitura, houve uma redução de 35% na taxa de mortalidade no trânsito de 2010 a 2017, com 9,7 mortes a cada 100 mil habitantes. Em 2018, a cidade atingiu a meta de 108 quilômetros de corredores de ônibus exclusivos e implantou 225 km de infraestrutura cicloviária e sistemas de compartilhamento de bicicletas integrados com o transporte coletivo.

O projeto "Cidade da Gente" foi uma das grandes ações de Fortaleza e promoveu duas intervenções transformadoras. As ações temporárias realizadas na Cidade 2000 e no entorno do Centro Cultural Dragão do Mar e do Porto Iracema das Artes, buscaram reduzir os limites de velocidades, dar novos usos aos espaços públicos disponíveis e promover a segurança viária. Os locais foram modificados com baixo custo através de pinturas coloridas no asfalto, mobiliário urbano que estimula a permanência das pessoas e iluminação especial.

Fortaleza é uma das cidades integrantes da Rede Nacional para a Mobilidade de Baixo Carbono e escolheu a rua Dr. João Moreira, na região central, para desenvolver uma proposta de Rua Completa. O projeto em andamento propõe a redistribuição do espaço para atender aos diferentes usuários com ciclovia, vegetação e cruzamentos mais seguros, extensões do meio-fio nas esquinas, faixas de segurança e elevação da faixa de rolamento nesses locais.

O recém-lançado relatório da OMS destaca as ações que integram o planejamento da mobilidade urbana e da segurança viária em Bogotá. A capital da Colômbia reduziu o número de mortes no trânsito em 50% entre 1996 e 2006 ao implementar uma abordagem de Sistemas Seguros. A cidade investiu US$ 2 bilhões na construção de 80 quilômetros de corredores de BRT, quase 300 quilômetros de ciclovias e melhorou mais de 60 mil km² de infraestrutura para pedestres. Também foi reforçada a aplicação das leis de cinto de segurança, multas por dirigir embriagado e outras políticas de fiscalização.

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Sistema BRT em Bogotá trouxe mais segurança ao trânsito da cidade (Foto: WRI)

Em dezembro de 2017, com o apoio da Iniciativa Bloomberg para Segurança Global no Trânsito e do WRI Ross Center, Bogotá adotou um novo plano “Visão Zero” para reduzir proativamente as mortes e ferimentos graves. Os limites de velocidade em cinco vias arteriais, responsáveis por um quarto de todas as fatalidades no trânsito da cidade, foram reduzidos para 50 quilômetros por hora, e mudanças nos projetos de vias foram iniciadas em áreas perigosas, especialmente em torno de escolas. Os resultados já estão sendo sentidos, já que as mortes nas cinco vias arteriais caíram mais de 80% em outubro de 2018.