A adoção de qualquer nova tecnologia envolve algum grau de adaptação, e com os ônibus elétricos a bateria não é diferente. Após décadas de experiência com veículos a diesel, cidades e operadores precisam compreender as especificidades técnicas e operacionais dos elétricos para adequar o planejamento do sistema, os modelos de negócio e a operação do serviço. Um desafio pequeno se comparado aos múltiplos benefícios da transição para frotas limpas.

Parte do processo é a realização de testes ou pilotos, que reduzem riscos e melhoram as condições para que a transição seja bem-sucedida. Ao permitir conhecer a tecnologia e verificar o desempenho dos modelos de veículos disponíveis no contexto de cada cidade, a abordagem permite planejar a transição com mais segurança. É o que fizeram, por exemplo, cidades da China, país com a maior frota de ônibus elétricos a bateria do mundo, e Santiago, uma das líderes regionais na eletrificação.

No Brasil, uma experiência significativa foi concluída por Curitiba. A cidade tem dado passos relevantes na descarbonização do transporte e realizou em 2023 uma demonstração operacional de diversos modelos de ônibus elétricos. Além de gerar informações localizadas, os testes confirmaram, junto a clientes do serviço, que ônibus elétricos podem tornar o transporte coletivo mais confortável e atrativo.

As demonstrações de Curitiba

Curitiba tem a meta de eletrificar duas linhas do transporte coletivo e um eixo do BRT. Entre abril e novembro de 2023, a capital paranaense testou sete veículos de quatro fabricantes (BYD, Eletra, Marcopolo e Volvo). Cada veículo foi testado ao longo de cerca de 30 dias. O WRI Brasil apoia a cidade no âmbito da TUMI Missão Ônibus Elétricos e integrou, junto à URBS, empresa mista que gerencia o transporte coletivo na cidade, e o Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba (IPPUC), a equipe que acompanhou os testes.

ônibus elétrico com decoração natalina
Ônibus elétrico da Volvo foi demonstrado à população durante época de Natal (foto: Divulgação/Volvo)

Os testes geraram dois produtos principais. Em um relatório técnico elaborado pela URBS, foram reunidas informações dos sete veículos, como consumo de energia, cumprimento da autonomia preconizada e indicadores relacionados à infraestrutura de recarga. O segundo produto foi um levantamento de informações sobre a percepção de clientes que utilizaram os ônibus elétricos testados, realizado pelo WRI Brasil com base na metodologia da Pesquisa de Satisfação QualiÔnibus.

A seguir, saiba por que implementar testes de ônibus elétricos a partir das principais conclusões da experiência de Curitiba.

Informar e sensibilizar quem vai operar o serviço

Testes e pilotos são estratégias abrangentes, com múltiplos benefícios. Permitem, a um só tempo, conhecer as opções de veículos disponíveis, estabelecer parcerias com os fabricantes, apresentar os benefícios da eletrificação à população e gerar aprendizados para os atuais operadores do transporte coletivo.

Em Curitiba, os veículos-teste foram operados pelas empresas de ônibus que constituem três consórcios do transporte coletivo da cidade. A participação das empresas torna os testes mais fidedignos e assertivos, por conta da experiência na operação do serviço no contexto local. Também amplia o entendimento dos operadores sobre a tecnologia para participação de processos licitatórios futuros. Assim, a cidade amplia as possibilidades de êxito das licitações.

Pesquisa de percepção revela aceitação da tecnologia

O guia How to Shift Your Bus Fleet to Zero Emission by Procuring Only Electric Buses, da C40 Cities, aponta que, além da geração de dados e informações adequadas ao contexto local, um dos principais motivos para se realizar pilotos é gerar interesse e confiança do público na tecnologia. Para tanto, é valioso que se realizem pesquisas de percepção junto aos clientes do serviço. Esta é uma oportunidade para verificar o conhecimento prévio da população sobre a tecnologia e para medir o impacto dos veículos na percepção sobre a qualidade do serviço.

O WRI Brasil apoiou Curitiba na realização de pesquisas de percepção com passageiros que viajaram em cinco modelos de ônibus elétricos testados – dois modelos da fabricante Marcopolo, dois da Eletra e um da Volvo. Realizadas pela internet, as pesquisas buscaram identificar o perfil dos respondentes, entender sua experiência e conhecimento prévio sobre o assunto, sua percepção sobre sete principais atributos dos ônibus elétricos e sua satisfação com os veículos. Foram coletadas 506 respostas. Dessas, 86% eram de pessoas que utilizavam o serviço três ou mais vezes por semana. A amostra foi composta por 56% de mulheres e 43% de homens.

Conforto e baixa vibração e ruído internos são destaques

Dos participantes, 78% já conheciam ônibus elétricos e 22% conheceram pelos testes. Entre os benefícios conhecidos ou presumidos da tecnologia, o mais mencionado (30%) foi a redução de emissões de poluentes locais e gases de efeito estufa, seguido pelos níveis de ruído (27%), custo para abastecimento/recarga (16%), do consumo energético (14%) e dos custos de manutenção (11%). Os resultados demonstram que há oportunidade de ampliar o conhecimento da população sobre os benefícios da eletrificação do transporte coletivo.

Ao mesmo tempo, a pesquisa evidenciou a impressão positiva gerada pela demonstração. Nove em cada dez participantes se mostraram favoráveis à implantação de mais ônibus elétricos. Quase todos os participantes concordaram com afirmações de que os veículos são mais silenciosos (95%), podem contribuir com a qualidade do ar (94%) e beneficiar a saúde da população (89%). Para 81% dos respondentes, os ônibus elétricos são mais confortáveis do que os a diesel, e 44% estão dispostos a esperar algum tempo a mais para embarcar em um ônibus elétrico.

Ao avaliar o grau de satisfação dos clientes com 14 aspectos dos veículos em demonstração, a parte final da pesquisa deixou claro que os atributos diretamente relacionados à tecnologia estão entre os mais bem avaliados. Por exemplo, a suavidade das arrancadas (90%), os níveis de vibração (90%) e de ruído (90%) e a ventilação e temperatura (77%) – esta última favorecida não apenas pelo ar-condicionado, mas por motores elétricos gerarem muito menos calor. Os itens mais mal avaliados foram a lotação dos ônibus (58%) e a segurança (45%), que independem da tecnologia.

Os dados são compatíveis com resultados observados em um piloto em Santiago, onde os clientes do transporte coletivo deram aos veículos elétricos uma nota de 6,3 sobre 7, superior à nota de ônibus Euro VI – os mais avançados veículos a diesel –, que receberam nota de 5,8.

dois ônibus elétricos enfileirados
Testes técnicos compreenderam seis modelos de quatro fabricantes (foto: Daniel Castellano/SMCS)

Testes técnico-operacionais

Não menos importante do que a percepção dos clientes é a verificação do desempenho operacional dos ônibus. Estes testes permitem que a cidade defina especificações de veículos elétricos a bateria para futuros contratos e licitações do transporte coletivo, mas também que preveja possíveis alterações operacionais, alterações em linhas e estratégia de recarga, como indicou o relatório final da URBS.

Para cada veículo testado, Curitiba buscou mensurar características como consumo de energia, cumprimento da autonomia preconizada pelos fabricantes, desgaste dos pneus e outras características relevantes de chassi e carroceria. Essas mensurações são oportunidades tanto para a cidade testar e avaliar as especificações técnicas dos veículos quanto para os fabricantes adaptarem e aprimorarem seus veículos para o contexto operacional de Curitiba.

ônibus articulado
Foto: Hully Paiva/SMCS

Para atendimento das exigências operacionais da cidade, todos os veículos tinham autonomia divulgada pelo fabricante de pelo menos 250 km, à exceção de um veículo articulado, com autonomia de 200 km. Nos testes sem carga e com o ar-condicionado desligado, a maioria dos veículos cumpriu ou superou a previsão do fabricante, e apenas um ônibus Padron teve autonomia cerca de 20% inferior.

Mas são os testes em operação normal, com passageiros e ar-condicionado ligado, que trazem informações mais significativas para a compreensão do desempenho dos veículos e de como pode ser estruturada a operação e a infraestrutura. Com o aumento do peso e do consumo de energia, a autonomia dos veículos é impactada de forma significativa. Nos testes de Curitiba, um dos veículos não atendeu à eficiência mínima definida no Manual de Especificações da Frota da URBS para frota elétrica.

ciclistas passam por ônibus elétrico

Melhores para o clima, a natureza e as pessoas

Testes, pilotos e demonstrações de ônibus elétricos a bateria contribuem para uma transição tecnológica mais suave e com menos sobressaltos. Mais do que isso: quando os resultados são compartilhados abertamente, como fez Curitiba, tornam-se insumos valiosos para outras cidades que também despertaram para a oportunidade da descarbonização.