Um grupo de pessoas, organizações e instituições que já trabalham pela conservação e restauração de paisagens e florestas do bioma Caatinga, incluindo o WRI Brasil, deu um passo a mais na construção de um amplo movimento no bioma: a construção da Rede para a Restauração da Caatinga (Recaa).

A Recaa é uma iniciativa para promover uma restauração da Caatinga que seja justa e inteligente, tanto do ponto de vista ecológico quanto econômico, político e social. Além disso, defende uma restauração vinculada culturalmente com povos da Caatinga, respeitando as motivações e oportunidades de comunidades, populações e atores locais.

A construção dessa rede precisa contar com todos os setores envolvidos – desde governos no âmbito federal, estadual e municipal, passando por empresas, ONGs, até os produtores rurais e comunidades tradicionais. Afinal, uma rede só é forte quando conta com amplo envolvimento das partes interessadas. É por isso que a Recaa convida os atores sociais interessados a se tornarem membros: basta acessar o site https://recaa.org/ e preencher um formulário de adesão.

A rede foi lançada oficialmente ao público em um webinar online. O evento contou com a presença de representantes de organizações da sociedade civil, governo e de associação de produtores rurais e está disponível no canal do YouTube da Recaa 

Uma rede com foco em restauração

Pioneira na Caatinga, a Recaa se inspira nos exemplos de redes para a restauração já consolidadas e bastante atuantes em outros biomas. O Pacto pela Restauração da Mata Atlântica, por exemplo, reúne mais de 300 organizações, já promoveu a restauração de mais de 700 mil hectares de florestas e tem a ambiciosa meta de restaurar 15 milhões de hectares. A Rede Araticum, no Cerrado, e a Aliança para Restauração da Amazônia, na Amazônia, também têm atuação relevante. O sucesso dessas redes incentivou o surgimento de outros coletivos, como a RedeSul, no Pampa, e o Pacto pela Restauração do Pantanal. Com a formação da rede na Caatinga, todos os biomas do Brasil serão representados por coletivos que trabalham pela restauração.

E na prática, o que um coletivo pela restauração faz? A Recaa pretende, entre outras atividades, estimular:

  • A articulação e integração de atores sociais e institucionais atuantes em prol da restauração ecológica dos socioecossistemas do bioma Caatinga;
  • A formulação, sistematização e disseminação de conhecimentos técnicos, ferramentas e modelos de restauração socioparticipativa e socioprodutiva adaptadas aos ambientes semiáridos;
  • A ativação da cadeia socioprodutiva da restauração ecológica, promovendo valorização de territórios e povos tradicionais do bioma Caatinga;
  • O desenvolvimento de protocolos de monitoramento e avaliação das ações de restauração adaptados à dinâmica de ambientes semiáridos e ao contexto social dos territórios do bioma.

Ou seja, a Recaa pretende alavancar os esforços de restauração de paisagens articulando os atores interessados e com um olhar nas paisagens e no bioma. Tudo isso com planejamento e fornecendo apoio a todos e todas envolvidos nessas atividades de uma maneira sistemática e organizada em torno um objetivo comum: tornar a Caatinga um lugar adaptado às mudanças climáticas, onde o ambiente esteja saudável o suficiente para garantir a manutenção da vida das pessoas, e permitir o aumento da renda da população de modo ambientalmente equilibrado.

Gerando empregos a partir da restauração

A Recaa nasce com aspirações ambiciosas para o ano de 2030: uma delas é promover, incentivar e apoiar a restauração de 250 mil hectares de áreas degradadas na Caatinga – o equivalente a metade do passivo ambiental do Código Florestal no bioma.

A Rede também quer melhorar a gestão do uso da terra em 1,4 milhão de hectares por meio da articulação com governos, construção e apoio a políticas públicas, criação de instrumentos e ações estruturantes e apoio aos povos da Caatinga.

Com isso, ela espera facilitar a criação de 105 mil empregos diretos e indiretos a partir da restauração. Essa meta foi criada a partir dos cálculos feitos mostrando que a cada 100 hectares restaurados, é possível criar 40 empregos diretos e indiretos.

Além disso, a restauração também é um elemento importante para a agricultura familiar na Caatinga – como forma de proteger o bioma e de gerar emprego, renda e segurança alimentar para a população, além de valorizar os modos de vida culturais das comunidades do bioma.

Por que restaurar a Caatinga? 

Único bioma 100% brasileiro, a Caatinga tem uma grande riqueza de espécies endêmicas e uma paisagem social singular. No bioma se encontra a região semiárida mais densamente povoada do mundo, mas os municípios da região apresentam os mais baixos indicadores de desenvolvimento humano do país. Sua população está exposta a um clima extremo que tende a piorar com os cenários das mudanças climáticas, figurando entre os seis ambientes mais vulneráveis do mundo à variabilidade climática. No ano de 2024, pela primeira vez na história do Brasil, foram detectadas mais de 5700 km² de áreas de clima árido no país. Isso indica que a susceptibilidade à desertificação na Caatinga deve ser crescente no atual ritmo de mudanças climáticas e uso irracional da terra.  
 
Com todo esse contexto, cuidar da Caatinga deveria ser uma prioridade para a sociedade brasileira, mas o bioma tem sido historicamente preterido nas políticas públicas. Atualmente, a Caatinga conta com cerca de 80% de seus ecossistemas originais alterados e com apenas 11 áreas de proteção integral, o que é menos de 1% da região.

Enquanto isso, o desmatamento segue avançando a passos largos: um levantamento do Mapbiomas realizado entre 2020 e 2021 mostra um cenário de aumento de desmatamento e degradação do bioma. Segundo esses dados, a Caatinga é o terceiro bioma onde mais se desmata no Brasil, atrás de Amazônia e Cerrado, com 7% da participação do total de alertas de desmatamento do país. Somente nesses dois anos foram quase 178 mil hectares desmatados, uma área maior do que a do município de São Paulo.

Assim, o lançamento da Recaa vem para somar esforços nesse momento crítico que o bioma, o país e o mundo vêm enfrentando. E sua missão é mostrar que é possível manter e restaurar os ecossistemas e ainda assim manter e aumentar a produção, com qualidade de vida, ambientes saudáveis e um olhar para o futuro de como esse importante bioma brasileiro pode ser.