Nesta terça-feira (23), ocorreu o segundo dia da oficina O Desenho de Cidades Seguras, em Belo Horizonte. No primeiro dia os participantes trabalharam com conceitos sobre o projeto urbano voltado a priorização do pedestre, ciclistas e transporte coletivo, moderação de tráfego e infraestrutura cicloviária. Nesse segundo encontro, o tema central foi a redução das velocidades.

Em 15 anos, Belo Horizonte conseguiu reduzir a taxa de mortalidade no trânsito em 61%. De acordo com dados da BHTrans, entre 1999 e 2014, a proporção de mortes nas vias urbanas caiu de 18,52 para 7,11 mortes por cada 100 mil habitantes. Ainda assim, o número ainda está acima do considerado aceitável pela Organização Mundial da Saúde (OMS), de seis mortes para cada 100 mil habitantes.

As cidades com melhores índices de segurança viária no mundo têm como diretrizes principais o desenho seguro de sua infraestrutura viária adequados para o transporte ativo e coletivo. Priorizar a caminhabilidade ajuda a reduzir a velocidade do tráfego de automóveis sem necessariamente reduzir a fluência do trânsito. O redesenho das vias devolve às pessoas o espaço das vias que lhes foram tiradas pelos veículos. "Calçada, por exemplo, é o básico de infraestrutura para pedestres e mesmo assim são precárias em muitos locais. A probabilidade de atropelamento é duas vezes maior em locais sem calçadas. Essa é uma questão óbvia, mas muitas vezes as cidades falham em relação ao espaço que dedicam ao pedestre", afirmou Marta Obelheiro, Coordenadora de Segurança Viária do WRI Brasil Cidades Sustentáveis. O guia O Desenho de Cidades Seguras apresenta medidas comprovadas que reforçam a segurança dos usuários mais vulneráveis dos espaços urbanos, como calçadas seguras, vias compartilhadas, vias e zonas de pedestres, acesso mais seguro a locais para aprender e brincar, vias abertas ou vias de lazer e minipraças.

Segundo a OMS, há um conjunto de medidas que devem ser adotadas para garantir condições de segurança aos usuários da via. Um deles é o limite reduzido de velocidade. A recomendação do órgão é de até 50km/h em vias urbanas. Em áreas com grande movimentação de pedestres e ciclistas o limite deve baixar para 30km/h. “O ser humano não consegue perceber o risco da velocidade. A velocidade é o que nos coloca sempre na iminência de um acidente e está entre os principais fatores de risco quanto à segurança viária”, destacou Marta. Segundo ela, alterar o desenho viário e a maneira como as pessoas interagem com a infraestrutura são modos de encorajar a redução de velocidade.

Zonas 30 em Belo Horizonte

<p>Coordenadora do Programa Pedala BH, da BHTrans, Eveline Trevisan</p>

Coordenadora do Programa Pedala BH, da BHTrans, Eveline Trevisan, participou do evento (Foto: Nereu Jr.)

Belo Horizonte também se prepara para começar a implantar áreas com limites de velocidade mais baixos. A coordenadora do Programa Pedala BH, da BHTrans, Eveline Trevisan, apresentou o Pedala BH, grupo de trabalho da BHTrans em parceria com organizações de ciclistas da capital mineira e que trabalha na elaboração das áreas 30 da cidade. "A BHTrans já tem um projeto piloto que está em desenvolvimento no bairro Funcionários e outro ainda no início do projeto na área hospitalar", explicou Eveline. "Os três casos que trabalhamos hoje são muito concretos, de implantação imediata e que daqui a poucos meses estará na rua. O trabalho de hoje gera uma reflexão muito importante".

O projeto da área 30, já em andamento, desenha um quadrilátero entre as avenidas Gonçalves Dias, Cristóvão Colombo, Afonso Pena e Brasil. "Esse é um início simbólico de área 30, muito diferente de São Miguel Paulista, porém de grande importância. A área não registra muitos acidentes, mas já é bastante congestionada", contou Eveline. A outra região, chamada de área hospitalar, foi apresentada pelo arquiteto Fernando Tourinho, ciclista e contratado pela BHTrans para trabalhar no projeto da área 30. “A interseção é uma travessia muito importante da região e um local muito difícil para os ciclistas. Nosso maior objetivo é minimizar os riscos de pedestres e ciclistas na região”, explicou. O local temi grande fluxo de ônibus e, atualmente, não possui travessia para bicicleta. Ele também está localizado próximo a Praça do Ciclista, local emblemático e de encontro de quem pedala em Belo Horizonte.

Os presentes foram divididos em seis grupos para trabalhar em três interseções nas futuras zonas 30 da cidade. Os projetos dos locais preveem a instalação de ciclorruas, em que o ciclista não tem restrição de circulação. Dois dos estudos de caso estão localizados na Avenida Gonçalves Dias, um na interseção com a Avenida Brasil e outro com a avenida Afonso Pena, e o terceiro estudo busca solucionar o problema dos ciclistas na hora de atravessar um ponto de união de quatro grandes avenidas da cidade. "O trabalho de hoje me fez ter várias ideias para o projeto. Eu sou ciclista e busco sempre apontar o que não funciona na prática para quem está de bicicleta. Essa troca de ideias é muito importante", ressaltou Fernando.

<p>O arquiteto e ciclista, Fernando Tourinho (Foto: Nereu Jr.)</p>

O arquiteto e ciclista, Fernando Tourinho (Foto: Nereu Jr.)

Para Eveline, o resultado do segundo dia de oficina foi novamente muito positivo. "Não estávamos seguros nem satisfeitos com a proposta anterior. Esse era mesmo o momento de achar melhores soluções para esses dois pontos da Avenida Gonçalves Dias", disse Eveline sobre o projeto que está prestes a ser implantado no bairro Funcionários.

Projeto de requalificação urbana de São Miguel Paulista

Antes de iniciar os trabalhos em cima dos pontos selecionados para estudo de caso de Belo Horizonte, a arquiteta Anelise Bertolini Guarnieri, sócia do 23 Sul, escritório de arquitetura que venceu a concorrência fechada para o projeto de requalificação urbana da área de São Miguel Paulista, apresentou as ações que serão aplicadas no projeto “São Miguel Mais Humana”. A iniciativa é uma parceria entre a prefeitura da cidade, a Iniciativa para a Segurança Viária Global da Bloomberg Philanthropies, o WRI Brasil Cidades Sustentáveis, o ITDP Brasil e a Nacto. "Em São Paulo, o número de acidentes com vítimas por quilômetro quadrado é de 85. Já na região da área 40 de São Miguel, esse número sobe para 734. Só isso já justifica todo esse projeto", exaltou Anelise. O bairro, localizado na região leste de São Paulo, abriga uma população de 370 mil pessoas.

<p>Arquiteta Anelise Bertolini Guarnieri (Foto: Nereu Jr.)</p>

Arquiteta Anelise Bertolini Guarnieri (Foto: Nereu Jr.)

A Avenida Marechal Tito, considerada em 2015 a via mais letal para pedestres em São Paulo, está localizada em São Miguel. “A Marechal Tito conecta São Paulo ao Rio de Janeiro, é uma via onde passa uma média de 1 ônibus a cada 10 segundos e ainda recebe um grande fluxo de caminhões. Nos encontramos em um impasse do que fazer com tão pouco espaço, já que não existe largura para carro, pedestre e ônibus. Hoje, 40% do espaço é destinado ao transporte privado, 46% ao transporte coletivo e 14% aos pedestres. No projetos optamos, então, por eliminar o espaço para o carro, proposta que foi aceita pelas autoridades e pela comunidade”, contou Anelise.

O "São Miguel Mais Humana" é um projeto pioneiro na América Latina ao trabalhar com um espaço tão amplo - 500 mil metros quadrados - de intervenções viárias. Na primeira etapa do projeto, 18 diferentes intervenções serão feitas para garantir mais segurança a população local. "Um dos eixos de atuação do WRI em São Miguel é liderar o trabalho com a comunidade. Nossa equipe desenvolve um plano que contempla inclusão e engajamento da sociedade através de participação social", afirmou Marta. "Um dos resultados que já alcançamos foi uma maior transparência no processo decisório, aceitação e disseminação da importância das medidas de segurança viária na comunidade".

O Área 40 é um projeto da capital paulista que prioriza especialmente regiões de grande volume de pedestres para implantar intervenções físicas de moderação de tráfico. Onze dessas áreas já foram estabelecidas, e a localizada em São Miguel Paulista será a primeira a receber mudanças no seu desenho viário, com obras que devem começar ainda neste ano. “Em 2015 foi implantada a Área 40, mas apenas com sinalizações, o que não teve um impacto considerável no número de acidentes de trânsito”, explicou Anelise. Em seis anos, de 2010 a 2015, 426 acidentes ocorreram na região, sendo 145 envolvendo pedestres, onde 26 vidas foram perdidas.

"Esse projeto será um ganho incrível para a região. Foi muito importante ver os acidentes no mapa e conseguir pensar na melhor solução para aqueles pontos. Depois de implementado esse projeto, certamente esse mapa vai mudar bastante e muitas vidas serão salvas", exaltou a Especialista em Segurança Viária, Shanna Lucchesi. O evento foi organizado pelo WRI Brasil Cidades Sustentáveis em parceria com a prefeitura e com a Fia Foundation. A oficina teve a participação de técnicos da BHTrans.