Este artigo foi originalmente publicado no jornal O Globo.

***

As promessas retrógradas feitas pelo presidente americano Donald Trump começam a se concretizar, em sintonia com a nomeação de negacionistas do aquecimento global para posições-chave em seu governo. A revogação do regulamento de Obama que atendia a compromissos dos Estados Unidos à Convenção de Clima parece remeter o país à era do carbono, do século XIX. O retrocesso é enorme e enfraquece o papel americano na ordem mundial.

O decreto de 28 de março, desmontando o Plano de Energia Limpa, foi assinado ao lado de barões da mineração e incluiu sofismas, como “teremos carvão limpo, realmente limpo”, e a retórica de que este é um ato pela criação de empregos. Na verdade, devido à automação, a indústria americana do carvão produz 50% mais em comparação à década de 1940, mas emprega 1/8 das pessoas, além de enfrentar a concorrência do gás natural, cada vez mais barato. O setor de energia renovável tem se mostrado mais competitivo, com potencial de gerar milhões de empregos e manter os americanos competitivos em inovação tecnológica.

Empresas estão abandonando combustíveis fósseis e reduzindo emissões de gases de efeito estufa por vislumbrar vantagens econômicas. Deixar isso para trás não trará benefícios para os cidadãos americanos, como Trump alega, apenas torna mais provável que eles sejam ainda mais impactados por eventos climáticos extremos e outros efeitos diretos das mudanças climáticas, além de consequências negativas para a saúde pela queima de combustíveis fósseis.

O clima tem sido um dos temas mais presentes em diferentes instâncias e reuniões internacionais. Faz parte da agenda de grandes mesas de negociação, como convenções internacionais, G7 e G20, de bancos e agências multilaterais, e foros expressivos, como o de Davos. Nesse cenário, as atitudes de Trump, além de acenarem com um perigoso retrocesso nas metas de emissões dos Estados Unidos, colocam em grande risco o Acordo de Paris. De fato, enfraquecem os Estados Unidos nas negociações globais, não só de clima, mas de paz, segurança e comércio, pois são assuntos que caminham juntos. Tamanha entropia será de difícil e demorada reversão.

No momento em que deveríamos andar a largos passos, discutindo, criando e implementando tecnologias e métodos disruptivos para lidar com o aquecimento global, a comunidade internacional precisa gastar precioso tempo e energia para enfrentar o desgaste trazido pelas equivocadas políticas de Trump. O desmonte das políticas ambientais adotadas por Obama — como a ordem executiva do novo presidente — não passará em branco. Empresas, governos subnacionais e ONGs já ameaçam questionar na justiça medidas que violem a legislação em vigor, como o Clean Air Act (lei do Ar Limpo), por exemplo.

Para nações como Brasil, Índia e Indonésia, esse vazio criado pela ausência de liderança dos Estados Unidos pode se converter em oportunidades de assumir protagonismo, atrair investimentos para economias de baixo carbono e ainda ajudar a solucionar ineficiências em modelos regulatórios e de governança que afastam investidores.

No caso do nosso país, a liderança já conquistada através das metas ambiciosas de redução de emissões deve impulsionar a busca de desenvolvimento calcado em grande expansão da utilização de energias renováveis — somos o país com o maior potencial de energias renováveis por quilômetro quadrado do mundo —, e sustentabilidade no aumento da produção agrícola e florestal, sem implicar em aumento dos desmatamentos. Acima de tudo, governos e líderes da sociedade civil devem ficar atentos para ocupar o espaço que se cria com a ausência, a cegueira e o destempero do presidente americano.