Este artigo foi originalmente publicado no jornal Valor Econômico.


Cunhou-se, durante a ditadura militar, a expressão "a ocupação da Amazônia seguirá a pata do boi", legando até os nossos dias uma herança geopolítica simplista e ignorante quanto ao enorme e ainda pouco explorado potencial dos recursos naturais da biodiversidade regional.

A forte expansão da fronteira agropecuária brasileira na Amazônia resultou não apenas no crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) do país a partir dos anos 1960, mas também dos índices de derrubada de árvores e das emissões de Gases do Efeito Estufa (GEE) - consequência da conversão de paisagens florestais em pastagens para a criação de gado.

Alguns números ilustram a metamorfose orquestrada pelo homem. De 1997 para cá, mais de 20 bilhões de árvores foram cortadas na maior floresta tropical do mundo. Em 2016, mais da metade dos 8 mil km2 de floresta amazônica desmatada foi para a formação de novas pastagens. Atualmente, a pecuária de corte e leiteira representa 45% das emissões brasileiras brutas de GEE.

Como protagonista nas discussões internacionais sobre as mudanças climáticas, o Brasil tem o compromisso extremamente desafiador com o planeta de reduzir as suas emissões. Para isso, o país precisa praticamente zerar o desmatamento em todos os seus biomas e reduzir significativamente as emissões diretas da agricultura.

Agora, como garantir que isso, de fato, aconteça? Se assumirmos o inevitável aumento da demanda brasileira e mundial de carne, precisaremos de um impulso de eficiência produtiva no agronegócio caso queiramos reduzir o desmatamento.

A Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) tem notável experiência nesse sentido. Como uma empresa de inovação focada na geração de conhecimento e tecnologia para a agropecuária brasileira, a Embrapa vem desenvolvendo técnicas dentro do Plano de Agricultura de Baixo Carbono (Plano ABC) capazes de tornar a pecuária mais sustentável, produtiva e lucrativa em uma área menor e com reduzida emissão de gases. Sistemas integrados, como lavoura-pecuária (ILP) e lavoura-pecuária floresta (ILPF), que permitem neutralizar as emissões e restaurar pastagens, já ocupam uma área de 11,5 milhões de hectares no país e começam a forjar um novo pecuarista-empreendedor também com know-how de produção agrícola e florestal, uma inovação social de grande impacto no futuro.

Mas apenas a intensificação da pecuária não é garantia de que o vetor do desmatamento desaparecerá. A dinâmica de derrubada de árvores na Amazônia assenta-se hoje, em grande medida, na invasão de terras públicas e áreas protegidas para extração ilegal de madeira, e culmina no corte raso da floresta e em sua transformação em pastagem para alimentar os rebanhos bovinos. Frequentemente, pastagens degradadas são abandonadas e surgem novos desmatamentos com o mesmo objetivo, um ciclo vicioso e de alto impacto negativo.

A imprensa brasileira divulgou recentemente que ainda há carne sendo produzida em áreas desmatadas na Amazônia. As revelações evidenciam a falta de controle da origem da carne, descortinando um sistema com brechas que facilitam a ilegalidade.

Em Brasília, medidas provisórias e projetos de lei estão na ordem do dia do Congresso Nacional e do Palácio do Planalto propondo retrocessos ambientais que afetam a conservação da biodiversidade e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), das Nações Unidas. Se mantivermos esse ritmo, a dinâmica do desmatamento continuará.

Para interromper o ciclo, defendemos uma moratória para novos desmatamentos pelo lado da demanda de carne - a recente operação Carne Fraca e a delação premiada dos executivos da JBS põem em dúvida o controle pelo lado da oferta. Controle pelo lado da demanda foi o que ocorreu a partir de 2006 com a moratória da soja na Amazônia, o que diminuiu a pressão da sojicultura sobre a floresta.

Com uma moratória, a sociedade civil e o empresariado se comprometeriam a não comprar carne de gado criado em terras que foram desmatadas ilegalmente ou de qualquer novo desmatamento na Amazônia. Um pacto assim não ocasionará qualquer diminuição na produção de carne, que será melhorada pelo enorme espaço para a intensificação da pecuária. Várias pesquisas mostram que modestos níveis de intensificação são suficientes para eliminar a necessidade de novos desmatamentos.

Uma moratória também seria elemento essencial para o conceito de "pecuária sustentável" ou "carne carbono-neutro", que se baseia em emissões e absorções somente da atividade pecuária e agrícola e pressupõe o desmatamento zero. Isso somente pode ser assegurado se houver um período relativamente longo de moratória de desmatamento (10 ou 15 anos), um tempo necessário para induzir com políticas públicas e corretos subsídios a mudança de paradigma na pecuária em direção a sistemas integrados, maior produtividade, redução de emissões, preservação da água e da fertilidade e, indiretamente, a conservação da biodiversidade.

O agronegócio brasileiro deveria estar do lado de quem sustenta uma produção agropecuária ética e moral, e não à mercê dos que desrespeitam marcos legais ao derrubar árvores ilegalmente e desconsideram argumentos favoráveis ao desenvolvimento sustentável, à segurança alimentar e à produção e ao consumo responsáveis. Essa parcela do agronegócio denigre a importância de um setor estratégico para o país.

Se implementada, uma moratória da expansão de pastagens na Amazônia pode tornar-se a medida de transformação social mais importante para o cumprimento dos compromissos brasileiros no Acordo de Paris e para o futuro sustentável da Amazônia e do Brasil.

* Carlos Nobre é membro da Academia Brasileira de Ciências, membro-estrangeiro da Academia de Ciências dos Estados Unidos e senior fellow do WRI Brasil.

* Eduardo Assad é pesquisador da Embrapa e membro do comitê científico do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas (PBMC).