Campinas, principal município de sua região metropolitana composta por mais 20 cidades, abriga 1 milhão de habitantes e tem como lema atual "inovar". Em processo de revisão do seu Plano Diretor Estratégico, a cidade parece mirar o futuro com a meta de construir uma cidade mais eficiente, sustentável e humana. Para isso, estão em curso projetos de Desenvolvimento Orientado ao Transporte Sustentável (DOTS), a construção de 37 quilômetros de BRT e a aposta no transporte coletivo não poluente. Para acrescentar ainda mais qualidade de vida à população, Campinas está inserida na Rede Nacional para a Mobilidade de Baixo Carbono, iniciativa que encontra no redesenho urbano uma forma de promover a redução nas emissões de gases do efeito estufa.

A rede, coordenada pelo WRI Brasil Cidades Sustentáveis em parceria com a Frente Nacional de Prefeitos (FNP) e apoio do Instituto Clima e Sociedade (ICS), selecionou Campinas, mais nove cidades e o Distrito Federal para desenvolver um projeto de Rua Completa, conceito que melhora o desenho viário para garantir acesso seguro a todos os seus usuários. Cada cidade selecionou uma rua que receberá um projeto de readequação, unindo as percepções de engenheiros, arquitetos e gestores urbanos. 

Campinas escolheu um trecho da Rua José Paulino, localizada no centro da cidade. São sete quadras – entre as Avenidas Moraes Sales e Benjamin Constant – que dão espaço a comércio, uma sede do Corpo de Bombeiros e à Catedral Metropolitana de Campinas, construção inaugurada em 1883, hoje tombada pelo patrimônio histórico, e que é considerada a maior edificação feita em taipa de pilão ainda em uso no mundo. 

Com intenso fluxo carros e ônibus, a rua José Paulino faz parte de um binário adotado para conferir fluidez ao tráfego de veículos. Além disso, a rua é cortada por dois calçadões, o que promove a circulação de muitos pedestres na região. O planejamento de melhoria da via não é por acaso. A área onde a José Paulino está inserida está em processo de valorização e recentemente recebeu obras de qualificação da mobilidade.

A escolha da José Paulino e a sua inserção em um planejamento holístico

Atualmente, a José Paulino muitas vezes é lembrada como “a rua de trás”, uma referência à avenida Francisco Glicério, mais ampla e otimizada após as reformas viárias. Porém, a José Paulino não perde em importância e foi selecionada por estar em um ponto estratégico. 

“Escolhemos a José Paulino por diversos motivos. O primeiro deles é por estar inserida em uma região que queremos requalificar, pois queremos dar um uso melhor ao centro da cidade. Depois, ela é paralela a uma avenida que recentemente terminamos de reformar, a Francisco Glicério. Outro ponto determinante é por ela estar localizada no interior do que estamos chamando de “Área Branca”, explica o secretário de Transportes e presidente da Empresa Municipal de Desenvolvimento de Campinas (Emdec), Carlos José Barreiro. 

A Área Branca é um projeto em desenvolvimento na cidade que irá formar um anel viário na região central onde serão proibidos de circular ônibus poluentes, movidos a diesel. “Essa área tem cerca de 1,5 km de raio a partir da área central, onde existe a maior circulação de ônibus. Nessa faixa será obrigatório que os veículos não sejam poluentes. Serão veículos elétricos, híbridos ou, futuramente, de célula de hidrogênio”, explica Barreiro. A proposta prevê a instalação de terminais de ônibus em locais estratégicos do entorno do centro da cidade. Neles, os passageiros que se deslocam de seus bairros em ônibus convencionais poderão fazer a troca para veículos elétricos para se deslocar na Área Branca.

Transformar a Rua José Paulino em uma Rua Completa faz parte de um plano abrangente, que se insere em diversos outros planejamentos da cidade de Campinas. O Plano Diretor, em fase final de revisão, conforme o secretário, trará indicações de incentivo às Ruas Completas. Uma delas diz respeito a contrapartidas que poderão ser oferecidas pela prefeitura em troca da implantação do conceito no entorno de empreendimentos. 

Além disso, o Plano Diretor introduz pela primeira vez o conceito de DOTS. "Esse conceito vai propiciar que o município desenvolva algumas premissas que têm tudo a ver com a definição de Ruas Completas", diz o secretário. "Vamos fortalecer e orientar o desenvolvimento da cidade com incentivos ao redor dos eixos estruturadores de transporte e incentivar a mobilidade ativa com a nova filosofia da construção de calçadas e com a implantação de um sistema cicloviário."

As ciclovias a serem construídas deverão atender, segundo Barreiro, ao conceito de last mile, em que a bicicleta se torna o meio de transporte complementar ao transporte coletivo, com ciclovias instaladas a partir de estações de transporte até os bairros. Paralelo a isso está a construção do BRT, obra já em andamento, que deve entregar 37 quilômetros de corredores exclusivos para ônibus. "São três corredores, dois estruturais e um que os interliga. Eles estão inseridos em uma região da cidade que abriga 45% da população de Campinas e também de onde vêm a maioria usuários de transporte público", ressalta Barreiro.

A quarta razão pela escolha da José Paulino é justamente a proteção do patrimônio da cidade. Os fundos da Catedral Metropolitana está instalado junto à calçada da Rua José Paulino e o intenso movimento de carros e ônibus compromete a estrutura do prédio. As alternativas estudadas para preservar o local são alinhados ao conceito de Rua Completa, já que tratam de diminuir o fluxo de veículos para dar prioridade ao caminhar e à bicicleta e também de medidas de moderação de velocidade para o tráfego. 

A experiência da rua

Passar um dia na José Paulino é entender todo o intenso e constante fluxo de ônibus, pessoas e carros do centro de Campinas. As duas faixas para veículos abrem caminho para dezenas de linhas de ônibus, que muitas vezes atingem velocidades mais altas, consequência da inclinação da via. Segundo os frequentadores da rua, acidentes de trânsito não são raros. “O fluxo de ônibus e carros é muito grande e são muitos cruzamentos”, explica Talia Ruiz, de 18 anos. Segundo dados levantados pelo Emdec há dois anos, o fluxo de ônibus na rua é de 12% a 15% do tráfego, com carros e motos ocupando o restante. 

Ouvir pessoas com dificuldades de locomoção que passam pela rua é chegar a um consenso sobre a necessidade de melhorias no pavimento. A superfície das calçadas da José Paulino, feito de pedras portuguesas, coloca em risco a segurança. “As pedrinhas na calçada dificultam muito para os cadeirantes. Eu evito essa região da cidade justamente pelo tempo que eu preciso para me locomover”, conta Sonia Aparecida Fischer Henzo, 65 anos, cadeirante. Para ela, não é necessário a mudança da calçada inteira, mas adicionar uma faixa com outro pavimento mais liso.  

As irmãs Firmina e Natalina Brach, de 77 e 75 anos, destacam o mesmo problema. "A calçada está muito ruim de caminhar, tem pedras mais altas que as outras e acabamos tropeçando", conta Firmina. Amanda Chinaglia, moradora da região, observa os obstáculos encontrados para conduzir o carrinho de bebê do seu filho. Segundo ela, a largura da calçada não é o problema, mas sim os postes que foram instalados no espaço. “Não tenho espaço para passar em muitos pontos. Muitas vezes preciso ir pra a rua, no local onde passam os carros, para conseguir passar por aquele trecho”, ressalta.

Eduardo de Brito Sousa, promotor de vendas, trabalha durante todo o dia conversando com pessoas na Rua José Paulino. Ele observa a dificuldade dos deficientes visuais para atravessar a via: “O pavimento da calçada ajuda para eles sentirem onde começa a via dos carros, mas muitas vezes os deficientes visuais não sabem quando podem atravessar. Dependem da nossa ajuda”. Ciclistas estão em baixíssimo número. Carlos Roberto, 65 anos, é um deles. Acostumado a circular pela região, ele destaca que é preciso ter muito cuidado ao pedalar na José Paulino, devido ao grande número de pessoas caminhando. "Não é muito fácil andar aqui, preciso pedalar devagar, entre as pessoas", conta. 

Tommy Wu, comerciante que trabalha na José Paulino há mais de 6 anos, ressalta a importância do planejamento das intervenções. “Qualquer mudança no sentido de melhorar o trânsito do pedestre, dos carros, e ainda a criação de melhores condições para ciclovias é bem-vinda. A gente espera que essas mudanças ajudem o comércio. Mas vai depender de como for realizada a obra”, afirma. 

Desenhando as mudanças 

Inserido nas atividades do Fórum Brasil de Gestão Ambiental, o workshop de Ruas Completas realizado no dia 11 de julho, em Campinas, promoveu o encontro de diversas secretarias do município para um trabalho conjunto na busca por soluções para a José Paulino. Além dos engenheiros, arquitetos e gestores públicos de Campinas, o evento também contou com a participação das cidades vizinhas de Hortolândia, Santa Gertudres, Votorantim, Santana de Parnaíba, Araraquara e do CIOESTE (Consórcio Intermunicipal da Região Oeste Metropolitana de São Paulo), associação pública formada por cidades que fazem parte da Região Metropolitana de São Paulo.

A coordenadora administrativo-financeira e de captação da FNP, Daniela Fabri, ressalta a importância de reunir representantes dos municípios do entorno para que os novos conceitos possam ser disseminados: “A FNP quer ajudar as grandes cidades em projetos como esse e também poder replicar isso nos municípios polos. É para isso que estamos trabalhando. ” O atual presidente da Frente, Jonas Donizette, é o prefeito de Campinas. Ele é o primeiro ocupante do cargo sem ser prefeito de uma capital brasileira e permanecerá na posição até 2019.

Além de explicar o conceito e os elementos que podem compor uma rua completa, a Analista de Desenvolvimento Urbano do WRI Brasil, Ariadne Samios, explica que um dos critérios de escolha das cidades inseridas na Rede Nacional para a Mobilidade de Baixo Carbono (Recife, Fortaleza, Joinville, Campinas, Juiz de Fora, Porto Alegre, João Pessoa, Salvador, Niterói, São Paulo e Brasília) foi a capacidade de disseminar os conceitos aos municípios vizinhos. “Esse tipo de projeto precisa ser multidisciplinar, envolver o planejamento e o desenho, a engenharia, as questões políticas, a divulgação e a comunicação dos benefícios para a população, tudo isso com a participação da comunidade”, afirma Ariadne.

“Essa iniciativa da FNP em parceria com o WRI é muito louvável por tudo que propicia aos municípios brasileiros selecionados, ajudando a desenvolver projetos que têm tudo a ver com o conceito atual de mobilidade ativa”, destaca Barreiro. “Muitos municípios têm dificuldade de criar um projeto inovador, diferente. Muitas vezes por falta de conhecimento técnico. Essa iniciativa preenche essa lacuna. Além disso, Campinas tem uma prerrogativa e uma tendência de ser liderança em muitas práticas. Com esse projeto tentaremos trabalhar e acionar outros municípios para disseminarmos o conceito.”

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p>Marcelo José Vieira Oliveira, gerente de divisão da Divisão de Inovação e Tecnologia para Mobilidade Urbana (DPI), acredita que o evento trará resultados positivos. “O grande diferencial foi conseguir parar, sair da rotina dos processos e demandas do dia a dia e realmente pensar em um projeto ideal. A discussão com os grupos evoluiu muito bem, debatemos as ideias e vamos discutir ainda mais todos os pontos”, exalta. “A José Paulino hoje ainda é um espaço para carros, apesar do pedestre estar em maior número. Vamos trabalhar para que, no futuro, essa rua esteja bem diferente”, completa.