Este artigo foi publicado originalmente no WRI Insights.


No momento em que o último martelo bateu no início da manhã de 18 de novembro, em Bonn, na Alemanha, os negociadores internacionais do clima abriram caminho para a próxima cúpula climática em Katowice, na Polônia, em 2018. Lá, as regras subjacentes ao Acordo de Paris serão finalizadas e os países poderão sinalizar os compromissos de melhorar os planos climáticos nacionais até 2020.

Incentivar as notícias à parte das negociações deu um impulso útil para a estabelecer um cenário positivo. Nova pesquisa da WRI descobriu que 49 países já chegaram ao limite de suas emissões. Uma nova coalizão de países prometeu eliminar a queima de carvão até 2030 ou nunca começar. O maior fundo soberano do mundo, com sede na Noruega, ofereceu uma proposta de abandono das explorações de petróleo e gás, o que poderia criar um efeito cascata significativo. A Emenda Kigali chegou ao limite de 20 países para entrar em vigor, estabelecendo o acordo para substituir hidrofluorocarbonetos (HFC), potentes gases de efeito estufa, por alternativas climáticas seguras. Apesar da intenção da administração Trump de retirar os Estados Unidos do Acordo de Paris, empresas americanas, cidades, estados e outros se fizeram presentes para dar aval total à ação climática. E houve uma vasta gama de iniciativas apresentando soluções climáticas para todos os níveis e setores.

<p>At an event where America's Pledge was announced. Flickr/WRI</p>

At an event where America's Pledge was announced. Flickr/WRI

Mas, embora se possa comemorar um progresso incremental, as tendências das emissões globais mostram que não estamos no melhor caminho para evitar os impactos climáticos mais devastadores para a economia e o ambiente. De acordo com um novo relatório, os gases de efeito estufa das atividades humanas atingirão seus níveis mais altos ainda neste ano, após três anos de estagnação. Em todo o mundo, ainda precisamos fazer as mudanças econômicas e sociais mais abrangentes – desde o tipo de energia das nossas casas e a maneira como construímos nossas cidades até a alimentação das nossas famílias e como todos se deslocam nas cidades – para manter as mudanças climáticas sob controle. Ainda estamos mordiscando as bordas desse desafio monumental, e o relógio está correndo.

Dito isso, os países terão de aumentar os esforços em 2018 para completar o regramento do Acordo de Paris e enviar sinais claros de que irão fortalecer as ações previstas em suas Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs) até 2020.

Abaixo, os especialistas em clima internacional do WRI compartilham informações sobre os principais desenvolvimentos da COP23:

O Livro de Regras de Paris

Os negociadores avançaram nas regras e procedimentos subjacentes ao Acordo de Paris. Para finalizar o Livro de Regras de Paris no próximo ano, os países devem intensificar os esforços e navegar com atenção por temas como transparência, contabilização de emissões e finanças, além do processo de aumento da ambição ao longo do tempo. Em Bonn, o maior progresso foi feito na sensível questão da transparência. No próximo ano, os negociadores terão de equilibrar a flexibilidade necessária a alguns países em desenvolvimento por terem diferentes capacidades, enquanto garantem que todos os países são orientados pelos mesmos princípios de melhoria dos dados ao longo do tempo e de capacidade para fornecer a previsibilidade que países e mercados precisam para o financiamento climático.

Os negociadores ainda precisam encontrar áreas de convergência sobre como eles podem fazer um balanço de seus esforços climáticos a cada cinco anos, incluindo a maneira de abordar questões de equidade social nesse processo. O Livro de Regras de Paris precisará crescer nas agendas políticas dos países para garantir resultados claros em 2018, para todos os países, e forneçam os sinais necessários ao mercado para ajudar a apoiar a transformação rumo a uma economia de baixo carbono em um mundo resiliente ao clima.

Diálogo Talanoa

Após consultas intensivas, a Presidência de Fiji revelou um roteiro para o Diálogo Talanoa 2018, um processo de um ano para avaliar o progresso coletivo e identificar oportunidades para que os países fortaleçam as ações. O Diálogo Talanoa é um primeiro passo nos ciclos de ambição progressiva a cada cinco anos, uma característica fundamental do Acordo de Paris.

Dirigido conjuntamente por Fiji e Polônia, esse processo incluirá uma fase preparatória a partir do início de 2018 e culminará em uma fase política a nível ministerial durante a cúpula do clima no próximo ano. O roteiro destaca a importância de estabelecer sinais claros e prospectivos para estabelecer NDCs mais ambiciosos, necessários para diminuir as emissões globais. O roteiro de Talanoa também inclui o importante papel de outros atores, incluindo cidades, empresas, sindicatos, grupos da sociedade civil, bem como eventos globais, nacionais e regionais ao longo de 2018.

A cúpula do clima organizada em 2013 em Varsóvia, na Polônia, foi o local de nascimento das NDCs. Assim, ao longo de 2018 e durante a COP24, a Presidência da Polônia pode novamente mostrar liderança ao trabalhar com Fiji para facilitar a próxima rodada de NDCs, enviando sinais claros de que os países irão melhorar seus compromissos climáticos até 2020.

Ação pré-2020

Uma questão inesperadamente presente em Bonn foi o apelo aos países em desenvolvimento para uma ação climática acelerada antes de 2020, a fim de garantir que os compromissos já assumidos sejam cumpridos. Já os países em desenvolvimento pediram aos países desenvolvidos que entreguem compromissos feitos tanto para a redução de emissões quanto a mobilização financeira. Da mesma forma, destacou-se a necessidade de os países desenvolvidos completarem a ratificação do segundo período de compromisso do Protocolo de Quioto, de 1997, que conclui em 2020. Os delegados chegaram a um ponto comum, concordando com sessões especiais de inventário em 2018 e 2019.

Pesquisas mostram que as emissões globais precisam chegar ao pico e diminuir significativamente até 2020 para se ter uma chance de manter o aumento da temperatura global bem abaixo de 2 graus Celsius e assim evitar os impactos climáticos mais perigosos. A ação imediata é de extrema importância.

Adaptação e Perdas e Danos

As consequências para as comunidades pobres e vulneráveis ​​são mais intensas à medida que as mudanças climáticas também se intensificam. Os negociadores apenas tomaram decisões processuais quanto aos mandatos relacionados à adaptação diante do Acordo de Paris. O próximo ano será fundamental para a importantes decisões substantivas, como, por exemplo, o reconhecimento do que os países em desenvolvimento estão fazendo em prol da adaptação climática e como os países avaliarão as ações em adaptação, e como mobilizarão mais apoio.

Reconhecer que perdas e danos ocorrerão ainda que sejam reduzidas as emissões e os países se adaptem, é um mérito para o trabalho do Mecanismo Internacional de Perdas e Danos de Varsóvia (WIM, na sigla em inglês). O WIM explora questões como deslocamentos e eventos climáticos extremos. Os países também solicitaram ao Comitê Executivo da WIM que convocasse um diálogo especializado em 2018 (o encontro já recebeu o apelido de "Diálogo Suva") para explorar maneiras de aumentar o apoio a perdas e danos, incluindo o financiamento.

Finanças

A Alemanha, a Suécia, a Itália, a Bélgica e a região sul da Valônia e a Irlanda totalizaram 185 milhões de dólares em novas promessas financeiras ao Fundo de Adaptação (Adaptation Fund, em inglês) e ao Fundo dos Países Menos Desenvolvidos (Least Developed Countries Fund, em inglês), que apoiarão as necessidades de adaptação urgentes em países vulneráveis. Os negociadores concordaram que o Fundo de Adaptação de 10 anos será formalmente vinculado ao Acordo de Paris, em 2018.

Além do financiamento para adaptação, os negociadores lidaram com questões-chave de como os países se comunicariam sobre o futuro apoio financeiro para a ação climática nos países em desenvolvimento. Os negociadores concordaram em permitir um tempo extra para debater as questões nas sessões preparatórias até a conferência climática de 2018.

Liderança dos Estados Unidos

As vozes mais inspiradoras durante a COP23 vieram de prefeitos, governadores e empresários de todo o mundo. Ouvimos os exemplos de HP, Mars e Walmart, que estão entre as mais de 320 grandes empresas do planeta que firmaram compromissos ou metas de redução de emissões baseadas em premissas científicas. Os prefeitos compartilharam o que estão fazendo como parte da Aliança Global dos Prefeitos sobre o Clima e a Energia (Global Covenant of Mayors for Climate & Energy, em inglês), que reúne 7,5 mil cidades e governos locais com o potencial de reduzir 1,7 bilhões de toneladas de emissões. Os governadores mostraram que também estavam prontos para se tornarem lideranças globais, independentemente dos obstáculos nacionais que estivessem no caminho.

Isto foi especialmente verdadeiro para os Estados Unidos. O relatório America's Pledge mostra que os os estados americanos, as cidades e as empresas — que representam mais de metade da economia e da população do país — intensificaram as ações para preencher o vazio deixado pela declaração da Administração Trump de abandonar o Acordo de Paris. Se fossem considerados um país independente, as cidades e os estados americanos sozinhos seriam a terceira maior economia do mundo.

A Administração Trump foi fortemente criticada por usar o único evento oficial dos Estados Unidos na COP23 para lançar o acesso universal aos combustíveis fósseis como estratégia climática. Durante as negociações, a Síria aderiu ao Acordo de Paris, deixando os Estados Unidos sozinhos como a única nação do planeta Terra fora do acordo global.

Gênero, Povos Indígenas e Agricultura

Os líderes dos países também se concentraram a questões que relacionam a ação climática à vida das pessoas. Eles adotaram um plano para promover a igualdade de gênero e operacionalizaram a Plataforma das Comunidades Locais e dos Povos Indígenas, criada em Marrakech em 2016. A plataforma reconhece a contribuição de conhecimentos e saberes dos povos indígenas para a promoção da ação climática. Esses resultados promovem os direitos humanos e uma transição justa para uma sociedade com baixa emissão de carbono e resiliente ao clima. Porém, arranjos e orçamentos institucionais são essenciais para tirar do papel as iniciativas.

Após anos de bloqueio, os negociadores também avançaram em assuntos ligados à agricultura e pecuária. Os países concordaram em ir da conversa para a ação e apoiar soluções climáticas, como melhorar a fixação do carbono e a saúde do solo, promover melhores práticas de manejo para os rebanhos bovinos e garantir suprimentos suficientes para enfrentar as mudanças climáticas. Isso também pode resultar em recomendações para o Green Climate Fund a fim de financiar atividades que reduzam as emissões no setor agropecuário e estimulem a adaptação frente aos impactos climáticos.

O que precisará acontecer a partir de agora?

Ainda que progressos tenham sido feitos, os negociadores terão pela frente o desafio de concluir o Livro de Regras ainda em 2018, e gerar vontade política que leve as partes a apresentarem NDCs mais ambiciosas até 2020. A boa notícia é que haverá oportunidades no ano que vem para reunir as lideranças globais, da Cúpula “One Planet" idealizada pelo presidente francês Emmanuel Macron para dezembro deste ano às sessões de negociação intermediárias e à Cúpula Global de Ação Climática que acontece na Califórnia em setembro do próximo ano.

A janela está se fechando para controlar o aumento implacável das emissões de GEE — e o ano de 2018 é chave para os países e para todos nós.