As cidades brasileiras, em geral, ainda dependem exclusivamente da receita gerada com as tarifas para financiar seus sistemas de transporte coletivo, incluindo operação, manutenção, frota e estrutura. O problema é que esse recurso só é suficiente para cobrir operação, manutenção e custos relacionados à frota – e “na maior parte, só os dois primeiros”, avalia o economista do Banco Mundial, Arturo Ardila-Gomez.

Na visão do especialista, as cidades precisam diversificar as fontes de financiamento além de oferecer subsídios ao transporte coletivo. Hoje, são justamente os carros – que ocupam maior parte do espaço das vias transportando menos pessoas – os que recebem mais subsídios.


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Nesta entrevista, Gomez fala a respeito desses subsídios, a maneira como o transporte coletivo impacta a economia urbana e como as cidades podem obter receitas adicionais para financiar e qualificar seus sistemas.

Economista do Banco Mundial, Arturo Ardila-Gomez (Foto: Victor Moriyama)

Sabemos que o tempo gasto em deslocamentos gera significativos prejuízos econômicos e de produtividade. Explique de que forma o transporte coletivo impacta a economia das cidades. As cidades podem ser vistas como um mercado de trabalho. Quando há congestionamentos e o transporte coletivo não opera com eficiência, o mercado de trabalho da cidade também não funcionará. As organizações não conseguirão os melhores funcionários e as pessoas não conseguirão os melhores empregos – pela dificuldade de acesso. É dessa forma que o transporte coletivo se faz essencial para a economia das cidades. Alguns chamam isso de competitividade. Porque o transporte é o sangue que irriga essa competividade, permitindo que as pessoas tenham acesso a oportunidades de trabalho. Agora, se todos utilizarem um carro para se deslocar, será necessário um investimento de bilhões ou até trilhões de dólares. Vamos perder em competitividade e ter uma cidade espraiada, que não favorece a mobilidade sustentável. O que quero dizer com isso é: o transporte coletivo é a maneira mais eficiente para termos cidades compactas, competitivas, com um mercado de trabalho saudável e que funcione. Estruturar um sistema de transporte bem organizado, com prioridade em relação aos carros, tem um custo menor e impactos mais positivos.

Em geral, as cidades brasileiras dependem da receita gerada com as tarifas para manter o transporte coletivo. Que outras fontes de financiamento existem? Como obter receitas adicionais? O sistema de transporte coletivo de uma cidade pode apresentar diferentes modalidades: ônibus que circulam pelas vias normais, ônibus que trafegam em corredores segregados (como BRT), metrô, VLT. E todo o sistema, incluindo todos os modos que o compõem, tem custos de capital, operação e manutenção. Para pagar isso tudo e manter os sistemas operando, há as tarifas, pode haver aluguel de propriedades das empresas de transporte e alguns subsídios. De modo geral, essas são as fontes de renda para compensar todos os custos. O que acontece é: na maioria das cidades do mundo, a receita das tarifas cobre manutenção e operação da frota para algumas rotas e o custo de capital dos ônibus – quase nunca esse recurso cobre o custo de capital de infraestrutura (manutenção das vias, dos túneis do metrô, das estações de BRT). Então o transporte coletivo precisa de subsídios, ao mínimo para os custos de capital e ao máximo para os custos de operação e manutenção. E isso se justifica porque o transporte coletivo é a maneira mais eficiente de gerar essa “irrigação” que uma cidade precisa para ser competitiva e ter um mercado de trabalho fortalecido, para ser uma cidade na qual as pessoas consigam acessar as oportunidades.

Na sua visão, subsídios para sistemas de transporte coletivo devem ser divididos entre União, estados e municípios? Quais os benefícios dessa prática e onde ela já é aplicada? Quando as cidades são competitivas – com um mercado de trabalho pulsante e que funciona muito bem graças a um sistema de transporte eficiente –, os benefícios dessa prosperidade vão além da cidade em si. Se em um país há uma cidade muito próspera, que paga muitos impostos à União, o governo nacional precisa oferecer um retorno – porque as cidades prósperas e competitivas são os motores do desenvolvimento econômico. Em outras palavras, é positivo para os governos, federal ou estaduais, investir em custos de capital – ou seja, financiar a construção de linhas de metrô, sistemas BRT, qualificar o transporte coletivo em geral. No Banco Mundial, observamos a experiência positiva de muitos países – Alemanha, França, Estados Unidos, Canadá, Austrália, México, Colômbia, Argentina, Brasil – que possuem programas nacionais de financiamento de sistemas de transporte coletivo urbano.

E as cidades, que boas práticas de financiamento podem adotar para o transporte coletivo? Para diversificar o financiamento dos sistemas de transporte, as cidades precisam contar com uma boa base de renda. Essa base é constituída a partir dos impostos, dos quais podemos destacar o predial (IPTU). O imposto predial é o mais importante para uma cidade porque gera incentivos significativos para a administração municipal. A lógica é mais ou menos esta: se os gestores públicos querem que o valor dos terrenos e imóveis aumente, precisam investir na infraestrutura do entorno (calçadas, ruas, ciclovias, BRTs, metrôs, espaços públicos). Isso valoriza a área, o valor das propriedades sobe e é revertido em mais impostos, que permitem que novas qualificações sejam feitas. De modo geral, as cidades que conseguem ter impostos cuja base seja atualizada todos os anos conforme a valorização gerada são as cidades que conseguem fazer os investimentos necessários para qualificar o ambiente urbano, o que inclui o transporte coletivo.

Os carros ocupam a maior parte do espaço das vias, transportam menos pessoas e poluem mais. Quais medidas podem ser tomadas para que o transporte individual motorizado também contribua para o financiamento do transporte coletivo?

Um fator significativo que contribui para os congestionamentos nas cidades é o fato de que carros recebem subsídios. E esses subsídios promovem o uso excessivo de um modo de transporte ineficiente e, em muito, nocivo para as cidades. Consideremos a cobrança pelo estacionamento nas vias públicas, por exemplo. Geralmente essa cobrança é feita de forma equivocada: quem deixa o carro estacionado o dia inteiro acaba pagando menos do que quem estaciona apenas por algumas horas. Além disso, há as vias em que não há cobrança por esse uso. Os carros deveriam sempre pagar para estacionar, porque o espaço que ocupam tem um custo de oportunidade. Quando o estacionamento é gratuito, o que acontece é um declínio urbano: menos espaço para as pessoas, menos pessoas nas ruas, menos movimento no comércio. Só que esses subsídios são implícitos. As pessoas estão acostumadas a estacionar de graça e não sabem que os modelos de cobrança são equivocados e ineficientes para a cidade. É preciso inverter essa lógica, o transporte individual motorizado precisa pagar pelas externalidades negativas que gera e, assim, também contribuir para o financiamento do transporte sustentável.