"Sempre digo que minha carreira não é convencional e linear.”

Assim Katerina começa a contar sobre sua trajetória.

Filha de mãe brasileira e pai alemão, criada na Inglaterra, mestre com distinção pelo Imperial College London e hoje pesquisadora nas áreas de adaptação e resiliência climática urbana. Antes de ser escolhida, Katerina escolheu o WRI Brasil e, desde 2013, contribui para a produção de conhecimento e o trabalho da organização.

Conversamos com a especialista sobre sua trajetória profissional, a paixão pelo trabalho na área de adaptação climática e os desafios das cidades brasileiras para se tornarem mais resilientes e ativas no combate às mudanças do clima.

 

Conte um pouco sobre a sua trajetória. Como chegou ao WRI Brasil?

Sempre digo que minha carreira não é convencional, linear. Minha mãe é brasileira, meu pai é alemão e eu cresci em Londres. Concluí meu mestrado lá, comecei a trabalhar em uma ONG ambiental e vi que o WRI iria abrir um escritório no Brasil. E pensei: “Nossa, preciso entrar nessa!”.

 

A pesquisadora Katerina trabalha para estruturar a área de adaptação no WRI Brasil e, em paralelo, é uma pessoa com seus sonhos. Qual o seu principal sonho como agente de resiliência e adaptação?

Não é possível abordar adaptação às mudanças climáticas sem compreender condições socioeconômicas e os mecanismos que mantêm as populações numa condição de pobreza. Porque a adaptação vai impactar os mais vulneráveis, e os mais vulneráveis, hoje, também são os indivíduos marginalizados. Ou seja, a adaptação une as agendas de clima e desenvolvimento social. Para mim, esse é um trabalho maravilhoso – nos permite pensar em soluções de emancipação, avanços socioeconômicos e em como superar questões postas pela pobreza.

Meu grande sonho, em termos de adaptação, é que consigamos compreender por que existem populações vulneráveis hoje e como, por meio de um planejamento que contemple questões climáticas, podemos realmente tirar determinadas populações dessa condição de vulnerabilidade. A pauta do clima pode avançar não só questões ambientais, mas também de desenvolvimento social e humano.

 

Por que adaptação climática e resiliência urbana são temas tão fundamentais hoje?

Em primeiro lugar, porque as mudanças climáticas chegaram. Já estão acontecendo, e as pessoas já estão sendo afetadas – pessoas, comunidades, organizações e países. As mudanças do clima aumentam a escala de “extremidade” dos eventos climáticos. Ou seja, se chove, a chuva é mais forte; se ocorrem secas, são secas mais prolongadas. Foi marcante, por exemplo, a quantidade de furacões no Caribe em outubro. Algumas ilhas não estão conseguindo se recuperar. A de Barbuda, ao lado de Antígua, possuía uma população aproximada de 1800 pessoas, e apenas 10% retornaram para suas casas. 

 

A mudança climática é global, mas o impacto é local. Por quê?

A temperatura média do planeta está aumentando, e embora a mudança do clima seja um fenômeno global, os impactos são muito territorializados. Dentro de uma mesma cidade, é possível haver uma variedade de impactos, porque estes são determinados por diferentes fatores. O Rio de Janeiro, por exemplo, enfrenta chuvas e ventos mais fortes, temperaturas extremas, elevação do nível do mar e aumento de doenças entre a população. O que acontece é que diferentes áreas da cidade estão expostas a diferentes impactos. A população que vive nos morros não é tão afetada pelo aumento do nível quanto as pessoas que vivem nas zonas costeiras.

É possível prever que tipos de impactos climáticos afetarão cada lugar, mas o que determina a gravidade dos fenômenos são questões socioeconômicas, topográficas, de infraestrutura e capacidade institucional, entre outras. Uma cidade costeira rica talvez sofra menos com esses impactos que uma cidade costeira pobre, por ter mais recursos para se preparar e se recuperar. Ou seja, duas cidades podem sofrer os mesmos impactos climáticos, mas as consequências e a recuperação serão diferentes em cada uma. As populações, da mesma forma, têm níveis diferentes de vulnerabilidade. Por isso é tão importante compreender também esse conceito.

 

Por que é necessário engajar o setor público no combate às mudanças do clima?

Engajar as cidades no combate às mudanças climáticas depende de dois pontos. Primeiro, não se pode mais basear o planejamento urbano apenas em dados históricos – é preciso incorporar dados futuros. Segundo, é preciso integrar o clima no planejamento urbano. É fundamental engajar o setor público porque as mudanças climáticas afetam diretamente o planejamento e o desenvolvimento das cidades. Não basta basear o planejamento apenas no que aconteceu até hoje – é preciso planejar com base também em previsões de impactos climáticos que estão por vir. Por exemplo: não adianta construir uma rede cicloviária ou implantar um sistema BRT sem saber se as áreas percorridas pelos trajetos são vulneráveis a enchentes ou se encontram sob algum risco climático.

 

O UCRA (Avaliação de Resiliência Urbana Comunitária) de alguma forma tenta suprir algumas dessas necessidades de informação. Essa é a inovação de que precisamos?

Desenvolvemos esse projeto partindo do princípio de que a vulnerabilidade aos impactos climáticos é variável. Cada bairro será afetado de forma diferente. As medidas de adaptação mais efetivas são aquelas que conseguem abordar essas necessidades diferentes. Com o UCRA, desenvolvemos um conjunto de indicadores que ajuda gestores urbanos a entenderem essas vulnerabilidades diferenciadas. Trabalhamos em conjunto com as comunidades para levantar esses dados, aprofundá-los e criar soluções que podem ser incorporadas pelo planejamento urbano. O UCRA aborda uma questão essencial que é o fato de que as comunidades sentem os impactos climáticos de formas diferentes, e essa diferenciação precisa estar refletida no planejamento urbano. Sem isso, corremos o risco de não proteger as comunidades mais vulneráveis ou reforçar vulnerabilidades já existentes.

 

No Brasil, quais são as cidades mais afetadas pelas mudanças no clima ou mais predispostas à vulnerabilidade?

Do meu ponto de vista, não é interessante fazer essa comparação. Porém, considerando uma priorização, é importante avaliar em quais cidades a questão climática é mais urgente. No Brasil, os municípios mais vulneráveis às mudanças do clima incluem as cidades costeiras. Vinte e seis por cento da população brasileira vive em áreas costeiras, 30% do PIB nacional vem dessas áreas, e essas cidades estão expostas a um leque de impactos climáticos – como aumento do nível do mar, ressacas etc. Santos, por exemplo, desenvolveu seu plano de adaptação por já estar sentindo esses impactos. Outras cidades que também já estão tratando essa questão são Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Recife, São Paulo. Municípios vulneráveis também são os pequenos e médios, devido ao rápido crescimento urbano que estão vivendo e, às vezes, à falta de recursos e dados econômicos e técnicos para poder responder às mudanças climáticas.

 

Soluções já existem, mas nem sempre as cidades conseguem aplicá-las. Como superar esse desafio e chegar a um planejamento urbano que contemple adaptação e resiliência?

Muitas soluções para combater os efeitos das mudanças no clima já existem e outras estão sendo desenvolvidas. Esbarramos hoje na questão do financiamento, quem vai pagar essa conta. O Brasil ainda não é considerado um dos mais vulneráveis, em relação a países que vivem uma situação mais grave, como algumas nações no continente africano e outras asiáticas. Por isso, o financiamento para adaptação é direcionado para essas regiões. Aqui, recebemos mais recursos para medidas de mitigação. No entanto, isso não quer dizer que não existam fundos disponíveis para apoiar medidas de adaptação – recentemente realizamos um levantamento desses fundos, nacionais e internacionais. Os desafios – ou oportunidades – para acelerar a adaptação no Brasil são aumentar a vontade política, facilitar o acesso ao financiamento e elevar a capacidade técnica dos atores-chave: cidades e comunidades, entidades locais e setor privado.