Nove em cada dez pessoas respiram ar contaminado no mundo de acordo com o mais recente relatório da OMS, publicado em 2018. A agência da ONU estima que sete milhões de pessoas morram anualmente em decorrência da má qualidade do ar. E no Brasil? O mesmo levantamento fala em 50 mil mortes por ano, mas alguns pesquisadores acreditam que o número pode ser maior. De acordo com pesquisas do médico patologista Paulo Saldiva, professor da Faculdade de Medicina da USP, o morador de São Paulo, por exemplo, perde em média um ano e meio de vida por causa da poluição. Viver na capital paulista seria equivalente a fumar quatro cigarros por dia.

As mortes ocorrem principalmente devido à inalação dos gases e à exposição a partículas finas que penetram profundamente nos pulmões e no sistema cardiovascular, podendo causar acidentes vasculares cerebrais, doenças cardíacas, câncer de pulmão, doenças pulmonares obstrutivas crônicas e infecções respiratórias, incluindo pneumonia.

No final de maio, a greve dos caminhoneiros ajudou a ilustrar como a qualidade do ar é afetada pelos transportes. De acordo com Saldiva, houve uma redução de 50% na poluição do ar em São Paulo durante o sétimo dia de paralisação. “Esse é um episódio raro e vamos estudar suas consequências na saúde pública. Quem sabe essas evidências quantitativas sirvam de argumento para a criação de políticas públicas”, disse.

De acordo com a comparação dos dados diários sobre poluição atmosférica medidos pela Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb), os índices de poluição aumentaram quando houve a liberação do rodízio, seguidos de uma forte queda após a falta de combustível e a redução de carros e a frota de ônibus nas ruas.

Ao optar pelo carro em vez do ônibus, uma pessoa contribui com 45 vezes mais emissões de dióxido de carbono na atmosfera (gás que contribui para o aquecimento do planeta) e 30 vezes mais de monóxido de carbono (gás tóxico e poluente). Sem contar o aumento de uma vez e meia de óxido de nitrogênio e o triplo de material particulado, que afetam os pulmões e provocam danos à saúde. O cálculo foi feito com base nos fatores do Inventário Nacional de Emissões Atmosféricas por Veículos Automotores Rodoviários do Ministério do Meio Ambiente considerando ônibus urbanos com média de ocupação de 80 pessoas e carros com média de 1,5.

Há um claro impacto negativo na saúde da população brasileira. Estima-se que viver em uma cidade com ar poluído aumente o risco de ataque cardíaco em 75% em comparação com cidades de ar limpo. Evidências mostram também que o impacto da poluição é desigual: os efeitos são mais intensos na população de baixa renda. Os problemas de saúde reverberam na economia, devido a mortes prematuras e faltas no trabalho por doenças relacionadas à concentração de poluentes no ar. Somente em São Paulo, a mortalidade e a morbidade geradas pela poluição do ar geram um custo econômico de até US$208 milhões ao ano.

Recentemente, o programa Cidades e Soluções, da Globo News, acompanhou um morador da cidade de São Paulo durante um trajeto de quatro horas utilizando diferentes modais de transporte. As medidas clínicas (pressão arterial, frequência cardíaca e a concentração de monóxido de carbono – CO expirado) foram monitoradas ao mesmo tempo em que os parâmetros ambientais da cidade (temperatura, umidade, ruído e concentração do poluente material particulado 2,5) eram contabilizados. Uma equipe de pesquisadores da USP e do ISS acompanharam o experimento.

Durante o percurso, a maior média de concentração do MP2,5 foi observada no deslocamento em um veículo com janela aberta (169,4 µg/m3), em que também se observou a maior variabilidade devido à influência dos fatores externos (túnel, proximidade de avenidas e afastamento das vias de trânsito pesado). Esse valor médio é 580% maior que o limite máximo da OMS, equivalendo a quase 6h41 no limite máximo da OMS, que é de 25 µg/m3 para o MP2,5. Na caminhada, tanto em ambiente fechado quanto em ambiente aberto, as concentrações médias de MP2,5 estiveram muito próximas (122,3 e 130,0 µg/m3). No modal caminhada, a exposição de uma hora na concentração média obtida equivale a 5h05 no limite máximo da OMS.

escrevemos sobre como a legislação atual deixa de proteger os brasileiros. A proposta de atualização dos padrões de qualidade do ar no Brasil, permissiva em relação aos padrões indicados pela Organização Mundial da Saúde, avançou na Câmara Técnica de Assuntos Jurídicos do Conselho Nacional de Meio Ambiente e a resolução passará a valer em breve, apesar da oposição de pesquisadores e organizações que defendem a saúde e a qualidade de vida dos brasileiros.