Historicamente, a palavra está associada a um tipo de tecido de lã – a bura – que passou a ser utilizado para proteger as escrivaninhas dos serviços públicos de poeira, insetos etc. Com o tempo, na França, os móveis passaram a ser chamados pelo mesmo nome (bureaux ou, em português, birô) e, ainda mais tarde, todo o processamento de documentos operado nesses móveis passou a ser chamado bureaucracie.

Estamos falando de burocracia. Embora hoje o entendimento em torno do conceito esteja distorcido, a verdade é que a palavra designa um conjunto de regras necessário para a operação de determinada organização ou departamento. Está no dicionário: “sistema de administração pública por meio de um conjunto de funcionários lotados em ministérios, secretarias e órgãos, sujeitos a regulamento, hierarquia e rotina; os trâmites legais desse sistema”.

Um conjunto de regras bem definidas é necessário para o funcionamento de qualquer tipo de sistema. Especialmente em se tratando da gestão pública, essa formalização se faz ainda mais necessária: é preciso estabelecer procedimentos, manter registros e controles, abrir e encerrar processos. Para que a engrenagem funcione, contudo, isso precisa ser feito de forma eficiente – e, principalmente, condizente com o momento em que vivemos.

A tecnologia pode ajudar

Ao longo dos últimos anos e pelos próximos, inovações tecnológicas sugiram e continuarão surgindo para facilitar quase todo tipo de atividade – transporte, entrega de mercadorias, trânsito e navegação, comunicação, transações financeiras, acesso à informação. Esse mesmo ritmo de avanço não foi observado, contudo, nos serviços públicos.

Com poucos cliques na tela do celular, uma pessoa pode pagar suas contas, pedir um jantar ou checar o melhor trajeto até determinado destino. Por outro lado, se a mesma pessoa desejar checar, com a mesma rapidez, o quanto a prefeitura da cidade investiu em dado período na escola municipal de seu bairro, provavelmente navegará por diferentes sites e informações dispersas antes de obter o que deseja. E, muitas, vezes, não conseguirá descobrir essa informação.

Os serviços públicos, assim como a prestação de contas do setor público, precisam estar no século XXI.

A economia do futuro é digital e cresce a um ritmo 2,5 vezes superior aos demais setores. Globalmente, deve representar US$ 23 trilhões em 2025 e, localmente, atingir 25% do PIB Brasileiro já em 2021. O mais curioso neste processo é que o desafio da transformação digital não é tecnológico. O maior desafio é direcionar esforços e coordenar mudanças estruturais na organização da sociedade e do governo, preparando-os para enfrentar as barreiras e, principalmente, aproveitar as oportunidades de uma economia digital.

A Estratégia de Governança Digital do governo federal, documento de onde foi retirado o trecho acima, estabeleceu objetivos referentes à qualidade da prestação de serviços públicos no país, ao acesso à informação e à participação social. Para que as mudanças aconteçam, a disponibilização e a facilidade de acesso à informação são essenciais. A eficácia e a responsabilidade do governo ao reportar o uso do dinheiro público permitem ao cidadão acompanhar o que acontece e atuar, por meio do acesso à informação, nas pautas da sua cidade.

<p>População deve poder contar com serviços públicos mais transparentes, acessíveis e eficientes (Foto: Joana Oliveira/WRI Brasil)</p>

População deve poder contar com serviços públicos mais transparentes, acessíveis e eficientes (Foto: Joana Oliveira/WRI Brasil)

Uma das metas estipuladas é a catalogação de 1790 serviços no Portal de Serviços até o fim deste ano (atualmente são 1763) e a disponibilização de pelo menos 780 deles de forma digital (atualmente, 722). Os objetivos também incluem aumentar as bases de dados do governo disponíveis na GovData, plataforma de análise de dados do governo federal, a fim de subsidiar a avaliação de políticas públicas e a qualificação dos serviços públicos. A meta estipula que, até o fim do ano que vem, pelo menos 40 bases de dados estejam na plataforma.

Os dados na plataforma ainda não são abertos à sociedade civil, mas a ferramenta, se bem utilizada, é um avanço para a eficiência dos serviços na medida em que conta com funcionalidades como o cruzamento entre diferentes bases de dados. Assim, é possível saber, por exemplo, se uma pessoa que já morreu continua recebendo benefícios de um programa social. Além disso, o fácil acesso a informações governamentais permite que os órgãos troquem informações e ajuda no desenvolvimento e monitoramento de políticas públicas, gerando economia nos custos de armazenamento, processamento e análise de dados.

Entre os esforços de âmbito federal, há, ainda, um conjunto de ferramentas desenvolvidas para promover a simplificação dos processos, a padronização e a integração dos dados e informações dos serviços públicos. E o Portal Brasileiro de Dados Abertos: a plataforma reúne mais de 6 mil conjuntos de dados de 128 organizações do setor público e foi desenvolvida para permitir que todos possam encontrar e utilizar as informações públicas com relativa facilidade.

Qualidade da burocracia

Avanços como esses confirmam os resultados de outro estudo, desenvolvido pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), que desenvolveu um índice inédito para calcular a qualidade da burocracia brasileira. As conclusões indicaram que, apesar de ainda ter uma série de desafios, o Brasil mostra vantagem em relação a outros países da América Latina no que diz respeito à disponibilização de informações online.

O IQB (Índice de Qualidade da Burocracia) permite comparar a qualidade da burocracia dentro de uma mesma agência/órgão e entre diferentes agências responsáveis por diferentes políticas. A fórmula foi aplicada para medir a qualidade da burocracia em quatro esferas de desenvolvimento – ambiental, industrial, de infraestrutura e de inovação – e mostrou, também, que houve melhora na qualidade da burocracia brasileira em relação a períodos anteriores, mas que essa qualidade não se distribui uniformemente entre os setores.

Em síntese, o índice ajuda a entender melhor por que algumas políticas, regras e leis “pegam”, ou são implementadas, e outras não, a partir de evidências que apontem para mudanças de rumo. Com os resultados, é possível compreender o que precisa ser feito para melhorar a qualidade das políticas e suas possibilidades de implementação.


A eficiência da gestão e dos serviços públicos estão intrinsecamente relacionados à capacidade dessa mesma gestão de garantir o acesso à informação, a transparência e a participação social – três importantes pilares da democracia que têm muito a ganhar com as tecnologias digitais. Quando o acesso às informações da gestão pública for de fato democrático e fácil, as pessoas terão em mãos uma melhor compreensão do governo, do acesso aos serviços públicos, do controle das contas públicas e da participação no planejamento e desenvolvimento das políticas públicas que moldam o nosso futuro.