A Nova Mobilidade tem mudado a maneira como nos deslocamos pelas cidades. Estamos falando de serviços de transporte sob demanda (como Uber, 99 e Cabify), veículos elétricos e aplicativos de planejamento de rotas, mas, também, das bicicletas. Novas empresas apostam na bicicleta como meio para atender às necessidades de transporte nas áreas urbanas e os programas de compartilhamento, públicos ou privados, mudam a maneira como enxergamos as bikes: de opção de lazer a meio de transporte e até mesmo instrumento de trabalho.

Mais de dez anos depois do primeiro programa de bicicletas compartilhadas começar a operar no Brasil, no Rio de Janeiro, os sistemas se espalharam e são parte do cotidiano de muitas cidades do país.

Na maior cidade brasileira, as 117 estações do Bike Sampa disponibilizam à população 1.800 bicicletas que realizam mais de um milhão de viagens por mês. E os horários e estações mais procurados mostram que as bicicletas são de fato utilizadas como meio de transporte. A estação com maior demanda em São Paulo é a do Largo da Batata, próxima a uma das principais estações do metrô e na qual 85% das viagens são realizadas nos dias de semana. Os horários de pico da manhã e do fim da tarde também registram as maiores taxas de uso.

Ciclistas na ciclovia da Faria Lima, em São Paulo (Foto: Bruno Batista/WRI Brasil)

Outro destaque do sistema na capital paulista é a estação instalada no Terminal Cidade Tiradentes, a primeira estação de bicicletas compartilhadas dentro de um terminal de ônibus. Nesse caso, as pessoas podem ficar com a bicicleta por até 12 horas consecutivas, o que permite levar para casa e devolvê-la no dia seguinte. Em 2018, a estação registrou mais de cinco mil viagens, com 70% delas durando mais de 10 horas. As informações são da Tembici, empresa que o opera os programas Bike Sampa, Bike Rio, Bike Poa, Bike PE, Bike Salvador e Bike Belém, entre outros.

A possibilidade de ficar com a bicicleta durante a noite já é realidade desde 2016 em Fortaleza. A capital cearense foi pioneira ao implementar o modelo no Brasil, com um programa específico para isso, o Bicicleta Integrada, operado pela Serttel. Essa característica representa uma mudança substancial na maneira como os programas de compartilhamento de bicicletas costumam ser estruturados e contribui para que possam ser utilizados, cada vez mais, como um meio de transporte.

Bike Poa: lazer, mas também transporte

Em Porto Alegre, observa-se um padrão semelhante quanto aos horários de pico, além de trajetos mais curtos no meio do dia – possivelmente para atividades cotidianas, como pagar contas, por exemplo – e os passeios de lazer ou como atividade física no fim da tarde.

Nos dias úteis, as estações mais utilizadas na capital gaúcha são a do Mercado Público, localizado no Centro Histórico da cidade, e a da faculdade de Arquitetura da UFRGS, também na região central. Em 2018, elas registraram 56,7 mil e 60,8 mil viagens, respectivamente. Nesse caso os dados também indicam que as bicicletas são utilizadas como meio de transporte: a estação do Mercado Público tem seu pico entre as 7h e as 9h30, horário em que muitas pessoas chegam ao centro, de ônibus ou de trem, e começam o deslocamento rumo a seus locais de trabalho.

<p>Estação do Bike Poa, no centro de Porto Alegre (Foto: MariaAnaKrack/PMPA)</p>

Estação do Bike Poa, no centro de Porto Alegre (Foto: Maria Ana Krack/PMPA)

Neste início de 2019, outro dado divulgado pela Tembici chamou a atenção: a média de uso das bicicletas do Bike Poa é de 6,5 viagens por dia por bicicleta – maior do que a média de cidades europeias tradicionalmente conhecidas por seus sistemas, como Barcelona e Paris.

Se, por um lado, o número indica que o sistema de Porto Alegre tem poucas bicicletas (apenas 410, em comparação às 18 mil de Paris e às 6 mil de Barcelona), por outro, também comprova a demanda existente na cidade para esse meio de transporte. E as informações da Tembici mostram que, ao contrário das suposições muitas vezes feitas em relação a esse tipo de serviço, as bicicletas são de fato utilizadas como meio de transporte – e não apenas para o lazer. Aos poucos, a mudança nos hábitos de deslocamento coloca o transporte sustentável na rotina de Porto Alegre.

Benefícios além da mobilidade

Os sistemas de bicicletas compartilhadas se tornaram peças fundamentais na engrenagem da mobilidade urbana tanto quanto quaisquer outros meios de transporte. Os programas públicos municipais foram os primeiros a ganhar as ruas, mas, com o tempo, outras modalidades se integraram ao cenário. Programas de compartilhamento podem ser encontrados em hotéis, empresas, condomínios residenciais, sem falar em modelos como os da Yellow (sem estações) e da Loop (com estações virtuais).

A diversidade de opções tem feito da bicicleta uma ferramenta poderosa que, de um lado, contribui para a sustentabilidade e, de outro, traz vantagens para quem pedala:

  • pedalar é uma atividade física e ajuda a melhorar a saúde;

  • menos tempo gasto no trânsito;

  • custo mais baixo (seja com a manutenção, quando a bicicleta é própria, ou com o aluguel em sistemas de compartilhamento);

  • não emitem gases poluentes;

  • conexão com o transporte coletivo;

  • facilitam os deslocamentos chamados de “última milha” – o último trecho, por exemplo, entre uma estação de ônibus/trem e o destino final;

  • ajudam a tirar carros das ruas.

Condutor da Bikxi, em São Paulo (Foto: Joana Oliveira/WRI Brasil)

Este último benefício quem ajuda a ilustrar é a Bikxi. Finalista do Desafio InoveMob, a empresa de São Paulo utiliza bicicletas elétricas e funciona como um serviço de táxi, mas sobre duas rodas, no qual o usuário pode solicitar o serviço através de um aplicativo. Em funcionamento desde agosto de 2017, opera nas ciclovias das avenidas Brigadeiro Faria Lima e Luís Carlos Berrini, somando um trecho de até 22 quilômetros. Ao total, já são mais de 26 mil corridas e 15 mil usuários cadastrados.

Uma pesquisa realizada com os usuários do serviço mostrou que a maioria (59%) utiliza o serviço nos deslocamentos casa-trabalho e, se não tivessem a opção da Bikxi, 36% teriam utilizado o carro (próprio ou de serviços como táxi, Uber, 99 etc) para realizar o trajeto.

Oportunidade de renda e trabalho

Também está diretamente associada às bicicletas outra novidade dos últimos anos: os serviços de entrega que utilizam bicicletas. Uma caminhada rápida pelas ruas de capitais ou grandes cidades e é possível avistar os bikeboys de serviços diversos, como Uber Eats, Rappi, iFood, Glovo, entre outros.

Trata-se de um serviço em crescimento nas cidades brasileiras como no restante do mundo. Para se cadastrar como entregador, pelo menos dois itens são essenciais: um celular e uma bicicleta. Nesse caso, o acesso proporcionado pelos programas de compartilhamento pode significar, também, uma oportunidade de emprego.

Da mesma forma que já acontece em São Paulo, em Porto Alegre também se tornou comum ver os bikeboys utilizando as bicicletas dos sistemas de compartilhamento disponíveis na cidade. É o caso de Tiago Soares, 24 anos, que trabalha como entregador da Rappi na capital gaúcha. No emprego há cerca de oito meses, Tiago planeja comprar uma bicicleta própria, mas está economizando dinheiro para adquirir um bom modelo. “Se não tivesse essa opção, teria que conseguir uma emprestada ou acabar comprando um modelo usado ou mais barato”, relata. A opção a que Tiago se refere é o Bike Poa. Assinante do plano mensal, ele considera que a alternativa atende suas necessidades: “Preciso cuidar para devolver a bicicleta antes de fechar uma hora, e às vezes acontece de não ter bicicleta na estação que eu preciso, mas no geral funciona bem”.

Para Gabriel Gonçalves, que há quatro meses trabalha como entregador da Rappi e da Uber Eats, a bicicleta compartilhada ajudou de outra forma: “Eu tenho minha bicicleta, mas moro em Gravataí [Região Metropolitana de Porto Alegre] e cansa vir pedalando todos os dias. Quando venho de ônibus, uso essa aqui. Me ajuda a fazer as corridas porque me desgasto menos para chegar a Porto Alegre, não chego já tão cansado”, conta. Assim como para Tiago, a desvantagem também está no limite de tempo de cada corrida: “Se passar de uma hora, tenho que pagar a mais. Tenho que trocar antes. Mas a vantagem é que se eu tiver algum problema com a bike é só trocar”.

Daniel Rangel e Cristiano Matos (foto abaixo) usam as bicicletas da Loop para fazer as entregas na capital gaúcha. “Acho que as principais vantagens são a rapidez e a agilidade”, considera Daniel. “E é bom informar as pessoas sobre um meio de deslocamento barato, que não agride o meio ambiente e também melhora a saúde”, acrescenta.

<p>Daniel Rangel e Cristiano Matos (Foto: Bruno Batista)</p>

Daniel Rangel e Cristiano Matos, entregadores da Rappi e da Glovo, respectivamente (Foto: Bruno Batista/WRI Brasil)

Como transporte, lazer ou instrumento de trabalho, as bicicletas já são parte das ruas nas áreas urbanas. Um cenário que só deve mudar à medida que mais pessoas começarem a repensar seus hábitos de deslocamento. “A gente vê cada vez mais [pessoas pedalando]. Seja pelo trabalho, como a gente, ou por seus compromissos mesmo, para passear também. A cidade e o trânsito precisam ter espaço para as bicicletas”, avalia Tiago.