Esse blog foi escrito por Sarah Parsons e publicado originalmente no Insights.


Algumas escolas em Sar es Salaam, na Tanzânia, registram mais de uma dúzia de estudantes mortos ou feridos em acidentes de trânsito por ano. O desenvolvimento desordenado, assim como o número crescente de veículos, gerou condições perigosas para as crianças que vão a pé para a escola.

Ayikai Charlotte Poswayo e seu time querem mudar isso.

Poswayo é diretora de programa da organização sem fins lucrativos Amend e lidera o programa Avaliação e Melhoria da Segurança Viária em Áreas Escolares (SARSAI). O projeto, que recentemente ganhou o Prêmio Ross para Cidades, implementa passagens de pedestres, caminhos seguros, lombadas e outras medidas de segurança viária em ruas próximas a escolas em áreas de alto risco, e depois educa as crianças sobre segurança no trânsito. Até agora, o SARSAI ajudou mais de 38 mil estudantes somente em Dar es Salaam.

<p>Crianças de Dar es Salaam caminham para a escola em segurança em um caminho criado pelo projeto SARSAI, liderado por Ayikai Charlotte Poswayo (Foto: Kyle Laferriere)</p>

Crianças de Dar es Salaam caminham para a escola em segurança em um caminho criado pelo projeto SARSAI, liderado por Ayikai Charlotte Poswayo (Foto: Kyle Laferriere)

A abordagem eficaz do programa é, sem dúvida, graças em parte à bagagem multidisciplinar de Poswayo. Ela trabalhou durante anos como engenheira civil e de tráfego em Londres, fazendo modelagem de tráfego e projetos de interseções e sinalizações de trânsito. Mas ela sentia que algo estava faltando.

"Especialmente quando você está preso em um escritório e focado nos números, você esquece as pessoas que realmente vão usar essas instalações", disse.

Poswayo sempre se interessou por educação, então fez um treinamento especial – o curso Montessori para professores – enquanto ainda trabalhava com engenharia. "Eu não sabia ao certo para que iria usá-lo, mas fiz mesmo assim", explicou.

A resposta veio quando ela viu dois de seus futuros colegas de Amend apresentarem o trabalho da organização em uma conferência. "Foi simplesmente perfeito para mim, porque uniu engenharia, educação infantil e comunidades", contou.

Quatro anos e meio após Poswayo se juntar à Amend, a SARSAI se espalhou para outras nove cidades na África Subsaariana. Conversamos com Poswayo para saber mais sobre o trabalho e o impacto da SARSAI:

<p>Ayikai Charlotte Poswayo durante cerimônia do Prêmio Ross para Cidades, em Nova York (Foto: Schuyler Null/WRI)</p>

Ayikai Charlotte Poswayo durante cerimônia do Prêmio Ross para Cidades, em Nova York (Foto: Schuyler Null/WRI)


Sarah Parsons (SP): Li uma estatística que as crianças na África Subsaariana têm duas vezes mais chances de morrer em acidentes de trânsito do que as crianças em outras partes do mundo. O que acontece nas cidades da África Subsaariana que as tornam especialmente perigosas para as crianças?

Ayikai Poswayo (AP): É o fato de não termos planejado e projetado nossas cidades para o uso das crianças. Em muitas dessas cidades, a maioria das crianças vai a pé para a escola, e elas vão sozinhas. Caminhar em si é algo ótimo. É algo que queremos promover. Mas, infelizmente, não fornecemos a infraestrutura para permitir que isso seja feito com segurança.

Você vai ver uma escola ao lado de uma rodovia, onde uma criança precisa atravessar para chegar à escola todos os dias. Você encontrará estradas que não possuem instalações para pedestres. [Crianças] estão muito próximas de veículos em velocidades incompatíveis com o seu caminhar. Você não pode ter no mesmo espaço um veículo a mais de 30 quilômetros por hora e um pedestre, e certamente não um pedestre infantil. Infelizmente, temos essa exata situação em muitos lugares da África Subsaariana.

<p>Uma criança atravessa uma rua movimentada a caminho da escola em Dar es Salaam, na Tanzânia (Foto: Kyle Laferriere/WRI)</p>

Uma criança atravessa uma rua movimentada a caminho da escola em Dar es Salaam, na Tanzânia (Foto: Kyle Laferriere/WRI)


SP: Por que as cidades não acomodam melhor as crianças?

AP: Cada país é muito diferente, mas a África Subsaariana, em geral, tem um grande déficit quando se trata de infraestrutura. Há pressão sobre os governos para fornecer o máximo de infraestrutura possível. Ao fazer isso, eles tendem a deixar de fora outros aspectos como instalações para pedestres e ciclistas. Talvez pensem que é melhor construir 100 quilômetros de estradas do que 50 quilômetros de estradas bem construídas com todas as instalações para permitir o uso seguro por todos os usuários da via.

Talvez também seja porque os acidentes de trânsito são um problema de saúde pública, mas são também uma questão de engenharia, um problema de fiscalização, uma questão de educação. É uma daquelas coisas que ninguém encara como um problema totalmente seu. Isso cria uma situação em que ninguém está assumindo a completa responsabilidade e fazendo algo a respeito. Enquanto que, digamos, a malária, é claramente um problema de saúde pública. A segurança viária é tão multifacetada que apenas escorrega entre as lacunas.


SP: Dado que os governos estão sob pressão para construir mais infraestrutura rapidamente, como você tem conseguido trabalhar com as partes interessadas para tornar as vias existentes mais seguras?

AP: Em termos de receptividade dos funcionários do governo e das partes interessadas, eles geralmente são receptivos. Em muitos casos, o desafio é que não existem políticas governamentais para apoiar as zonas escolares seguras, de modo que elas não são priorizadas e nem sequer consideradas. Isso significa que nenhum ou muito pouco orçamento de infraestrutura do governo é destinado para fornecer infraestrutura segura ao redor das escolas. Quando nós (a equipe da SARSAI) aparecemos com as ideias e os recursos financeiros, as agências do governo quase sempre nos dão a permissão para implementar medidas que podem salvar a vida das crianças.

No longo prazo, uma ONG de segurança viária não pode fornecer infraestrutura segura para todas as escolas da África Subsaariana. A fim de garantir que um programa como o SARSAI seja ampliado e que todas as crianças tenham acesso à infraestrutura segura para chegar à escola, ele precisa ser promovido e feito pelo governo. Atualmente, estamos trabalhando bem de perto com os governos na tentativa de chamar a atenção para a questão e ajudá-los a perceber que a segurança no trânsito para as crianças é uma questão que precisa ser priorizada.

<p>Crianças cruzam com segurança a via em uma “faixa de segurança” desenhada pela SARSAI (Foto: Kyle Laferriere/WRI)</p>

Crianças cruzam com segurança a via em uma “faixa de segurança” desenhada pela SARSAI (Foto: Kyle Laferriere/WRI)


SP: Você notou algum progresso dos governos?

AP: Pequenos passos. Mas pequenos passos são bons porque mostram que estamos avançando. A cidade de Windhoek, na Namíbia, concordou em reduzir o limite de velocidade em torno de todas as escolas de 40 km/h para 30 km/h. E, em alguns países, as leis já estão lá para reduzir os limites de velocidade e para defender infraestruturas seguras em torno das escolas. Mas agora estamos tentando trabalhar com os governos para ver como elas podem ser realmente implementadas.

SP: Uma coisa única no SARSAI é sua abordagem baseada em dados. Me fale sobre isso.

AP: Como temos recursos limitados, precisamos usar esses recursos onde achamos que eles terão mais impacto. Como primeiro passo, os dados ajudam nisso. Quando fazemos nossas avaliações nas escolas, descobrimos quais escolas estão em regiões de maior risco de lesões no trânsito para crianças. Nas escolas de maior risco, identificamos as áreas de maior risco e o que poderia ser feito para reduzir as lesões no trânsito.

Coletamos dados sobre o número de acidentes de trânsito na população escolar, assim como dados do tipo: De onde vêm as crianças? Quantos deles vêm caminhando? Onde eles atravessam a via? Qual o número de veículos nessa área e quais são as velocidades desses veículos? Coletamos todos esses dados para nos ajudar a focar.

Por fim, também coletamos dados que nos ajudam a avaliar o que fizemos. Realizamos um estudo científico baseado na população que mediu o impacto desse programa na Tanzânia para ajudar a demonstrar aos governos e outras pessoas que essa é uma questão importante – uma questão que pode ser facilmente tratada com infraestrutura de baixo custo. Os dados são muito úteis para defender a importância do programa.

<p>Carros e pedestres se misturam em uma rua em Dar es Salaam (Foto: Kyle Laferriere/WRI)</p>

Carros e pedestres se misturam em uma rua em Dar es Salaam (Foto: Kyle Laferriere/WRI)


SP: Um dos benefícios óbvios desse projeto é dar segurança para as crianças. Quais benefícios você vê para a comunidade em geral?

AP: Ouvimos muitos comentários positivos de comunidades que vivem nas escolas. Eles dizem: “Usamos a infraestrutura também. Também estamos mais seguros nas vias”. Os números vão além das crianças.

Gostamos de acreditar que a infraestrutura também oferece aos funcionários e departamentos do governo a oportunidade de enxergar as coisas e pensar de uma maneira diferente. Talvez eles pensem: "Ok, talvez pudéssemos fornecer esses tipos de instalações no entorno de outras escolas". Se eles tiverem outros projetos para ruas, esperamos que eles tenham isso em mente.

SP: Nos seus quatro anos e meio com a SARSAI, qual foi a coisa mais surpreendente que você viu?

AP: O fato de que crianças estão sendo mortas e feridas nas ruas, e nada parece ser feito sobre isso. É um desses problemas que existem, mas, de alguma forma, não são dados passos sistemáticos para resolver o problema. É o fato de que esta questão é tão séria, mas parece ser negligenciada. O número de mortes no trânsito entre jovens supera outras questões de saúde pública, como a malária e o HIV/AIDS, que recebem muito mais atenção na África Subsaariana.

<p>Estudantes em Dar es Salaam (Foto: Kyle Laferriere/WRI)</p>

Estudantes em Dar es Salaam (Foto: Kyle Laferriere/WRI)


SP: Agora que você ganhou o Prêmio Ross para Cidades, qual é a sua prioridade no futuro?

AP: Envolver mais governos, engajar e realmente fazer o que temos feito de maneira sistemática. O Prêmio Ross para Cidades cria uma plataforma realmente fantástica para conseguirmos fazer mais barulho sobre esta questão – e esperamos que isso resulte em mais pessoas em outros países se apropriando dela. Porque para a segurança das crianças em nossas vias melhorar, a causa precisa ser responsabilidade dos países e governos, que deveriam estar garantindo isso.

SP: Você é mãe agora. Você acha que isso mudou sua perspectiva ao fazer esse trabalho?

AP: Definitivamente. Eu sempre amei crianças, mas quando você tem seu próprio filho, você vê e sente as coisas de uma maneira diferente. De repente você começa a pensar: "Oh meu Deus, eu nem posso imaginar se algo acontecesse ao meu filho". E você também começa a compreender de verdade o que as famílias cujos filhos estiveram envolvidos em acidentes de trânsito realmente passam. Você percebe o quão devastador e transformador pode ser para as famílias. Eu diria que ter um filho faz com que eu me dedique mais apaixonadamente a esse trabalho.


Delger Erdenesanaa também contribuiu para esse blog.