“Eu quero que se restaure 40 mil hectares de florestas em todo o Vale do Paraíba”, diz Patrick Assumpção, produtor rural, silvicultor e agrofloresteiro. Patrick faz a sua parte. Ele aposta na restauração de áreas degradadas utilizando espécies florestais para produzir alimentos de qualidade e gerar renda. E tudo isso com a participação da comunidade local. “Quero disseminar o que estamos fazendo aqui, apresentar as plantas e as frutas para o produtor rural e para o consumidor. Se eu me alimento bem, quero isso para os outros também”, diz.

Imagem aérea nos arredores da fazenda Nova Coruputuba, em Pindamonhangaba, São Paulo (Foto: Asteroide)

Patrick está no comando da Fazenda Nova Coruputuba, de aproximadamente 200 hectares em Pindamonhangaba, São Paulo, na região do Vale do Paraíba. Fundada por seu bisavô, Cícero da Silva Prado, em 1911, a propriedade respira história. Foi um importante polo cultural e econômico, onde começou a industrialização da região com a instalação de uma fábrica de papel a partir da casca do arroz que chegou a ser considerada a maior da América Latina. No auge, cerca de cinco mil pessoas moravam na vila agroindustrial que era praticamente uma pequena cidade – escolhida pelo cineasta Amácio Mazzaropi para a gravação do filme Jeca Tatu, em 1959.

Mas essa Era de Ouro chegou ao fim, e na década de 1970, crises econômicas, de gestão e trabalhistas levaram a fazenda à falência. A fábrica de papel foi vendida para uma empresa de celulose que deixou a região e a vila agroindustrial se esvaziou. Hoje, ainda estão de pé, em ruínas, prédios que um dia foram uma escola, um cinema, casas e comércios.

Sede da fazenda, estabelecida em 1911 por Cícero Prado, bisavô de Patrick (Foto: Bruno Calixto/WRI Brasil)

Patrick visita construções hoje abandonadas. Região já foi um polo rural com mais de 5 mil habitantes (Foto: Asteroide)

A história da fazenda se mistura com a do Vale do Paraíba Paulista, situado entre a Serra da Mantiqueira e a Serra do Mar e próximo tanto das cidades de São Paulo quanto do Rio de Janeiro. A região já foi o motor econômico do Brasil, mas hoje enfrenta um passivo de degradação. O vale foi uma das principais regiões produtoras de café do país no século 19 e a terceira maior bacia leiteira do Brasil no século 20. Mas as sequências de ciclos econômicos nunca consideraram técnicas ou condições para melhorar o solo. Séculos de agricultura e pecuária sem retornar nutrientes para o solo resultaram em milhares de hectares de áreas degradadas. Além disso, a erosão assoreou rios e diminui nascentes e corpos d’água. Essas nascentes alimentam os rios que abastecem 2 milhões de habitantes, e que já enfrentaram graves crises hídricas.

A boa notícia é que o quadro de degradação atual pode mudar. Com protagonismo, inovação e uma produção sustentável, que restaura a produtividade e funcionalidade da terra, o Vale do Paraíba pode recuperar seus dias de glória, transformando-se num grande polo agroflorestal.

Sobrevoo de drone no Vale do Paraíba. Região tem grande aptidão para plantio de florestas para fins econômicos ou ecológicos (Video: Asteroide)

Um “maluco” que planta árvores nativas para produzir madeira

Patrick sempre trabalhou com plantio árvores. Formou-se em desenho industrial em 1997, mas assim que concluiu a universidade voltou para o Vale com o objetivo de reerguer a fazenda. Começou com o plantio de eucalipto, mas percebendo que o pico da monocultura de eucalipto na região estava se aproximando do fim, buscou diversificar. Apostou no guanandi, árvore nativa brasileira de madeira nobre, que plantou numa área da propriedade.

Guanandi, espécie nativa com grande potencial para uso da madeira (Foto: Mauro Halpern/Flickr)

O plantio do guanandi atraiu o interesse da Agência Paulista de Tecnologia do Agronegócio (APTA). “Um pesquisador da APTA chamado Antonio Devide veio aqui na propriedade ver quem era o maluco que estava plantando árvore nativa. Quando ele chegou, perguntou se eu sabia o que era agrofloresta. Eu não fazia a menor ideia”, diz Patrick.

O encontro entre a experimentação e curiosidade de um produtor rural e o conhecimento sistematizado da ciência deu frutos. Foram feitos estudos de qualidade de solo, incidência de luz, arquitetura das plantas, experimentos com plantas de uso cultural com alto valor nutricional, análises da conversão de modelos produtivos tradicionais em agroflorestas e de como esses modelos podem gerar renda para o produtor. “Esse processo foi fundamental”, diz Patrick. “A pesquisa faz toda a diferença no resultado do produto, na nutrição, na fertilidade do solo”.

O maior aprendizado trazido pelo processo de pesquisa na propriedade foi que a agricultura no Brasil é tropical. O país ainda repete as formas de se cuidar da terra com experiências e conhecimento trazidos da Europa. Segundo Patrick, em países de clima temperado a parte mais fértil da terra está abaixo da superfície. Na agricultura tropical, ocorre o contrário. A terra boa, fértil, está na superfície, pelo acúmulo de matéria orgânica. Ao tratar o solo da forma “tradicional”, perde-se um grande potencial de fertilidade. Patrick viu isso acontecer na prática dentro da fazenda. “Isso começou a fazer muito sentido quando olhamos a área de plantio de arroz, que tinha 70 anos de produção. Ela tinha perdido muita terra, estava completamente assoreada”. Esse é um cenário comum de perda de solo, erosão e degradação no Vale do Paraíba.

Patrick caminha na área de plantio de guanandi (Foto: Asteroide)

É aí que entram os sistemas agroflorestais que Patrick não conhecia antes do contato com a ciência. Um sistema agroflorestal integra árvores e produção agrícola num modelo previamente desenhado, em que cada planta é selecionada com um propósito específico. Há espécies que servem para gerar matéria orgânica e manter a fertilidade do solo. Há espécies de crescimento rápido, que são colhidas em pouco tempo e dão retorno ao produtor no curto prazo. E há as espécies de crescimento longo, como as árvores de madeira nobre, que vão gerar renda no longo prazo e funcionar como uma aposentadoria ou poupança.

Patrick testou uma série de modelos diferentes em sua propriedade. Sistemas agroflorestais combinando plantio de madeira nativa com leguminosas, por exemplo. Ou madeira, leguminosas e frutas. Ou plantio de plantas com valores culturais ou tradicionais, como as Plantas Alimentícias Não Convencionais, conhecidas pela sigla PANCs. Alguns modelos tiveram mais sucesso, outros menos, mas o importante é o aprendizado que eles geraram. Esses modelos podem ser adaptados e disseminados por todo o Vale do Paraíba, criando um grande movimento para a restauração e retomada da economia na região. Oportunidades para restaurar não faltam.

Restaurando com geração de renda

O grande passivo de terras degradadas do Vale do Paraíba pode se transformar numa oportunidade para expandir modelos de agrofloresta e de reflorestamento com espécies nativas, recuperando e gerando serviços ambientais e gerando renda para o produtor rural. Um trabalho publicado pela Secretaria do Meio Ambiente de São Paulo em 2018, com o apoio do WRI Brasil e parceiros, mostrou que a região tem grande vocação para florestas e agroflorestas.

Sistema agroflorestal de Patrick. Plantio combina árvores madeireiras, como o guanandi, frutíferas, como a bananeira, além de espécies de ciclo curto como leguminosas ou raízes (Foto: Asteroide)

O trabalho foi a aplicação da metodologia ROAM na região. ROAM significa, na sigla em inglês, Metodologia de Avaliação de Oportunidades de Restauração da Paisagem. Desenvolvida pelo WRI Brasil e pela União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN), a ROAM permite identificar as áreas que podem se beneficiar da restauração e as motivações que podem levar os produtores rurais e demais atores de uma determinada paisagem a plantar florestas. O estudo identificou três razões para promover a restauração florestal na região: reduzir a erosão do solo, melhorar a qualidade da água e gerar emprego e renda no meio rural. Além disso, produziu um mapa que permite identificar quais os locais em que a restauração produz mais benefícios econômicos, ambientais e sociais e o custo-benefício dos mesmos. Foi nesse mapa que Patrick viu a oportunidade de expandir a restauração no Vale em pelo menos 40 mil hectares de áreas degradadas.

Segundo o estudo, se todas as áreas identificadas forem restauradas, o Produto Interno Bruto (PIB) agropecuário da Vale do Paraíba Paulista pode aumentar em cerca de 32%. Também há outros efeitos positivos. Por exemplo, a restauração reduziria em 19% a erosão do solo. A redução da perda do solo é benéfica para a qualidade da água por reduzir quantidade de sedimentos que escorrem para os corpos dos rios.

Se os modelos já existem e as possibilidades de renda estão identificadas, o que falta para o Vale do Paraíba se tornar um grande polo florestal e agroflorestal?

Abrindo mercados para a restauração

Enquanto caminha entre os talhões de plantio de guanandi e dos diferentes plantios de agroflorestas, Patrick brinca. “O que eu mais tenho feito nesses últimos cinco anos não é plantar, mas criar mercados para esses produtos”.

A restauração não vai ganhar escala se for feita sem apoio aos produtores rurais. Para que quem vive da terra possa realmente plantar florestas e fazer a diferença do ponto de vista ambiental, é preciso que a atividade traga retorno financeiro. Os produtos da agrofloresta podem ser um caminho para gerar renda aos produtores. Mas ainda há muito desconhecimento sobre esses produtos por parte dos consumidores. “Nós precisamos mostrar que há um valor agregado no produto orgânico e sustentável, ou seja, um diferencial no produto da agroecologia”, diz Patrick. Um dos caminhos que ele escolheu para isso foi trabalhar com famosos chefs de cozinha da culinária brasileira. Hoje, Patrick vende produtos agroflorestais para 11 restaurantes em São Paulo, incluindo nomes consagrados como Alex Atala.

Produtos da agrofloresta, como essa abóbora colhida em um dos SAFs de Patrick, podem ser a solução na busca de uma alimentação mais saudável e que respeite a natureza (Foto: Asteroide)

Sistemas agroflorestais são uma forma de diversificar a produção (Video: Asteroide)

Outra alternativa é trabalhar com produtos pré-processados. Algumas frutas nativas brasileiras são difíceis de se vender no mercado in natura, por serem bastante perecíveis, como por exemplo o cambuci. Mas elas podem ser congeladas, transformada em polpa, iogurte, sorvete ou mesmo drinks. Dessa forma, consegue-se levar uma fruta nativa, saborosa e nutritiva até o centro consumidor. Outras frutas podem ser comercializadas secas ou em pó.

Um processo similar foi feito com a madeira do guanandi. “Nós trouxemos alguns arquitetos e designers aqui na propriedade, e eles simplesmente não sabiam que alguém plantava madeira nobre perto de São Paulo. Eles achavam que a madeira vinha toda da Amazônia”, diz. Esses profissionais estão atrás de uma história de sustentabilidade para seus produtos. Usando uma madeira nobre de reflorestamento de espécies nativas, eles conseguem atingir o mercado com produtos de qualidade que não pressionaram florestas naturais. O produtor que restaurou ganha, assim como o consumidor final, que recebe a garantia de estar comprando madeira de qualidade e livre de desmatamento.

Foto: Asteroide

Precisamos garantir um mercado para que o pequeno produtor possa vender produtos de alto valor nutricional, que foram plantados recuperando o solo e restaurando florestas, e que façam sentido para o consumidor final. Esse é o melhor dos mundos.

Patrick

Disseminando o conhecimento pelo Vale

A jornada pela ciência da agrofloresta e pela criação de mercados levou a Fazenda Nova Coruputuba a ter uma grande diversificação de produtos. A fazenda produz banana melhorada pela Embrapa, resultando num produto de alto índice de potássio, mandioca, feijão guandu e outras variedades, abóboras, mangarito – um tubérculo nativo parecido com a batata –, milho roxo, frutas de árvores nativas, como jabuticaba, uvaia, grumichama, bacupari, cambuca e cambuci. Folhas de alto valor nutricional, PANCs como a ora-pro-nóbis, palmito de pupunha e de palmeira real. E madeira nobre nativa, o guanandi, e exótica, a acácia.

Essa diversidade, entretanto, não funciona se estiver sozinha. Para atender o mercado consumidor, é preciso disseminar o plantio de espécies nativas e dar escala para a restauração. A ideia é disseminar as atividades que começaram a ser desenvolvidas na fazenda. A Rede Agroflorestal do Vale do Paraíba tenta expandir esses modelos, e conta com apoio do projeto Pro-Restaura, do WRI Brasil, e muitos outros parceiros na busca de incentivos e soluções para acelerar e aumentar a escala da restauração na região.

Sobrevoo de drone em um dos SAFs de Patrick (Video: Asteroide)

Uma das formas de se desenvolver mercados e disseminar os modelos agroflorestais foi a criação de um Polo Florestal do Vale do Paraíba. A ideia, ainda em fase piloto, é de fomentar pequenos empreendedores rurais e fortalecer a cadeia dos produtos florestais madeireiros, como madeira nobre nativa, ou não-madeireiros, como frutas e sementes. O Polo espera apoiar a implementação de 10 mil hectares de florestas multifuncionais e agroflorestas – que servem ao mesmo tempo para manter os serviços ambientais e gerar renda aos produtores e empreendedores por meio de produtos madeireiros ou não-madeireiros. Esse polo ajudará a consolidar os novos mercados e dar escala para os plantios florestais e agroflorestais.

Com plantas de alto valor nutricional, madeira nobre sustentável de qualidade e recuperação de solos e nascentes, além de contribuir para mitigação e adaptação às mudanças climáticas, Patrick e os produtores rurais do Vale do Paraíba podem recriar a Era de Ouro vivida na região, restaurando com geração de renda mais de 40 mil hectares hoje de áreas degradadas e produzindo alimentos saudáveis e sustentáveis para atender a população rural e urbana. É um dos caminhos para uma nova revolução verde do século 21.