Este post também foi publicado no WRI México.

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Avanços em políticas de governo aberto não estão restritos às ações nacionais. Cidades, distritos e regiões têm um papel crucial nas reformas democráticas. Ao promover maior transparência e aumentar o acesso à informação, os governos locais empoderam as pessoas com o conhecimento necessário para se engajarem nos processos políticos que formatarão seu cotidiano.

Teoricamente, a proximidade do governo local com a população deveria facilitar a participação da sociedade na tomada de decisão e na responsabilização dos políticos e servidores. Mas, na realidade, não é isso o que acontece. Muitas vezes, a informação não está disponível, os dados não estão abertos e tampouco acessíveis e o escopo da participação social na tomada de decisão é limitado.

A Parceria de Governo Aberto (Open Government Partnership), iniciativa multilateral chamada de “a COP da Democracia” pelo presidente da França, François Hollande, apoia governos nacionais na realização das reformas necessárias nos campos da transparência, participação social, responsabilização e abertura de dados. Lançada em 2011 pelos presidentes do Brasil e dos Estado Unidos, a OGP possui 75 países signatários que, somados, firmaram 2.500 compromissos. Tendo em vista a agenda global de desenvolvimento sustentável, OGP percebeu que as verdadeiras mudanças políticas passam, obrigatoriamente, pelos governos locais. Por conta disso, lançou em abril de 2016 o Programa Piloto da OGP para Governos Subnacionais (OGP’s Subnational Government Pilot Program) no qual selecionou 15 governos locais pioneiros na implementação de planos de ações que fortaleçam a transparência, acesso a dados abertos, engajamento cidadão e sistemas de controle e monitoramento. Esses governos locais trabalharam para criar colaborativamente seus planos de ações locais com a sociedade civil, os quais foram apresentados na Cúpula de Governo Aberto em dezembro do ano passado em Paris. Há dois exemplos de governos locais pioneiros na OGP que já adotaram tais reformas, pavimentando o caminho para as demais autoridades subnacionais globais.

Os processos inovadores de consulta pública do Estado de Jalisco

Setenta e cinco por cento dos cidadãos mexicanos têm a percepção de que os níveis de corrupção aumentaram desde 2007 e mais da metade acredita que os esforços de seus governantes para combater tal corrupção são ineficientes. A confiança nas instituições políticas é enfraquecida pela corrupção, promovendo a apatia e desencorajando os cidadãos a participar da tomada de decisão.

Jalisco, estado mexicano localizado na costa do Pacífico, possui uma longa caminhada em políticas de governo aberto: desde um instituto independente que monitora organizações que recebem recursos públicos, uma plataforma estadual de dados abertos, iniciativa que permite que candidatos possam declarar seus bens e recursos financeiros, até o processo de orçamento participativo que possibilita que os cidadãos decidam sobre alocação de investimentos advindos do recolhimento de impostos em projetos de infraestrutura. O mais inovador é o Glosa Ciudadana, iniciativa que conecta o poder executivo de Jalisco diretamente com a sociedade. A cada ano, o governador estadual e seu secretariado promovem um fórum aberto no qual a população pode tirar dúvidas, fazer sugestões e mesmo questionar as decisões e condutas do governo em caso de infrações e promessas não cumpridas. Esse diálogo transparente e participativo aprofunda a relação da sociedade civil com o governo, reconstrói a confiança da cidadania nas instituições políticas.

Como um Estado pioneiro da OGP, Jalisco se comprometeu com um ambicioso plano para dar continuidade no fortalecimento de políticas de governo aberto ao criar uma secretaria responsável por construir colaborativamente políticas com a sociedade civil, reformando leis existentes e expandindo as estratégias exitosas dentro e fora das fronteiras do Estado. Os compromissos do plano local de ação incluem:

  • restaurar a confiança entre os cidadãos e a polícia de Guadalajara, estabelecendo espaços para o diálogo entre a sociedade e os policiais, aumentando as possibilidades da participação da vizinhança em iniciativas comunitárias de segurança;
  • promover a inclusão e atingir a paridade de gênero através da redução da lacuna salarial existente entre homens e mulheres;
  • construir plataforma de ensino com dados abertos para que os professores estaduais obtenham melhores resultados;
  • lançar uma plataforma de dados abertos para contratações de serviços, bens e recursos humanos, reduzindo o nepotismo e aumentando a transparência nos processos licitatório.

São Paulo e a abordagem centrada nas pessoas

Maior cidade brasileira e uma das pioneiras em políticas de OGP, São Paulo possui uma tradição democrática muito forte. Mesmo assim, o governo local luta para estimular a participação cidadã ainda pontual. A administração municipal tem reportado um baixo nível de participação da sociedade civil e a dificuldade da mesma na utilização das plataformas de compartilhamento de informação.

A cidade, então, decidiu não apenas repensar suas políticas de transparência e dados abertos, mas também formas de incluir diretamente a população no desenvolvimento do plano de ação local da OGP. O governo conduziu pesquisa municipal, trabalhando com organizações da sociedade civil, para determinar o entendimento que os cidadãos possuem sobre governo aberto e as prioridades para as reformas a serem empreendidas. Autoridades locais organizaram simultaneamente uma série de fóruns públicos nos quais residentes debateram a relação com o governo local e levantaram questões diretamente aos representantes da prefeitura. São Paulo utilizou os dados da pesquisa e os resultados dos debates para desenvolver 16 compromissos para plano local de ação e, posteriormente, convidou os cidadãos para que elegessem os cinco compromissos prioritários. Aumentar o nível de comunicação entre a população e o governo local, o acesso aos dados de forma amigável pelos usuários e uma maior transparência foram os itens mais votados da lista. O plano de ação local de São Paulo reflete essas prioridades em seus cinco compromissos:

  • criar sessões deliberativas e abertas que facilitem a comunicação entre prefeitura e sociedade civil, promovendo espaços nos quais os cidadãos possam expressar suas preocupações e participar da tomada de decisão;
  • lançar um programa de educação em governo aberto que aumente o entendimento da sociedade civil sobre democracia e cidadania, apresentando as responsabilidades do cidadão, as plataformas de dados abertos e as oportunidades de participação no processo político;
  • diversificar as plataformas de comunicação da prefeitura para aumentar o alcance da população de São Paulo;
  • estabelecer uma rede de servidores da Prefeitura que se integre às políticas de governo aberto dos diversos departamentos e secretarias municipais; e
  • aperfeiçoar o Laboratório de Inovação Tecnológica (LabProdam), tornando-o mais aberto, acessível e interativos em termos de dados abertos.

Ao realizar esse processo participativo e dar continuidade aos compromissos, a administração municipal tem a oportunidade de fortalecer as práticas de governo aberto e também de aumentar o engajamento da sociedade civil.

Transpor a OGP para o nível local injetou uma nova energia no movimento pelo governo aberto e as inovações que emergiram do Programa Piloto Subnacional de Governo Aberto já motivaram outras cidades a também adotarem abordagens similares. A Prefeitura do Rio de Janeiro, por exemplo, planeja replicar o modelo de São Paulo e duas das maiores associações de prefeitos do Brasil solicitaram programas de capacitação em governo aberto para os prefeitos eleitos recentemente.

Com metade da população global já vivendo nas cidades e com a perspectiva de que esse percentual passe para 70% por cento em 2050, os governos locais representam a nova fronteira para a promoção das reformas democráticas. Devemos utilizar os exemplos de sucesso de São Paulo e Jalisco para impulsionar ainda mais o movimento de governo aberto.