A maior força no combate às mudanças climáticas está nas mãos das cidades. É nelas que a maior parte das pessoas vivem e onde a economia global gira. No entanto, de acordo com o novo relatório do New Climate Economy, intitulado “Unlocking the Inclusive Growth Story of the 21st Century: Accelerating Climate Action in Urgent Times” (Destravando a história do crescimento inclusivo do século 21: acelerando a ação climática em tempos urgentes), cujo Sumário Executivo está disponível em português, as áreas urbanas não estão fazendo uso do seu potencial de transformação para promover o desenvolvimento sustentável. E isso pode significar perder as últimas chances de reduzir a pobreza e deter as alterações do clima.

"A história do crescimento do século 21 irá destravar oportunidades sem precedentes e gerar uma economia global inclusiva, forte e sustentável. Os benefícios da ação climática são maiores do que nunca, enquanto os custos da inércia continuam a aumentar. Está na hora de uma mudança decisiva para a nova economia climática."

A maneira como 2,5 bilhões de pessoas estarão vivendo nas cidades em 2050 diz respeito às escolhas que estão sendo feitas nos dias de hoje. Mais de 60% do solo projetado para se tornar urbano até 2030 ainda não foi desenvolvido. Para um processo de urbanismo saudável, será necessário, segundo o relatório, balancear o desenvolvimento urbano sustentável em paralelo ao desenvolvimento rural sustentável. Ações ambiciosas serão necessárias para destravar a verdadeira capacidade de desenvolvimento econômico das cidades. No seu cerne, um futuro urbano próspero e sustentável depende do uso do solo compacto, conectado e coordenado, defende o estudo.

O novo relatório aponta três fatores essenciais para garantir o crescimento nas cidades no futuro: densificação para revitalizar cidades espraiadas, habitação sustentável e acessível, transporte de baixo-carbono, compartilhado e elétrico. O trabalho destaca dados, desafios e oportunidades nas três ações. Conheça as principais delas.

Densidades

A alta na densidade populacional nas grandes cidades expõe problemas que contribuem para a desigualdade social, como os valores imobiliários e a vulnerabilidade a ocorrências climáticas extremas. Em paralelo a isso, é necessário conter o espraiamento das cidades através da "boa densidade", que promove bairros funcional e socialmente mistos, aloca serviços e emprego a distâncias caminháveis de residências e ocupa e regenera espaços vazios e degradados dentro das cidades. Em São Paulo e no Rio de Janeiro, os custos do espraiamento representam 8% de seus Produtos Internos Brutos (PIB), já que é muito mais caro operar e construir infraestrutura para comunidades dispersas. Mudar essa realidade exige um trabalho de longo prazo.

O desafio será o de adaptar, reorientar ou até substituir infraestruturas existentes. "Bairros essencialmente familiares precisarão ser reorganizados para aumentar a presença de edifícios médios e altos, e os sistemas públicos de transporte precisarão ser melhorados ou ampliados para atender a esses centros e melhorar a conectividade", sugere o relatório. Todo esse processo precisará, no entanto, do envolvimento e participação dos moradores locais. Políticas urbanas atuais também poderão ter de ser alteradas para facilitar os esforços para o processo de densificação. Regras de zoneamento, códigos de construção, requisitos de estacionamento, essas e outras normas devem ser avaliadas pelas cidades.

Inúmeras oportunidades são geradas pelo desenvolvimento da boa densidade. Além de evitar os custos associados ao espraiamento, aos congestionamentos, a baixa a qualidade do ar e aos acidentes de trânsito, investimentos podem passar a ser direcionados à construção de infraestruturas necessárias para as populações mais dispersas. Barcelona tem um dos mais conhecidos projetos de densificação com suas Superquadras. As intervenções feitas nas intersecções do bairro Eixample as transformaram em espaços públicos que incentivam a caminhada e o uso da bicicleta. Espera-se que essas mudanças diminuam em 21% o trânsito de veículos e reduzam as emissões em até 75%.

Os benefícios da densidade também aparecem na produtividade das cidades. Dados da Coalition for Urban Transitions afirmam que o aumento da densidade econômica em 10% nas áreas urbanas pode valer aproximadamente US$ 71 por pessoa por ano devido à maior produtividade, US$ 62 devido à maior acessibilidade ao trabalho e US$ 49 devido ao melhor acesso aos serviços.

Esses esforços podem ser acelerados através de:

  • Governos nacionais e locais podem reformar suas leis de zoneamento, códigos de construção e incentivos fiscais que atualmente favorecem o espraiamento urbano;

  • Governos locais podem estabelecer planos urbanísticos e programas que promovam parques conectados, aumentem seus ecossistemas naturais e a vegetação urbana dominante;

  • Governos locais devem trabalhar ao lado de empreendedores e sociedade civil para garantir a oferta suficiente de habitações a valores acessíveis dentro das áreas urbanas densas.

Habitação

Hoje, 330 milhões de famílias urbanas sofrem com a falta de habitação acessível e segura, número que deve chegar a 440 milhões até 2025. Se, quando e como essas pessoas irão obter moradias irá determinar as oportunidades de emprego e saúde das mesmas. O desafio de prover habitação em um cenário de rápido crescimento populacional é ainda maior.

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Cerca de 881 milhões de pessoas vivem em diferentes tipos de favelas ao redor do mundo (Foto: Rainer Wozny/Flickr)

Porém, proporcionar habitação segura e acessível pode melhorar radicalmente as condições de vida de famílias mais pobres. As consequências de eventos climáticos como enchentes e incêndios, assim como doenças e o impacto da poluição do ar, são sentidas com mais intensidade especialmente por moradores urbanos de baixa renda. “É importante que as novas habitações sejam construídas em locais que ajudem as cidades a alcançar a boa densidade e o desenvolvimento resiliente, particularmente alinhando ao planejamento de infraestrutura e ordenamento territorial de maneira sustentável", diz o documento.

São diversas as oportunidades para direcionar os investimentos em infraestrutura e serviços relacionados a habitação para opções de baixo carbono e resilientes ao clima, afirma o relatório. Essas possibilidades incluem a gestão de resíduos, reciclagem e compostagem, geração distribuída de energia renovável e a melhor disponibilidade e custo de materiais de construção de baixo carbono.

Aceleradores:

  • Governos locais podem garantir terrenos disponíveis a preços acessíveis e com direitos de ocupação;

  • Governos nacionais podem aliviar restrições que limitam a oferta de moradias de baixa e média-renda e implementar políticas de habitação, incluindo aquelas que podem desbloquear investimentos;

  • Bancos multilaterais de desenvolvimento devem colaborar com organizações dedicadas às populações urbanas pobres para garantir que grupos marginalizados tenham chances para moldar políticas e programas. Garantir que a inclusão e a resiliência estejam no centro dos processos de planejamento urbano será essencial para cidades prósperas.

Transporte

A conectividade a serviços, emprego e moradia depende também do transporte urbano. No entanto, atualmente, em geral as redes e sistemas de transporte não fornecem condições acessíveis ou convenientes para a população urbana. O desafio será o de adequar a infraestrutura para transformar o atual predomínio dos sistemas baseados no uso do carro para o transporte coletivo e para a descarbonização do transporte.

Segundo o relatório, muitos governos sofrem da falta de capacidade técnica e institucional para projetar, construir e operar sistemas públicos de transporte, ou ainda para integrar o transporte com o planejamento do uso do solo. "A transição para o uso de veículos elétricos irá exigir investimentos fortes na capacidade da rede e infraestrutura de carregamento elétrico, bem como a mudança para fontes de eletricidade de baixo carbono para alcançar o potencial de mitigação total."

Já os investimentos em infraestrutura de baixo carbono oferecem mais oportunidades de criação de empregos do que os investimentos em sistemas baseados no uso do carro. A eletrificação do setor de transporte tem o potencial de reduzir as emissões de gases de efeito estufa e poluentes e necessitaria de mudanças menos radicais na infraestrutura já construída.

Além disso, os benefícios à saúde e ao uso de energia proporcionados pelas melhorias das infraestruturas para pedestres e ciclistas podem ter um retorno até cinco vezes maior do que o custo inicial do investimento. O incentivo ao transporte de baixo-carbono, ativo e coletivo beneficia especialmente os grupos de baixa renda, que são menos propensos a possuir carros, mas mais propensos a serem vítimas de acidentes de trânsito e morar e trabalhar em áreas com menor qualidade do ar.

Aceleradores:

  • Governos locais devem priorizar investimentos no transporte ativo e compartilhado, e desincentivar o uso de veículos privados. Segundo o documento, isso irá ajudar a evitar o "congestionamento verde" ou a "eletrificação do congestionamento", e favorecer a expansão das redes de transporte voltadas aos mais pobres;

  • Governos estaduais e locais devem acelerar a implantação dos instrumentos de captura do valor do solo para financiar novas infraestruturas orientadas ao transporte, possibilitados pelos governos nacionais;

  • Os governos centrais devem coordenar-se com os departamentos de planejamento, energia e transporte nacionais e locais, a fim de apoiar a eletrificação do transporte.

  • Os bancos multilaterais e agências de desenvolvimento devem apoiar governos, particularmente em países de baixa e média-renda, com recursos financeiros e assistência técnica para acelerar o desenvolvimento do transporte público nas cidades.

O New Climate Economy é o projeto líder da Global Commission on the Economy and Climate, importante iniciativa internacional criada em 2013 para ajudar os governos, as empresas e a sociedade a tomarem decisões mais bem fundamentadas sobre como alcançar a prosperidade e o desenvolvimento econômico, ao mesmo tempo em que tratam as mudanças climáticas.