Há quase dois anos, o projeto de Ruas Completas originou uma parceria inédita entre uma universidade, uma prefeitura, o WRI Brasil e a Frente Nacional de Prefeitos (FNP). Hoje, essa sinergia se manifesta em uma intervenção que pretende transformar uma das vias mais importantes do centro de Juiz de Fora, em Minas Gerais. A cidade decidiu começar a priorizar a segurança e o conforto de todos os usuários da Rua Marechal Deodoro através do urbanismo tático.

Uma das 15 cidades participantes da Rede Nacional Para a Mobilidade de Baixo Carbono, Juiz de Fora selecionou as ruas Marechal Deodoro e Batista de Oliveira como cenário para seu primeiro projeto de Ruas Completas. Localizadas no eixo principal do centro da cidade, as vias possuem um intenso fluxo de pedestres que entra em conflito com o trânsito de veículos. Conforme contagem da prefeitura, cerca de 1.200 pessoas transitam por hora no local, enquanto apenas 10 veículos trafegam no mesmo período. Os pedestres ainda disputam o espaço das calçadas com a presença de bancas de camelôs instaladas diariamente.

O diagnóstico realizado nas vias através de entrevistas com comerciantes formais e informais e passantes evidenciou a necessidade da pedestrianização das mesmas, assim como melhorias de acessibilidade, iluminação e segurança.

“Juiz de Fora tem uma tradição de ser uma cidade que pensa no pedestre. O projeto de calçadões começa a ser implantado em 1975, com o calçadão da Rua Halfeld. A cidade também foi a primeira não-capital de Estado a ter um corredor exclusivo de ônibus, implantado em 1981. Começamos muito bem, mas depois mudamos a lógica de atuação passando a dar prioridade ao automóvel. Resgatar essa tradição nos fez engajar e participar junto com a Frente Nacional de Prefeitos e o WRI Brasil nessa promoção de uma mobilidade mais humana”, destacou Rodrigo Tortoriello, secretário de Transportes e Trânsito de Juiz de Fora.

A vivência da Rua Completa

Para que o projeto seja testado e apresentado à população, foi inaugurada em 14 de março uma intervenção de urbanismo tático em um trecho da Rua Marechal Deodoro. O projeto foi concretizado através da parceria do WRI Brasil e da FNP com a Secretaria de Transporte e Trânsito (Settra) de Juiz de Fora e da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). A proposta foi elaborada por Érica Oiticica e Sâmyla Souza, alunas da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da UFJF, sob a supervisão do gerente de projetos Marcelo Valente durante estágio no Departamento de Estudos e Projetos da Settra.

Pintura foi realizada em uma madrugada (Foto: Daniel Hunter/WRI Brasil)

As calçadas foram unidas por tablados no mesmo nível em dois pontos conectando duas galerias comerciais que cruzam a Marechal Deodoro. As travessias foram pintadas com tintas coloridas para destacar essas ligações. Os quiosques dos camelôs foram deslocados para o centro da via para liberar o espaço das calçadas para o trânsito de pedestres. Os tablados se transformaram em espaços de permanência com a instalação de mesas e cadeiras, e ainda foram adicionadas plantas e pequenas árvores. O local da intervenção também será palco de atividades culturais aos sábados.

“Queremos que as pessoas notem que a rua pode ser um espaço para todo mundo. Temos um conjunto de ruas que são calçadões e essa era a última que ainda tinha movimentação de carros”, explicou Marcelo Valente, da Settra. A intervenção permanecerá durante 30 dias para que a população possa vivenciar as mudanças que estão por vir. Nesse período, o fluxo de veículos estará interrompido.

O primeiro dia de intervenção causou curiosidade e expectativa nos frequentadores e trabalhadores da Rua Marechal Deodoro. Ainda durante a coleta de informações sobre o projeto, muitos questionavam, elogiavam e davam sugestões de melhoria. Maria Adelaide Guimarães, que tomava um café na lanchonete em frente a um dos tablados instalados, destacou a ocupação da rua e aprovou o projeto. "Eu acho ótimo. A rua Marechal já tem muito mais movimento de pessoas do que de carros, então vai ser muito melhor aproveitada".

O trabalhador autônomo, Gustavo Romano, que há dois anos instala sua banca de camelô na rua acredita que a relação com os lojistas possa melhorar com o projeto e que a presença do mobiliário urbano também possa favorecer suas vendas. "A gente ficava em cima da calçada, muitas vezes atrapalhava o trânsito de cadeirantes, por exemplo. Agora tem mais espaço para o pedestre no passeio."

"Para nós, lojistas, tudo o que dá mais conforto para a população poder circular, descansar e olhar as vitrines, é interessante", disse Ana Ancell, gerente de uma loja de calçados. Há 25 anos trabalhando no mesmo estabelecimento na rua Marechal, Pedro Agostinho Guimarães também estava satisfeito com a perspectiva de mudança. "Essa rua estava quase abandonada, com problemas de iluminação e obstáculos no passeio. Pode melhorar muito."

Lauro Ferreira disse estar otimista com o projeto (Foto: Daniel Hunter/WRI Brasil)

Lauro Ferreira, 71 anos, portador de deficiência visual, destacou a importância do controle e do cuidado para prevenir as depredações do espaço. "Acho que é um passo grande que a prefeitura está tomando. A Marechal tem muitos problemas de acessibilidade. Pelo que eu consigo sentir, esse espaço também será muito legal para o pessoal sentar e aproveitar a rua”, disse. Já Afrânio Batista, morador da Rua Marechal há mais de 40 anos, salientou a necessidade de ter a sua opinião ouvida e considerada para o projeto permanente.

Após alguns dias de intervenção, a aceitação pelos lojistas foi tão boa que eles irão contribuir com mais elementos para qualificar a intervenção temporária. Serão adquiridos mais vasos de plantas, elementos para compor o mobiliário urbano e também uma nova remessa de tinta para piso que irá colorir a rua por mais tempo. A instalação de uma cobertura tensionada para proporcionar mais sombra também está sendo debatida. Os próximos passos para o projeto são a realização de pesquisas com a população sobre a percepção em relação à intervenção temporária e buscar sugestões para a possível obra permanente.

<p>Marechal Deodoro</p>

O espaço está sendo utilizado para atividades culturais aos sábados (Foto: Marcelo Valente/Settra)

A presença da universidade

Em paralelo à intervenção temporária, a UFJF promove a exposição “Juiz de Fora para as pessoas: Marechal Deodoro e Batista de Oliveira na Lógica das Ruas Completas”, que exibe projetos desenvolvidos pelos alunos da FAU com propostas de Ruas Completas para as ruas centrais da cidade. A mostra está instalada no Espaço Cultural Correios, na própria Rua Marechal Deodoro. Os trabalhos são fruto da disciplina extensionista “Projeto e Mobilidade Urbana”, iniciada em 2018 após a assinatura de um acordo de cooperação com o WRI Brasil, a FNP e a Prefeitura de Juiz de Fora.

Exposição oferece diversas possibilidades de imaginar as ruas de Juiz de Fora mais completas (Foto: Daniel Hunter/WRI Brasil)

“A inspiração para a disciplina surgiu em um workshop organizado pelo WRI Brasil no qual tive a ideia de, em vez de propor uma solução para uma rua de Juiz de Fora em um dia, fazer isso em uma disciplina, com alunos, ao longo de um semestre”, contou o professor Fernando Lima, coordenador do projeto de extensão e vice-diretor da FAU.

O professor José Gustavo Francis Abdalla, diretor da FAU, que divide a disciplina com Fernando Lima, destacou a capacidade de a matéria expandir as ideias e perspectivas dos estudantes. "Os resultados começaram a nos surpreender pelas inovações, pelas ideias não formais. Depois, a disciplina gera a noção de que é possível trabalhar com diferentes organizações como o WRI Brasil, não necessariamente em escritórios de arquitetura. E ainda mais, trabalhar com a ideia de que o ser humano precisa ser resgatado."

Além de assinar o projeto da intervenção temporária da Rua Marechal Deodoro, os alunos da FAU, junto à Settra, foram responsáveis pela execução da intervenção, que foi montada em uma madrugada de trabalho. “Esse projeto sintetiza o que queremos para a extensão na UFJF, em que os alunos tiveram a possibilidade de articular a teoria com a prática. É a união do conhecimento acadêmico, do esforço institucional e do respeito à necessidade de mobilidade das pessoas”, exaltou Ana Lívia de Souza Coimbra, pró-reitora de Extensão da universidade.

Presente no evento de abertura da exposição, o prefeito de Juiz de Fora, Antônio Almas, comemorou o que chamou de "resgate do centro da cidade" através de uma intervenção "tão pequena, mas transformadora". "A minha alegria maior é ver essa interação da academia com a cidade através de uma universidade pública de grande qualidade. É uma alegria ser prefeito da cidade de Juiz de Fora nesse momento, no qual vemos o trabalho brilhante de alunos com a parceria da Settra dando as mãos para a construção de uma cidade para todos.”