Estudos mostram que a soma de todas as contribuições atualmente acordadas pelos países no Acordo de Paris, formalizadas por meio das Contribuições Nacionalmente Determinadas (conhecidas como NDCs), não será suficiente para manter o aquecimento do planeta em um nível seguro. É por isso que se insiste tanto em estimular um aumento de ambição entre os países para reduzir as emissões de gases de efeito estufa (GEE), discurso que está sendo reforçado durante a Semana do Clima da América Latina e Caribe, em Salvador, e que será tema-chave nas discussões da Cúpula do Clima, em setembro, e da Conferência do Clima de Santiago (COP 25), em dezembro.

Uma das maneiras de elevar essa ambição e também garantir que os objetivos de longo prazo do Acordo de Paris serão cumpridos é através de mercados de carbono. Para isso, são necessárias regras robustas e bem estruturadas, com a agilidade necessária para atender a urgência climática, e que garantam a integridade ambiental do planeta.

A regulamentação a nível internacional desses mercados tem sido um desafio para negociadores climáticos, diplomatas, representantes de governos e do setor privado. O chamado Artigo 6 do Acordo de Paris, que trata do assunto, foi um dos pontos que permaneceram em aberto após a COP 24, realizada no ano passado em Katowice, na Polônia. Embora haja uma expectativa para que a questão seja resolvida e as regras sejam acordadas durante as negociações da Conferência do Clima de Santiago (COP 25), em dezembro, essa regulamentação não deve ser feita a qualquer custo.

No Brasil, um mercado de carbono poderia gerar diversas oportunidades, visto que o país conta com um vasto portfólio de ativos de baixo carbono. Ao longo desta semana em Salvador, encontros entre CEOs, CFOs, dirigentes de grandes empresas e governos têm focado na construção de uma posição do setor privado brasileiro sobre o artigo 6, que prevê dois mecanismos de mercado para a cooperação entre os países na redução das emissões de GEE. Em um café da manhã durante a Semana do Clima, promovido pelo Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS), com apoio do WRI Brasil e da Bloomberg, o setor empresarial brasileiro apresentou ao governo federal um posicionamento formal de apoio à precificação de carbono como uma ferramenta necessária para avanços econômicos, tanto para um mercado de carbono nacional quanto para um de âmbito global.

<p>Encontro durante a Semana do Clima, em Salvador, reuniu autoridades governamentais e do setor privado</p>

Encontro durante a Semana do Clima, em Salvador, reuniu autoridades governamentais e do setor privado (foto: Taylla de Paula)

As discussões sobre o Artigo 6 se dão pela atual indefinição de como funcionariam os mecanismos de regulação dos mercados de carbono e se eles deveriam servir apenas para facilitar o cumprimento das NDCs ou para que os países reduzissem as emissões além do formalizado, visto que esses mercados tornariam o trabalho de mitigação mais eficiente e barato. Os debates também se concentram no risco de dupla contabilidade de emissões e no fato de que, se mal desenhados, os mercados podem causar mais prejuízos do que benefícios para a atmosfera.

Para além de discussões técnicas sobre como devem funcionar os mecanismos do Artigo 6, é importante lembrar que no Brasil será necessário resolver impasses de governança e arranjo institucional para desenvolver o arcabouço exigido para promover projetos e ações de mitigação e adaptação na escala necessária.

Uma oportunidade para o fortalecimento institucional

Para que um mercado de carbono seja estabelecido no país e cumpra seus objetivos, é importante fortalecer a discussão sobre a necessidade de criação de um sistema nacional de mensuração, relato e verificação (MRV), ferramenta fundamental para que os países possam monitorar desempenho, mitigar riscos de “vazamentos” e de dupla contabilidade de emissões.

No Brasil, a Política Nacional sobre Mudança do Clima (PNMC), estabelecida em 2009, prevê o desenvolvimento de um Mercado Brasileiro de Redução de Emissões (MBRE), o qual, em tese, seria operacionalizado em bolsas de mercadorias e futuros, bolsas de valores e entidades de balcão organizado, devidamente autorizadas pela Comissão de Valores Mobiliários para a negociação de títulos representativos de emissões de GEE evitadas certificadas.

Em 2011, em decorrência dessa previsão, foi criado Grupo de Trabalho Interministerial sobre Mercado de Carbono, coordenado pela Secretaria de Política Econômica do Ministério da Fazenda, com a participação de representantes de diversos ministérios. Esse grupo teve por objetivo analisar a viabilidade e os requisitos para a implantação do Mercado Brasileiro de Redução de Emissões.

A discussão sobre mercado de carbono pelo governo brasileiro ganhou maior expressão na Secretaria de Política Econômica do Ministério da Fazenda por meio de projeto denominado Partnership for Market Readiness (PMR). A carta de princípios apresentada por representantes do setor privado durante a Semana do Clima da América Latina e Caribe, em Salvador, é uma tentativa de fortalecer essa discussão no âmbito do governo federal, visto que esses mercados geram oportunidades econômicas importantes para o país e as empresas querem ser protagonistas da solução para as mudanças climáticas.

O Acordo de Paris prevê que a partir de 2020 cada país deverá contabilizar e relatar as emissões de GEE evitadas de acordo com a sua NDC. Sistemas de MRV ajudam os países a compreender o perfil das suas emissões de GEE, analisar tendências ao longo do tempo, desenhar estratégias de mitigação e avaliar o desempenho de políticas públicas. São também úteis para dar transparência e aumentar a credibilidade sobre a evolução e o alcance dos compromissos assumidos.

Portanto, o Brasil precisa seguir com o esforço de estabelecer um sistema MRV mandatório de nível nacional para poder criar o seu mercado de carbono e continuar a figurar entre os líderes de mercados globais estruturados, que garantam a integridade ambiental do sistema climático global. Não se trata apenas de cumprir os compromissos assumidos, mas de abrir portas para o desenvolvimento de uma nova economia capaz de fazer o país crescer sem emissões líquidas de GEE.