Depois de oito anos no WRI Brasil, Cristina Albuquerque pode dizer que conhece bem a organização e a área em que trabalha.

Mestra em Engenharia de Transportes pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Cristina começou a trabalhar no WRI Brasil em 2010, como estagiária, e hoje é gerente de mobilidade Urbana da organização. O trabalho, ela conta, evoluiu bastante: da coleta de dados para o que viria a ser o BRTdata.org ao planejamento estratégico da área de mobilidade urbana dentro do WRI Brasil.

Conversamos com Cristina sobre sua trajetória profissional, como planejar e financiar sistemas de transporte coletivo de qualidade e sua visão de futuro para a mobilidade nas cidades brasileiras.

 

Conte um pouco sobre sua trajetória profissional, como chegou ao WRI Brasil e a evolução do seu trabalho desde então.

Sou formada em Engenharia de Produção, e ainda estava na faculdade, procurando estágio, quando vim para o WRI Brasil. Naquela época, eu queria encontrar algo com mais propósito com o que pudesse trabalhar. E acabei me encontrando aqui, porque é um trabalho que tem propósito: a melhora da qualidade de vida nas cidades. Já são oito anos, e meu trabalho nesse tempo evoluiu bastante. Comecei trabalhando com a coleta de informações de corredores prioritários ao ônibus e hoje gerencio a área de mobilidade urbana, que tem diversas frentes de trabalho. A minha rotina passou de algo mais mecânico (a coleta de dados) a pensar estrategicamente em como trabalhamos a área de mobilidade urbana dentro do WRI Brasil, de forma interligada às nossas demais áreas e também aos escritórios internacionais do WRI.

 

No TCC e no Mestrado você abordou, respectivamente, faixas e corredores dedicados, duas formas de priorizar o transporte coletivo. Por que essa priorização no geral ainda não é uma realidade no cenário brasileiro?

Na minha visão, isso acontece porque ainda precisamos de mais vontade política para implantar medidas que garantam essa priorização. Muitas vezes, há resistência por parte dos usuários de automóvel, que afirmam que os corredores são pouco utilizados. Ou seja, uma questão cultural acaba gerando também uma resistência política para a implantação de medidas de priorização. Em compensação, quando a prioridade do transporte coletivo é de fato garantida, vemos, na prática, que os benefícios são muitos – eficiência do serviço, redução dos custos e dos tempos de deslocamento.

 

Muitas cidades brasileiras enfrentam uma dificuldade comum que é o financiamento dos sistemas de transporte coletivo – muitas vezes a operação é dependente apenas da receita das tarifas. Sabemos que as opções vão mudar conforme o contexto de cada cidade, mas, na tua visão, por onde começar?

As cidades precisam buscar outras fontes de recursos. Uma possibilidade é cobrar os veículos privados pelo uso da via, por exemplo. Ou mesmo a cobrança pelas áreas de estacionamento, que são uma fonte considerável de recursos que poderiam ser utilizados para qualificações no transporte coletivo. Além da publicidade veiculada nos sistemas – vemos muitos casos de cidades de outros países que já utilizam essa fonte de recursos, ainda não muito difundida entre as cidades brasileiras.

 

No Grupo de Benchmarking QualiÔnibus, as cidades trocam aprendizados e boas práticas. Quais cidades brasileiras já podem ser apontadas como exemplos e o que elas têm a ensinar?

Uma das cidades que podemos citar como bom exemplo é Fortaleza. A cidade tem feito vários avanços nos últimos anos, não apenas em relação ao transporte coletivo, mas também em outras áreas [veja aqui, aqui e aqui]. O que vemos na cidade é que, muitas vezes, ao chegar aos terminais, as pessoas dependem de alguém que as busque para realizar esse último trecho do deslocamento, por questões de segurança. A cidade implementou então o sistema Bicicleta Integrada. As bicicletas podem ser retiradas na estação com o próprio bilhete do transporte coletivo e o usuário pode ficar com ela por até 14 horas, devolvendo no dia seguinte ou após o expediente, quando retornar à estação. Essa é uma prática que de fato promove uma integração e incentiva as pessoas a usarem tanto a bicicleta quanto o transporte coletivo. Dentro do Grupo de Benchmarking esse é um dos exemplos que já identificamos, de uma cidade que fez algo diferente e pode compartilhar essa experiência com as demais.

 

Dificilmente o transporte coletivo sozinho vai dar conta de atender toda a população e todas as áreas de uma cidade. O que as cidades podem fazer para criar a integração com outros modos, como bicicleta e caminhada?

Seja por restrições de perfil viário ou outros fatores, sabemos que nem sempre o ônibus conseguirá acessar todas as áreas da cidade. Por isso realizar a integração com outros modos é tão importante; em especial com os modos ativos, a bicicleta e a caminhada. É possível estabelecer essa conexão na última milha [no último trecho do deslocamento], como no exemplo que mencionei de Fortaleza, melhorando a infraestrutura para pedestres, já que muitas vezes o acesso ao transporte coletivo é uma dificuldade. Além disso, também é necessário pensar nos novos serviços de mobilidade que estão surgindo e regulamentá-los para que se tornem mais uma alternativa. Não necessariamente nas áreas centrais das cidades, onde já circulam diversas linhas de ônibus, mas nos locais em que o transporte coletivo não consegue chegar, criando essa conexão entre os modos.

 

No Programa QualiÔnibus, o foco está na percepção das pessoas – os clientes do transporte coletivo. Por que essa abordagem, centrada no usuário, é eficaz em garantir a qualidade dos sistemas

Pensar na qualidade do transporte coletivo a partir da visão dos usuários – dos clientes, como gostamos de dizer – é fundamental. Tecnicamente, há diversas soluções para qualificar os sistemas de transporte, mas muitas vezes a solução técnica não é a mesma solução que as pessoas que usam o sistema precisam. Ou seja, é preciso entender as necessidades das pessoas. Se considerarmos empresas de outros setores, seu objetivo é ter clientes cativos, pessoas que estão ali porque querem estar ali. Nos sistemas de ônibus ainda não se tem essa visão. É o que buscamos reforçar com o Programa QualiÔnibus. Não devemos pensar que as pessoas utilizam o transporte coletivo porque não têm outra opção; devemos qualificar esses sistemas para que as pessoas andem de ônibus porque essa será a melhor opção para elas. Tratando os usuários como clientes, começamos a pensar nessas pessoas de forma diferente do que quando falamos apenas em usuários. É preciso entender quais elementos garantem a qualidade desejada pelas pessoas, para que, com isso, o transporte coletivo seja uma alternativa melhor, mais rápida e mais confortável.

 

Qual a sua visão de futuro para o transporte coletivo e a mobilidade nas cidades brasileiras?

Minha visão de futuro é a de uma rede interconectada e intermodal. Uma cidade onde as pessoas possam de fato se locomover e aproveitar os espaços urbanos. Precisamos pensar em redes de transporte coletivo conectadas tanto fisicamente quanto pelas tarifas e integradas à bicicleta, aos trajetos a pé e aos serviços da nova mobilidade. Trata-se de lançar um olhar holístico sobre a cidade e buscar maneiras de conectá-la, criando uma grande rede de mobilidade, em vez de planejar cada modo de forma isolada. Isso estimula a mobilidade ativa. E, quanto mais pessoas estiverem na rua, caminhando ou pedalando, mais agradável e seguro será o ambiente urbano.