Todos os anos, negociadores de países e governos do mundo se reúnem na Conferência do Clima para tentar acordar medidas capazes de limitar as emissões de gases de efeito estufa e evitar um aumento drástico nas médias de temperatura do planeta. Foi esse processo que levou à assinatura do Acordo de Paris em 2015, na capital francesa.

O Acordo de Paris entra em vigor em 2020, e nem todos os seus artigos estão regulamentados. Por isso, a Conferência do Clima deste ano, a COP 25, gerou grande expectativa. Os líderes dos países tinham em mãos uma grande oportunidade de resolver questões importantes do Acordo, como o Artigo 6, que define os mercados de carbono, e de mostrar o seu compromisso a partir de metas mais ambiciosas.

Essa oportunidade, infelizmente, foi desperdiçada: o resultado final da COP 25, presidida pelo Chile e realizada em Madri, Espanha, foi postergar as decisões-chave para o ano que vem. No final de 2020, em Glasgow, na Escócia, os países terão a tarefa dobrada de destravar as negociações e iniciar a implementação do Acordo de Paris.

Oportunidade de regulamentar o Artigo 6 adiada

A regulamentação do sexto artigo do Acordo de Paris foi certamente um dos pontos em que a COP de Madri mais deixou a desejar.

O Artigo 6 define que os países podem se engajar em uma cooperação voluntária para reduzir emissões de gases de efeito estufa. Essa cooperação pode ocorrer por meio de um mercado de carbono, no qual um país que conseguiu reduzir mais emissões do que o previsto inicialmente pode vender créditos para outro, que usa os créditos para alavancar sua meta.

Para garantir que os recursos provenientes dessa compra e venda sejam destinados à redução de emissões e a promoção do desenvolvimento sustentável, os países precisam determinar regras que impeçam a contagem duplicada das emissões, incentivem a transição para uma economia de baixo carbono e garantam a transparência desse mercado. São essas as regras que estavam em jogo. Afinal, o objetivo deste artigo não é simplesmente criar um novo mercado, mas um mecanismo de mercado que ajude os países a aumentarem sua contribuição para a redução das emissões globalmente. E rápido, por que o tempo urge.

O Brasil foi a Madri interessado em garantir um instrumento econômico que pudesse resultar em recursos financeiros para o país. Esse instrumento econômico é essencial para compor o pacote de soluções para o desafio climático. Afinal, países menos desenvolvidos precisarão de ajuda para se adaptar aos efeitos das mudanças de temperatura que já estão em curso. E sendo um país com grande quantidade de florestas ainda preservadas, o Brasil pode se beneficiar de um mecanismo capaz de atrair recursos para promover uma economia de baixa emissão de carbono.

Um grupo de países que incluía Austrália, China, Índia, Arábia Saudita, Uruguai e Japão, e do qual o Brasil se alinhou, defendeu um modelo de regulamentação do Artigo 6 que colocava em risco a capacidade do instrumento de reduzir emissões de maneira ambiciosa. Diante dessa situação, os negociadores decidiram não aprovar a regulamentação do artigo, jogando a discussão para o ano que vem e frustrando as expectativas. No fim, o Brasil voltou para casa sem os recursos que foi buscar.

Nem tudo está perdido

2019 se mostrou um ano de alta expectativa entorno do aumento da ambição climática. Manifestações em defesa de mais ação pelo clima ocorreram em vários países do mundo. Na COP, os jovens eram a principal voz empurrando os países a apresentar metas mais ambiciosas.

Há anos, usando da irreverência, um grupo de ativistas concede um “prêmio” para o país que, na interpretação do grupo, mais atrapalha as negociações. Estados Unidos, Canadá, Austrália e Rússia são alguns dos países que receberam o prêmio “Fóssil do Dia” nesta edição da COP. O Brasil não ficou fora do criticismo. No último dia, recebeu o “prêmio” por conta de retrocessos ambientais no país. Mesmo a União Europeia, que defende a necessidade de redobrar compromissos para reduzir as emissões no próximo ano, não ficou isenta de críticas, vista por muitos como incoerente em algumas partes da negociação.

Mas houve boas notícias na COP. Um bloco de países formado pelas pequenas ilhas do Pacífico, pelos países menos desenvolvidos e por algumas nações latino-americanas, liderado pela Costa Rica, cobrou um Acordo de Paris que mantenha a integridade ambiental dos mercados de carbono e aumente ambições na redução de emissões.

E mesmo no Brasil houve destaques positivos. Os governadores dos estados da Amazônia Legal compareceram em peso a COP para debater o futuro sustentável da região amazônica. Um possível resultado dessa proatividade pode vir por meio de um acordo, em construção, com a Agência Francesa de Desenvolvimento. Espera-se que este acordo abra portas para identificar projetos locais de desenvolvimento alinhados com uma economia de baixo-carbono, que incluam ampliação de cooperação científica, particularmente na área da agroecologia e gestão sustentável da floresta.

Saldo Final

Lideranças ambientalistas e climáticas reconhecem que a demora no avanço da regulamentação faz o coração do acordo climático fechado em Paris bater mais fraco. O paciente está em sofrimento. Mais pressão e angústia são depositadas para buscar uma solução em Glasgow, no final de 2020. A eleição norte-americana também é uma fase do jogo que poderá ser determinante para a falência ou sustentação do sistema internacional climático, já que os Estados Unidos podem sair formalmente do Acordo um dia após o pleito. Parte da sociedade civil presente nas negociações defende que seria pior um acordo ruim agora sobre o mercado de carbono, do que buscar a construção de alternativa que garanta a integridade ambiental do Acordo de Paris em Glasgow.

Enquanto o regime internacional se mostra travado, aumenta o número de empresas e governos subnacionais agindo para mitigar a crise climática. O setor financeiro começa a considerar seriamente o risco climático na sua tomada de decisão. O nível de compreensão da sociedade sobre a gravidade do problema aumenta. Portanto, uma das maiores forças de esperança de que poderemos contornar o problema é contar cada vez mais com ações no nível local e individual, através das atividades econômicas, mostrando que atores tão diversos como empresas, cidades, estados e organizações da sociedade civil podem se tornar o vetor principal para a transição para uma economia de baixo carbono.