Uma versão deste artigo foi publicada originalmente em Climate 2020.


A pandemia da Covid-19 deu início a uma das crises mais desafiadoras do nosso tempo, que, enquanto escrevo, em abril de 2020, já resultou em uma trágica perda de vidas e meios de subsistência para muitas pessoas ao redor do mundo. É um lembrete pungente de como nossas sociedades e economias são profundamente vulneráveis. Assim como as mudanças climáticas, uma pandemia como essa pode afetar qualquer pessoa. Sabemos, no entanto, que as mais pobres e marginalizadas são as que sofrerão mais.

A Covid-19 é um multiplicador de ameaças e ressalta a urgência de aumentarmos a resiliência não apenas a pandemias, mas a outros riscos sistêmicos, como as mudanças climáticas e a destruição de ecossistemas. Agora é a hora de identificar abordagens que possam ajudar a “reconstruirmos melhor” após a pandemia, de forma a criar os empregos e as oportunidades de crescimento que tão desesperadamente precisamos a curto prazo, mas também a reduzir o risco de outras crises desse tipo no futuro.

Fazendo valer os investimentos

Nas próximas semanas e meses, espera-se que governos e instituições financeiras mobilizem fundos sem precedentes – potencialmente na marca de US$ 10 trilhões ou mais – para combater a crise da Covid-19 e, depois, nos recuperarmos dela. Com investimentos massivos como esses, os orçamentos provavelmente serão apertados nos próximos anos, senão na próxima década. Precisamos, portanto, fazê-los valer a pena.

A primeira onda de resposta imediata à pandemia por parte dos governos e instituições financeiras está focada em medidas de emergência para conter a disseminação do vírus e proteger as pessoas e comunidades mais vulneráveis, seja do próprio vírus ou da perda de renda e trabalho à medida que as economias começam a estagnar. Essa é a primeira prioridade.

A maioria dessas medidas não tem relação direta com a ação climática. As exceções são potenciais resgates destinados a indústrias de alto carbono, como o setor de petróleo e gás ou companhias aéreas, ou, ainda, chamadas em alguns países para flexibilizar normas ambientais. Não devemos, contudo, impulsionar o crescimento para sair de uma crise de saúde fortalecendo outras, incluindo a da poluição do ar – que já mata mais de sete milhões de pessoas em todo o mundo anualmente – e a crise climática.

<p>imagem mostra cidades e poluição do ar causada por fábricas</p>

Algumas medidas de emergência para combater a Covid-19 e seus impactos nas comunidades estão relacionadas a efeitos negativos no clima, incluindo uma piora na poluição do ar (foto: Shinobu Sugiyama/Flickr)

A segunda onda de respostas à Covid-19 vai focar em estimular a economia. Essas ações terão mais impacto na ação climática – tanto positivos quanto negativos. É provável que um elemento seja o investimento de trilhões de dólares em grandes projetos de infraestrutura prontos para saírem do papel, a fim de aumentar demanda e empregos. Esses investimentos podem apenas restaurar as economias de alto carbono vulneráveis e desiguais de hoje – ou podem ajudar a acelerar a transição para economias mais inclusivas, de baixo carbono e resilientes. Os tipos de investimento e infraestrutura escolhidos serão cruciais.

Há evidências, a partir da recuperação econômica da crise de 2008-2009, de que medidas de estímulo “verdes” bem direcionadas geraram mais empregos e um melhor crescimento do que outras alternativas em alguns casos. Há boas razões para acreditar que medidas como essas seriam ainda mais promissoras hoje em dia, devido aos avanços tecnológicos e ao aumento da competitividade dessas soluções. Dos fundos de estímulo usados nos Estados Unidos em 2009, por exemplo, constatou-se que um bilhão de dólares gastos em projetos de infraestrutura de transporte coletivo criou quase o dobro das horas de trabalho que o mesmo investimento em rodovias.

A Lei Americana de Recuperação e Investimento de 2009 também foi o maior investimento em energia limpa da história dos EUA. A medida foi responsável por alocar mais de US$ 90 bilhões em investimentos em energia limpa e incentivos fiscais, alavancou cerca de US$ 150 bilhões em capital privado e outras fontes e contribuiu para a criação de 900 mil empregos por ano entre 2009 e 2015. Foi o início de um crescimento considerável das indústrias eólicas e solares americanas, que hoje competem diretamente com as usinas de combustível fóssil.

A Coreia do Sul foi o país que mais investiu em medidas verdes – em torno de 69% de seu fundo de estímulo para a crise de 2008-2009. Também foi um dos países da OECD que mais rápido se recuperaram da crise.

Na segunda onda de respostas, os governos também podem procurar realinhar políticas fiscais a fim de estimular o crescimento e a geração de empregos. Essa é uma oportunidade para reformar subsídios injustos e que prejudicam o meio ambiente, substituindo-os por pagamentos mais diretos que contribuam para a renda de trabalhadores ou comunidades vulneráveis e, ao mesmo tempo, reduzam os gastos do governo.

A atual baixa no preço do petróleo significa que a reforma dos subsídios aos combustíveis fósseis ou a aplicação de impostos sobre carbono ou energia teriam pouco impacto sobre as despesas das famílias. A receita levantada, por sua vez, poderia facilmente compensar quaisquer impactos e ainda ter fundos sobrando para outras prioridades públicas mais urgentes.

Este é um momento para analisar as opções que temos de retirar os impostos sobre aquilo que queremos incentivar, como empregos, e direcioná-los para o que não queremos, como a poluição. Uma oportunidade é a eliminação gradual dos mais de US$ 400 bilhões por ano em subsídios ao uso de combustíveis fósseis. Outra é juntar-se aos 77 países, estados ou cidades que atualmente aplicam um preço ao carbono, cobrindo cerca de 20% das emissões globais. As duas abordagens podem arrecadar fundos para governos sem dinheiro, garantir que famílias vulneráveis e de baixa renda estejam em melhores condições e permitir que os países intensifiquem sua ambição climática.

Aumentando os esforços

Com os desdobramentos da crise da Covid-19, as negociações climáticas da COP26 da ONU foram adiadas de novembro deste ano para 2021. Não foi uma decisão fácil, mas foi a correta. No entanto, embora as reuniões demorem mais a acontecer, a urgência de enfrentar a crise climática global está ainda mais clara.

De certa forma, não surpreende que os mais vulneráveis à crise climática tenham se dado conta disso e emergido primeiro como os principais líderes. Desde o início de abril, 106 países se comprometeram a reforçar suas ambições climáticas em 2020 – principalmente as pequenas e médias economias, incluindo muitos países em desenvolvimento e vulneráveis ao clima. Também em abril, o Chile juntou-se a outros seis países ao publicar seu compromisso climático nacional atualizado, com progressos significativos em direção a um futuro mais próspero e seguro. Essa será uma parte crítica da recuperação econômica do país da crise da Covid-19 e de seus esforços para combater as desigualdades.

De qualquer forma, a verdade é que esses 106 países liderando a empreitada não têm como alcançar sozinhos o que precisamos. Juntas, essas nações representam apenas 17,8% das emissões globais. Ou seja, mesmo com a maior das ambições, não conseguem mudar a situação das emissões. Os grandes países emissores devem parar de se esquivar, participar desse movimento crescente e intensificar seus esforços para enfrentar a crise climática à medida que recuperam suas economias após a Covid-19.

Sinais promissores

Há sinais promissores emergindo de algumas das principais economias do mundo. O Conselho Europeu divulgou declarações oficiais vinculando a resposta à pandemia à agenda verde, cumprindo o compromisso de incluir a “transição verde” em sua resposta. Essa medida é baseada na liberação pela Comissão Europeia, em dezembro de 2019, de um Green Deal Europeu que apresenta a visão de uma economia próspera, justa e eficiente em termos de recursos.

Na Coréia do Sul, o partido da situação tem combatido a crise climática e a da Covid-19 ao mesmo tempo e com ambições igualmente altas. A impressionante resposta à pandemia vem acompanhada, ainda, pelo anúncio dos planos de estabelecer a meta de zero emissões líquidas, incluindo abandonar o financiamento do carvão para, em vez disso, promover a energia renovável.

Na Indonésia, é evidente o potencial de uma mudança mais ampla para o desenvolvimento resiliente de baixo carbono. O Ministério de Planejamento do país lançou, no início de 2019, um relatório de Desenvolvimento de Baixo Carbono. O documento identificou uma trajetória de crescimento sustentável que proporcionará um aumento anual do PIB acima da média desde o primeiro ano e contribuirá para a redução da pobreza, gerando mais de 15 milhões de novos empregos verdes até 2045, além de reduzir as emissões mais rapidamente do que o previsto na atual NDC. Essa é uma oportunidade de começar a trilhar esse caminho de crescimento mais forte, inclusivo, resiliente e de baixo carbono, à medida que o país se recuperar após a crise econômica e de saúde da Covid-19.

Agora é a hora de uma ação climática transformadora – e as principais economias podem e devem liderar. Temos as ferramentas e soluções para fazer as mudanças necessárias – e elas podem beneficiar pessoas e economias na resposta global à pandemia de Covid-19 e além. Essa ação deve colocar as pessoas no centro, de maneira a proporcionar um mundo mais seguro, inclusivo e mais resiliente para todos.