Este post foi publicado originalmente no WRI Insights


Era para 2020 ser um ano decisivo para a ação climática.

Os países deveriam apresentar metas climáticas (NDCs) mais ambiciosas dentro do Acordo de Paris, iniciando uma "década de ambição". Tudo indicava que este seria um "super ano", com eventos importantes e decisões internacionais sobre clima, biodiversidade e oceano.

Então apareceu a Covid-19.

É compreensível e apropriado que os governos nacionais e locais estejam focados no controle da disseminação do coronavírus e no fornecimento imediato de assistência de saúde e renda às pessoas afetadas, mas por conta disso muitos planos foram suspensos.

A ONU adiou suas principais cúpulas de clima e biodiversidade para 2021 e reagendou as sessões de negociação que as precedem. Alguns países postergaram as conversas e processos de elaboração das NDCs melhoradas para priorizar o desafio de saúde pública. Milhões de ativistas climáticos e cidadãos de todo o mundo agora estão usando a internet em vez das ruas para pedir mudanças institucionais para a ação climática.

Ao mesmo tempo, os efeitos das mudanças climáticas – e as ameaças que eles representam para a saúde e economia – não desapareceram. Da mesma forma, as conclusões científicas de autoridades como o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) e a Plataforma Intergovernamental de Políticas Científicas sobre Serviços de Biodiversidade e Ecossistemas (IPBES) destacam a necessidade de maior ambição nos planos climáticos e de biodiversidade dos países.

As NDCs atuais colocam o mundo em uma rota perigosa de aumento da temperatura entre 2,9˚C e 3,4˚C, bem acima do limite de 1,5˚C que os cientistas dizem ser necessário para evitar os piores impactos das mudanças climáticas. Líderes devem fazer escolhas urgentes para assegurar melhores condições de saúde, uma sociedade mais segura e um crescimento mais sustentável.

Então, como os países podem manter o ritmo da ação climática ao mesmo tempo em que combatem a atual crise do novo coronavírus?

Mantendo a ação climática coletiva frente à Covid-19

Já vemos alguns sinais de progresso, mesmo em meio à crise global de saúde pública.

Na agenda do 50º aniversário do Dia da Terra, a Aliança dos Pequenos Estados Insulares (AOSIS) sediou o Fórum de Ambição de Placencia, reunindo virtualmente cerca de mil participantes, incluindo ministros do meio ambiente e de outras pastas, agências da ONU, parceiros de implementação e representantes do setor privado e da sociedade civil. Os pequenos estados insulares – entre os mais vulneráveis ​​aos impactos das mudanças climáticas – reiteraram seu compromisso com a ação climática, em particular em energia, transporte, resiliência e adaptação e financiamento climático.

"Não há cura para a inação climática", afirmou o primeiro-ministro de Belize, Dean Barrow. “Portanto, todos devemos pressionar pelo cumprimento das promessas de Paris [...] Os membros do AOSIS estão redobrando esforços para articular suas próprias NDCs. À luz desse fato, tenho de ter esperança de que as principais economias apresentem compromissos ainda mais robustos nos próximos meses."

Na 11ª edição anual do fórum de discussões sobre o clima Petersberg Dialogue, em abril de 2020, a chanceler alemã Angela Merkel além de outros ministros e líderes do setor privado e da sociedade civil reconheceram a necessidade de restaurar e retomar as economias por um caminho de baixo carbono, justo, resiliente e inclusivo. Como disse a ministra do Meio Ambiente de Ruanda, Jeanne d'Arc Mujawamariya, "devemos resistir à tentação de retomar ou acelerar indústrias poluentes como parte dos planos para criar empregos".

Angela Merkel reafirmou seu apoio à proposta da União Europeia de, até 2030, reduzir as emissões em 50% a 55% abaixo dos níveis de 1990, enquanto reconstrói a economia usando o Green Deal europeu.

O ministro do Meio Ambiente do Japão, Shinjiro Koizumi, sinalizou a intenção de aumentar a ambição da NDC do país antes da COP26, depois de uma atualização decepcionante no início deste mês. Ele também propôs reunir líderes para compartilhar experiências sobre caminhos mais benéficos e sustentáveis de recuperação. A intenção de seu governo de iniciar uma discussão sobre a reforma do financiamento internacional de carvão do Japão por meio de créditos à exportação foi bem-vinda, depois que a Coreia do Sul também anunciou que pretende encerrar o financiamento de carvão.

Os ministros da Economia do G20 recentemente se comprometeram com uma "forte resposta financeira" à crise do coronavírus, que inclui "uma recuperação ambientalmente sustentável e inclusiva [que seja] compatível com a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável".

Este foi um passo animador, mas mobilização e acesso ao financiamento continuam sendo desafios para a maioria dos países em desenvolvimento. Como afirmou o secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, no Petersberg Dialogue: "Não podemos permitir que o pesado e crescente endividamento dos países em desenvolvimento seja uma barreira à sua ambição [no clima]".

O que 2020 reserva para a ação climática?

Todos esses passos são importantes, mas precisamos de uma resposta ainda maior. Existem alguns caminhos para que governos nacionais e outros atores mantenham o ritmo em 2020 e façam avançar a agenda climática.

  1. Tomar a decisão certa ao retomar economias. Como destacou o secretário-geral da ONU na mensagem do Dia da Terra, a resposta dos países à crise econômica deve incluir investimentos em empregos e transição verdes por meio de infraestrutura mais resiliente, incluindo redes de água, energia, transporte, saúde e saneamento. Investimentos de baixo carbono em transporte e energia podem gerar mais empregos por dólar gasto do que insistir em combustíveis fósseis; aproveitar esses investimentos pode acelerar a transição.

    Os países devem evitar o resgate de indústrias poluentes, a menos que essas se comprometam a se tornar neutras em carbono e a acabar com os subsídios aos combustíveis fósseis. O risco climático deve ser considerado em qualquer decisão financeira ou política e os países devem considerar a possibilidade de precificar o carbono. A cooperação internacional será fundamental para que tudo isso aconteça, sem deixar ninguém para trás.

  2. Identificar outras oportunidades para aprimorar as NDCs. Os países devem explorar maneiras de preparar NDCs e processos nacionais de adaptação mais ambiciosos. Suas respostas de retomada da economia após a crise de saúde da Covid-19 devem reforçar mutuamente os objetivos de ação climática.

    Países como o Chile já apresentaram NDCs mais fortes, destacando oportunidades de criação de emprego que podem impulsionar a economia do país de maneira mais sustentável. Outros países devem seguir o exemplo.

  3. Mais colaboração internacional antes da COP26. Uma convocação global por planos de recuperação melhores e mais ecológicos, como sugeriu recentemente o ministro do Meio Ambiente do Japão, pode oferecer uma importante oportunidade para promover a cooperação e o aprendizado entre os países. Essa convocação pode se basear nos vários diálogos já ocorrendo sobre esse assunto (muitos dos quais com participação ativa do WRI).

    Essas conversas também podem subsidiar as próximas reuniões do G7 e do G20.

    Os eventos da Semana do Clima, que serão realizados virtualmente durante a Assembléia Geral da ONU em setembro, e a próxima sessão de negociação climática da ONU em outubro oferecem pontos de pressão e oportunidades claras para avançar na agenda climática. Os países e a sociedade civil podem usar as datas originais da COP26 em novembro, após a eleição presidencial dos EUA, como um momento para expressar uma clara determinação em cumprir a promessa do Acordo de Paris.

  4. Manter a responsabilidade. A ausência de uma COP em 2020 não deve diminuir a vigilância e a expectativa globais. Embora os países não se reúnam na Cúpula da ONU em Glasgow, em novembro, ainda resta a oportunidade de examinar com honestidade os compromissos climáticos assumidos até agora, soar o alarme, chamar à responsabilidade os retardatários, louvar os verdadeiros campeões e pressionar os países a fazerem melhor.

    Espera-se dos países, especialmente de economias avançadas como Japão e Nova Zelândia, que cumpram seus compromissos de comunicar NDCs mais ambiciosas antes da COP26, as quais podem ser apoiadas por planos de recuperação econômica alinhados com o Acordo de Paris. O movimento climático continuará a se mobilizar online e usar meios inovadores para impulsionar a agenda do clima.

Ação climática em tempos de Covid-19

O novo coronavírus nos mostrou a importância de termos sociedades saudáveis, conectadas e resilientes. Não podemos garantir essas qualidades a longo prazo sem ação climática coletiva. Os principais eventos sobre o clima podem ser adiados, mas a emergência climática persiste.

Como disse o secretário-geral da ONU: "Dizem que o momento mais escuro precede o amanhecer. Vivemos dias sombrios, mas não dias sem esperança. Temos uma oportunidade breve e rara de mudar nosso mundo para melhor."

Devemos usar a experiência da Covid-19 como um impulso para acelerar nossos esforços por um futuro seguro e sustentável para todos. A cooperação internacional e o multilateralismo seguirão mais importantes do que nunca. É hora de reinventar e reforçar as formas como cooperamos e tomamos decisões, e de renovar nosso senso de solidariedade e urgência.