Parece que já se passou uma vida desde que eu assisti, na Cúpula da Terra, no Rio de Janeiro, em 1992, mais de 100 chefes de estado e de governo na fila para assinar os documentos originais da Convenção-Quadro sobre Mudanças Climáticas, da Convenção da Biodiversidade e da Agenda 21. As negociações foram difíceis e alguns líderes estavam mais entusiasmados que outros. Mas para todos naquela sala ficou claro que aquele era um momento de propósito moral, uma reunião da comunidade global para lidar com ameaças globais importantes que nenhuma nação poderia enfrentar sozinha.

O que deu errado?

Quase três décadas depois, estamos mais longe de uma solução para essas questões do que estávamos na época. Em outras áreas, houve grandes conquistas. A produção e a renda reais muito mais que dobraram globalmente desde 1992, a pobreza foi reduzida em um ritmo sem paralelo na história humana, a expectativa de vida aumentou drasticamente e o progresso tecnológico foi impressionante. Porém, quando se trata de ação coletiva para proteger bens públicos globais, os governos do mundo simplesmente não concordaram. Apenas nos últimos 10 anos, as emissões globais de gases de efeito estufa foram maiores que as emissões totais nos dois séculos entre 1750 e 1950, e os cientistas acreditam que a perda de biodiversidade está ocorrendo a 1000 vezes a taxa natural. Hoje, um milhão de espécies estão ameaçadas de extinção.

A década passada não foi o momento de maior orgulho da humanidade, embora tenha havido uma exceção notável em 2015, quando o mundo testemunhou um acordo sobre os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável e sobre a ação climática no âmbito do Acordo de Paris. Por um breve momento, pareceu que talvez a era da cooperação pudesse ser reavivada. Mas, nos cinco anos seguintes, vimos pouca disposição para compromissos pelo bem comum. O agravamento da desigualdade nos países e o sentimento de impotência e ressentimento entre aqueles deixados para trás pela globalização e pela mudança tecnológica colocou o foco em questões internas e não em relação a qualquer bem global. As 20 Metas de Aichi para a Biodiversidade, estabelecidas há 10 anos, não foram alcançadas. Na conferência do clima de Madri, em dezembro de 2019, os negociadores não chegaram a um acordo sobre o horizonte de tempo para aumentar a ambição das metas, sobre as regras básicas para os mercados de carbono ou, na verdade, sobre quase nada.

Não é nenhuma surpresa que especialistas tenham apelidado os últimos 10 anos como "década da desconfiança" e "década da desilusão".

Ainda há esperança?

Neste 2020, por que nós do WRI estamos redobrando os esforços na crença de que este ano – e a próxima década – podem ser diferentes? Acreditamos que 7 fatores oferecem alguma esperança que simplesmente não existia há uma década. Nenhum deles, por si só, trará o ponto de virada necessário, mas combinados e em sintonia com um alcance político inteligente, eles podem dar impulso para uma mudança sistêmica real.

1) Evidências que não se pode mais ignorar

A própria natureza está clamando de maneira crescente a cada ano. Dezenove dos 20 anos mais quentes da história desde que há registros ocorreram nos primeiros 19 anos deste século. O custo econômico e humano de eventos climáticos extremos, secas, inundações e habitats naturais perdidos está forçando todos (exceto aqueles da margem extrema), a reconhecer o perigo. A nova ciência – do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), da Plataforma Intergovernamental de Políticas Científicas sobre Serviços de Biodiversidade e Ecossistemas (IPBES) e muitas outras fontes – está nos lembrando que os problemas são mais graves do que entendemos e que, nas tendências atuais, crescerão de maneira potencialmente catastrófica. Acompanhe, não sem tristeza, mais eventos extremos causados pelo clima em 2020 gerarem mais sofrimento e criarem impulso para a ação.

2) Jovens cidadãos despertando

Nunca antes sete milhões de pessoas marcharam com um objetivo único como esse, inspirado pela pessoa do ano pela Time, que tem 16 anos, a sueca Greta Thunberg. Nunca antes jovens ativistas foram convidados em grande número a se dirigir às Nações Unidas, a parlamentos nacionais e ao Fórum Econômico Mundial. Como no caso dos plásticos, nos últimos dois anos, a ação cidadã pelo clima está causando impacto em todo o mundo: parlamentos em 15 países – da França e do Reino Unido à Argentina, Bangladesh e Canadá – declararam estado de “emergência climática” e 18 países se comprometeram agora a um futuro de emissões líquidas zero. Na corrida presidencial dos EUA em 2016, a mudança climática foi considerada uma questão eleitoral desperdiçada, enquanto agora está no centro das discussões com candidatos cobrando uns aos outros em um esforço determinado pela ação climática. Uma questão fundamental para 2020 será se o movimento cidadão se tornará um fenômeno verdadeiramente global. Acompanhe o 50º Aniversário do Dia da Terra (22 de abril), a Cúpula do Oceano em Lisboa (junho), a COP da Biodiversidade em Kunming (outubro) e a COP do Clima em Glasgow (novembro). Observe se o tema da “transição justa” se tornará central nas manifestações durante o início dessas reuniões. Observe o tom e a direção na preparação para as eleições dos EUA em novembro.

3) Uma nova narrativa econômica

Há uma década, a linguagem das compensações prevaleceu. Os benefícios de proteger os bens comuns globais precisavam ser avaliados juntamente com os custos em termos de dinheiro, empregos e crescimento econômico. A luta terminou com taxas de desconto. Os benefícios no futuro justificariam os custos hoje? Agora, um enquadramento muito diferente está se enraizando. A Comissão Global de Economia e Clima, por exemplo, demonstrou as oportunidades de uma "Nova Economia Climática", na qual políticas climáticas inteligentes podem promover o uso mais eficiente dos recursos, induzir novas tecnologias, combater a poluição e proporcionar estabilidade a longo prazo. Incentivos que, combinados, podem levar a ganhos no curto e no longo prazo. O idioma dos custos e trade-offs é substituído pelo idioma do investimento e da oportunidade. Isso é expresso de diferentes maneiras, incluindo, por exemplo, o famoso "verde é ouro" do presidente Xi Jinping. Embora essa jornada analítica tenha se concentrado principalmente nas mudanças climáticas, ideias paralelas estão surgindo no Painel de Alto Nível sobre uma Economia Oceânica Sustentável, e em várias iniciativas do Business for Nature nos preparativos para a COP de biodiversidade deste ano. Assista a essa narrativa se espalhar em 2020.

4) Transformação do comportamento corporativo

A nova narrativa econômica está começando a se enraizar nas escolas de negócios e nas salas de diretoria. Dez anos atrás, um pequeno número de líderes empresariais defendia a abordagem econômica para a ação climática, mas menos ainda estavam agindo. Hoje, embora ainda seja uma minoria, o número está crescendo a um ritmo acelerado e a intenção está levando à ação. Mais de 750 grandes corporações se comprometeram com metas baseadas na ciência, e o número está crescendo. Cerca de 200 deles já aprimoraram sua ambição para serem consistentes com o objetivo de se manter dentro de um "mundo em aquecimento de 1,5 ºC" (indo além de "abaixo de 2 ºC"). Esses compromissos exigem transparência nos planos de emissões e nos prazos das empresas para descarbonizar suas cadeias de valor. Porque eles estão fazendo isso? Não porque os governos exigem (eles não exigem), mas porque essas empresas de vanguarda interpretam como uma inteligência de negócio, aumentando a eficiência, motivando seus funcionários e clientes e, cada vez mais, atraindo recursos financeiros. Os compromissos representam cerca de 1 gigatonelada de emissões no escopo 1 e 2 e quase 4 gigatoneladas no escopo 3 (incluindo cadeias de valor), equivalentes a 10% do total das emissões globais.

Acompanhe se esses compromissos vão crescer em 2020, à medida em que 20% das principais empresas de cada setor se juntam a esse grupo (ponto em que os especialistas acreditam que todo o setor pode "virar"). Observe se esses líderes usam seu poder de lobby para influenciar as políticas do governo e forçar suas associações empresariais a entrar no novo entendimento econômico do século 21.

5) Agitação dos mercados financeiros

Até recentemente, os mercados financeiros eram, na melhor das hipóteses, neutros em sua influência nas decisões de investimento sustentável, e muitas vezes totalmente negativos devido a seu conservadorismo e foco no curto prazo. Há uma profunda transformação em curso, impulsionada pelo reconhecimento dos sérios riscos associados às mudanças ambientais (riscos físicos e ativos prematuramente depreciados ou desvalorizados) e pelas oportunidades percebidas na ação climática. Portanto, a mudança está sendo conduzida tanto pelos gerentes de riscos, incluindo reguladores, quanto pelos proprietários de ativos e intermediários financeiros que percebem a oportunidade de lucro e o propósito moral. Consistente com a nova narrativa econômica, tem-se espalhado a visão de que, ao fazer altos investimentos em Ambiente, Social e Governança (ESG no acrônimo em inglês), empresas podem aumentar os lucros de médio e longo prazo, ao contrário do que se pensava. Uma visão ainda mais aprofundada incorpora a noção de que o foco em valor compartilhado levará a empresas mais saudáveis, mais lucrativas e moralmente respeitáveis. Essas idéias estão gerando uma série de iniciativas e coalizões de proprietários de ativos e investidores institucionais (Net Zero Asset Owners Alliance, Climate Action 100+), bancos centrais, reguladores e criadores de padrões (Network for Greening the Financial System, Climate Disclosure Standards Board, Sustainability Accounting Standards Board) e uma nova Coalizão de Ministros das Finanças para Ação Climática (que já atraiu 55 membros). A Força-Tarefa sobre Divulgações Financeiras Relacionadas ao Clima (TCFD) emergiu como a principal força para padrões voluntários globais, e muitos especialistas esperam que a divulgação se torne obrigatória nos principais mercados financeiros nos próximos anos.

São os momentos iniciais dessa transformação, mas a preparação para a COP de Glasgow oferece uma oportunidade importante. Fique de olho para ver se os líderes das várias iniciativas podem tornar o todo maior do que a soma das partes e, assim, formar o início de um movimento genuíno. Acompanhe também o presidente do Banco da Inglaterra, Mark Carney, em seu novo papel como Enviado Especial do Secretário-Geral para Ação e Finanças Climáticas.

6) Coalizões para mudança de sistema

Atingir a mudança necessária não será possível por meio de ações incrementais de atores individuais. Coalizões de líderes – geralmente envolvendo governo, setor privado, ciência e sociedade civil – são necessárias para criar movimentos pela transformação do sistema como um todo. É encorajador que estejamos vendo essas coalizões na maioria dos setores-chave. Isso inclui, por exemplo, a Comissão Global de Adaptação; C40 e a Coalizão para Transições Urbanas; a Coalizão de Alimentos e Uso da Terra, o New Deal for Nature and People e a Tropical Forest Alliance; a Powering Past Coal Alliance; High Level Panel for a Sustainable Ocean Economy; a Plataforma para Acelerar a Economia Circular (PACE); o Champions 12.3 for food loss and waste; a Comissão de Transições Energéticas para setores "difíceis de mitigar"; e muitos outros. Essas coalizões podem desempenhar um papel crucial em esclarecer o problema e possibilitar uma solução, e na identificação de ações que podem ser difíceis para atores individuais tomarem por conta própria, mas que fazem sentido se todos agirem em conjunto.

O melhor dessas coalizões será criar uma espiral ascendente de confiança e ação – às vezes chamada de "laços de ambição", em que os líderes se motivam a tomar ações mais ambiciosas. A análise de pontos de virada anteriores sugere que coalizões pioneiras quase sempre desempenham um papel positivo. Atualmente, frente à dificuldade de ação multilateral, essas abordagens coletivas são especialmente valiosas. Acompanhe o papel dessas coalizões na condução para grandes decisões em 2020.

7) Nova liderança

Na ausência da liderança dos EUA, é bastante compreensível o foco em possíveis acordos entre União Europeia (UE), China, Índia e outros grandes emissores. As recentes decisões da UE sobre o seu Green Deal, incluindo o foco em uma transição justa, fornecem uma esperança real. E há também um grupo emergente de outros países que seguem comprometidos com a ambição climática. Até agora, 79 países se comprometeram a aumentar sua ambição antes da COP de Glasgow. Embora representem apenas 10,5% das emissões globais, a voz coletiva desses países está se mostrando eficaz. O grupo inclui muitas pequenas ilhas e países africanos vulneráveis, que falam com autoridade moral. Também inclui países emergentes como México, Colômbia, Argentina e África do Sul. Países importantes do G20 como a Indonésia também estão aumentando sua ambição. O país do sudeste asiático concluiu uma importante Iniciativa de Desenvolvimento de Baixo Carbono, que detalha a transformação positiva de sua economia no período 2020-2040. O governo planeja incorporar as descobertas em seu próximo plano de cinco anos, com as emissões de carbono como um indicador importante.

Oportunidades de ação coletiva global em 2020: principais pontos de decisão

Será um grande ano para o oceano, a biodiversidade, a natureza e as mudanças climáticas.

No oceano, as principais decisões sobre temas como áreas protegidas, subsídios à pesca, direito do alto mar, oceano e clima, dados e finanças oceânicos serão debatidas na Cúpula dos Oceanos da ONU em Lisboa em junho, na OMC em setembro, na COP de biodiversidade em Kunming em outubro e na COP do clima em Glasgow em novembro.

No que se refere à biodiversidade, as metas e políticas para os próximos 10 anos serão negociadas sob a Convenção sobre Diversidade Biológica e devem envolver prestação de contas mais rigorosa do que a das metas de Aichi, que serão substituídas. Deve haver atenção especial a fatores que levam à perda de habitat, bem como metas ligadas a países e regiões específicas. O papel da China como anfitriã da COP é uma oportunidade importante. Acompanhe a adesão (ou não) da China a outras nações para monitorar e regular os impactos ambientais de seu enorme comércio de commodities e de sua Iniciativa do Cinturão e Rota.

No clima, 2020 é crucial para o futuro do Acordo de Paris. Cinco anos após a criação do Acordo de Paris, os países têm o compromisso de aumentar sua ambição. Até agora, grandes emissores não o fizeram. Os próximos meses são críticos. Deve-se tomar cuidado para que os compromissos de avançar para “zero emissões líquidas” (ainda não formalmente definidos e com a possibilidade de se tornarem mais facilmente atingíveis) não substituam o necessário aumento da ambição no período 2020-2030. O Reino Unido, como presidente da COP, tem uma importante tarefa diplomática nos próximos meses. Acompanhe se o país e outras nações líderes serão capazes de aproveitar o “Rastro de Ação” (o grande número de compromissos que serão assumidos fora das negociações) para aumentar o caráter cooperativo das negociações. Observe se o novo grupo de líderes climáticos pode, junto com os líderes das pequenas ilhas e dos países africanos vulneráveis, criar uma onda de cooperação positiva. Aguarde um possível acordo entre os grandes emissores, especialmente a UE e a China. Observe se a Cúpula de Adaptação ao Clima, realizada em outubro em Amsterdã, apresenta grandes avanços em finanças, agricultura e infraestrutura, conduzindo ao aumento da ambição em Glasgow.

Compromisso do WRI

Esta é uma agenda grande e empolgante. As apostas são muito altas e é preciso moderar as expectativas. O mundo está caminhando na direção errada, e mudá-la exigirá transformações disruptivas sistêmicas em todas as áreas da vida econômica. Essa transformação é factível e economicamente viável e levará a mais prosperidade, igualdade e qualidade de vida. Mas inércia e interesses das partes são barreiras significativas.

No WRI, estamos muito orgulhosos do trabalho de nossos mil especialistas e profissionais e de muitos parceiros. Reconhecemos que se agirmos sozinhos, apenas arranharemos a superfície. Por isso, estamos comprometidos em escolher nossas contribuições com cuidado, sempre trabalhando generosamente com os outros e agindo com vigor e humildade. A equipe do WRI em nossos 11 escritórios internacionais (Brasil, China, Etiópia, República Democrática do Congo, Índia, Indonésia, México, Holanda, Turquia, Reino Unido e Estados Unidos) é grata pelas profundas parcerias de que desfrutamos e está comprometida em fazer tudo o que pudermos para tornar o próximo ano o ponto de virada que o mundo precisa.

Mais Dinamarcas?

Somos inspirados pela liderança corajosa que temos visto em algumas comunidades, corporações, cidades e nações. Na Dinamarca, por exemplo, todos os principais partidos políticos concordaram recentemente com a meta de reduzir as emissões em 70% até 2030 e se tornarem neutros em carbono antes de 2050. Eles ainda não sabem exatamente como alcançarão esses objetivos, mas sua ambição está fomentando todo tipo de inovação e estimulando o envolvimento de grupos vibrantes com múltiplos atores. O objetivo deles reflete uma profunda compreensão do que a Comissão Global de Economia e Clima chamou de "a história de crescimento inclusivo do século 21". A economia da Dinamarca mudará significativamente como resultado dessa decisão. Aumentará sua reputação de tecnologia de ponta. Seus cidadãos desfrutarão de ar mais limpo, melhor transporte, menos desperdício, mais espaços verdes e o reconhecimento de que são líderes na revolução para dar aos nossos netos uma Terra que funcione bem e na qual poderão prosperar.

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O WRI lançará o Stories to Watch 2020 na quinta-feira, 9 de janeiro. Registre-se para assistir ou sintonizar a transmissão ao vivo.