Cidades que buscam no ônibus elétrico um aliado em potencial para mitigar o aquecimento global e melhorar a qualidade do ar encontram uma série de barreiras na adoção da tecnologia limpa. Investimento alto, falta de incentivo e informação, modelos de licitação rígidos, além de limitações tecnológicas, retardam a mudança. As dificuldades da transição no setor de transportes – responsável por um quarto das emissões globais de gases de efeito estufa (GEE) – distanciam os países do cumprimento de metas de combate às mudanças climáticas.

Sobram razões para investir em transporte público limpo. No longo prazo, o baixo custo de operação compensa o aporte inicial. Silenciosos e estáveis, os ônibus elétricos poupam os populosos centros urbanos de poluição atmosférica e sonora, e proporcionam deslocamentos mais confortáveis, com menos vibração. Os benefícios ambientais são ainda maiores se a eletricidade que movimenta os motores for proveniente de matriz energética limpa como a do Brasil.

Por aqui, a experiência mais exitosa até o momento tem sido implementada em Campinas, que já concluiu um projeto-piloto e prevê a ampliação do número de ônibus elétricos em operação até 2020. Há casos de sucesso consolidado longe e perto. Principal fabricante de ônibus limpos, a China abriga 99% da frota global, e a cidade de Shenzhen é a primeira do mundo com transporte público 100% elétrico. Fora do país asiático, a maior frota está em Santiago: já são mais de 200 veículos operando na capital chilena, número que pode chegar a 411 até o fim deste ano.

Mas Shenzhen, Santiago e Campinas também passaram por dificuldades. Ao lado de outras 13 cidades, suas experiências integram um relatório produzido pelo WRI Ross Center for Sustainable Cities sobre as barreiras tecnológicas, financeiras e institucionais para a adoção de ônibus limpos. O objetivo do estudo é oferecer insights para que outras cidades evitem equívocos, contornem obstáculos e antecipem os ajustes necessários para uma transição mais rápida e exitosa.

Barreiras tecnológicas

Ônibus elétricos são uma tecnologia emergente. Falta a muitos tomadores de decisão conhecimento técnico sobre os veículos disponíveis no mercado, a infraestrutura de recarga necessária e os modelos de operação testados ao redor do mundo. A escassez de informação dificulta a tomada de decisões nos vários estágios de implementação: da avaliação do custo-benefício até a transição de um projeto-piloto para uma operação de maior escala.

Outro fator importante é a necessidade de eventuais adaptações operacionais do sistema. Os ônibus elétricos disponíveis cobrem distâncias menores antes de precisarem de recarga, o que pode afetar a disponibilidade operacional dos veículos. Além disso, as baterias podem apresentar queda de performance em certas condições, como em temperaturas muito altas ou muito baixas.

Em algumas cidades, projetos-piloto esbarraram na lentidão de ônibus, então protótipos, ao subir ladeiras, por vezes gerando atrasos. De modo geral, os problemas têm sido solucionados ou atenuados em veículos mais recentes.

Barreiras financeiras

Em muitas cidades, agências de trânsito e empresas operadoras de transporte coletivo têm dificuldade de adaptar os rígidos processos de aquisição à nova tecnologia. Por estarem orientadas ao menor preço e risco, as licitações são incompatíveis com o alto investimento inicial nos ônibus, mais caros que os convencionais, sem contar a necessidade de se construir a estrutura de recarga.

As dificuldades de viabilizar financeiramente projetos de transporte coletivo limpo também passam pela falta de modelos específicos: por conta dos riscos inerentes a tecnologias incipientes, instituições financeiras ainda não oferecem linhas de crédito adaptadas, que garantam a continuidade dos investimentos. Onde ocorre, a indisponibilidade de crédito é um desafio em todos os estágios de implementação, sobretudo no momento de dar escala, o que trava muitas cidades em seus testes de conceito.

A situação pode melhorar. O preço de componentes como a bateria, que no Brasil corresponde a 50% do custo total do ônibus, vem caindo, e a multiplicação de experiências bem-sucedidas, como em Shenzhen e Santiago, tende a fortalecer a oferta de modelos de financiamento.

Barreiras institucionais

Faltam políticas públicas que estimulem a adoção de ônibus elétricos, e uma das razões pelas quais isso ocorre é a falta de interesse genuíno e pensamento pragmático das cidades, agências de trânsito e empresas operadoras do transporte coletivo.

Por vezes, licitações obsoletas emperram a transição. É comum que as concessões no transporte coletivo durem décadas. Enquanto, no mundo todo, a adoção de sistemas limpos de mobilidade e transporte se mostra mais urgente a cada ano, boa parte do transporte coletivo ainda opera segundo regras do início do século, que estimulam a compra de veículos com grande autonomia e longa vida útil e acabam por desestimular a aquisição de ônibus zero emissões.

Garagem em Shenzhen, na China (Virginia Tavares/WRI Brasil)

O relatório identificou dificuldades até então pouco discutidas quanto à disponibilidade de espaço físico. Podem ser necessárias garagens mais espaçosas, com estações de recarga, o que obriga as cidades ou os operadores a comprarem terrenos para a instalação das estruturas. Em Shenzhen, a aquisição de terrenos dentro do núcleo urbano foi um dos principais entraves para a massificação do transporte limpo.

O Chile mostrou que, com vontade política, é possível coordenar esforços para transpor as barreiras institucionais. Em 2017, o governo lançou um plano de eletromobilidade com a meta de eletrificar todo o transporte coletivo até 2050. O país vê na transição um motor de desenvolvimento que trará muitos benefícios, do combate aos altos níveis de poluição ao estímulo ao mercado de baterias do qual o próprio Chile é importante fornecedor de matéria prima. Para viabilizar a transformação, adaptou processos de licitação, criou subsídios para a transição e incluiu na conversa todas as partes interessadas.

A solução e seus problemas

As vendas de ônibus elétricos no mundo aumentaram oitenta vezes entre 2011 e 2017, mas ainda é pouco: o investimento em tecnologias de baixo carbono tem de dobrar nos próximos 20 anos para manter o aquecimento global em níveis seguros. Como o crescimento da frota se concentra na China e em países desenvolvidos, um dos desafios é identificar os entraves específicos do mundo em desenvolvimento.

Se as iniciativas documentadas pelo WRI evidenciam as dificuldades, também indicam que os obstáculos são superáveis. A multiplicação dessas experiências intensifica, também, os esforços em encontrar modelos viáveis de transição para o transporte público sustentável. O momento certo para embarcar nesse coletivo é agora.