Fundamental para a economia brasileira, responsável por uma parcela importante do PIB do agronegócio, a pecuária bovina pode ganhar produtividade e eficiência sem necessidade de novas áreas de pastagens. Recuperar áreas degradadas é a melhor estratégia para expansão da atividade sem aumentar a pressão sobre os recursos naturais. Se isso for feito utilizando práticas de intensificação já adotadas por boa parte dos produtores, o país pode incorporar o equivalente a uma vez e meia o rebanho bovino do Uruguai apenas nas áreas já destinadas a pastagens.

Essa é a principal conclusão da análise publicada na revista científica Royal Society Open Science por Rafael Barbieri, economista sênior do WRI Brasil e José Gustavo Feres, coordenador-geral de Estudos e Políticas Setoriais de Inovação, Regulação e Infraestrutura do IPEA. A pecuária bovina é altamente produtiva em muitas regiões do país, mas sistemas extensivos e de baixa tecnologia ainda fazem com que o setor não alcance todo o seu potencial de eficiência. O trabalho mostra que a recuperação de pastagens degradadas reconhecidas e declaradas no Censo Agropecuário – que somam 12 milhões de hectares – poderia gerar uma capacidade suporte adicional de 17,7 milhões de cabeças de gado.

O estudo também avaliou um cenário que contempla destinação mais estratégica das terras usadas na atividade, garantindo a adequação ambiental prevista na legislação. Neste caso, as regras do Código Florestal são cumpridas, as pastagens nativas utilizadas atualmente na pecuária poderiam ser destinadas à regeneração natural para cobrir o déficit de Áreas de Preservação Permanente e Reservas Legais e, se insuficientes, poderiam ser complementadas por restauração florestal nas pastagens degradadas.

Com a cobertura desses déficits, as pastagens degradadas excedentes poderiam então ser destinadas à recuperação para produção pecuária. Nesse caso, seria possível adicionar uma capacidade suporte de 9 milhões de cabeças (ou 4,9% do rebanho bovino atual) e ainda garantir 12,7 milhões de hectares para restauração, o que seria mais do que suficiente para cobrir as metas brasileiras assumidas no Acordo de Paris.

Intensificação a partir de práticas já conhecidas

Diferentemente de estudos anteriores, que utilizam o potencial de aumento do rebanho baseado na capacidade biofísica das pastagens (o cenário máximo de intensificação), desconsiderando a viabilidade econômica e financeira, os cenários deste estudo foram realizados com base nas boas práticas regionais de taxa de lotação de pastagens e de investimentos já existentes. Isso significa que os resultados seriam alcançados sem grandes rupturas, mas apenas seguindo o padrão já aplicado em propriedades com pastagens de boa qualidade nas mesmas regiões onde estão os imóveis com pastos degradados. Técnicas como adoção de curvas de nível, terraceamento, adensamento de plantio de pastagem, calagem e adubação seriam alguns exemplos.

Na Amazônia, o estudo mostra que o padrão médio das pastagens classificadas como “nativas” é de 0,11 cabeça por hectare, enquanto produtores com pastagens plantadas chegam a 0,91. No centro-sul do Cerrado, propriedades com pastagens plantadas de qualidade chegam a 1,08 cabeça por hectare, enquanto a média atual para pastagens “nativas” é de 0,45. A diferença entre as duas realidades representa o potencial de ganho de produção utilizando-se da mesma área.

Desde 2010, 10 milhões de hectares de florestas e vegetação natural foram convertidos em pastagens e 4 milhões de hectares em lavouras. Durante essa década, a média de peso por carcaça produzida no país cresceu apenas 0,74% ao ano, enquanto a produtividade do milho aumentou 5,3% ao ano e a da soja 3,9% – os dois produtos agrícolas têm hoje produtividade similar à de países do Mercosul, enquanto a produtividade da pecuária brasileira é pelo menos 20% menor do que a dos principais competidores. Embora os produtores rurais reconheçam pelo Censo Agropecuário a degradação de apenas 12 milhões de hectares, o número usado na modelagem do estudo, imagens de satélite mostram que a quantidade de pastagens degradadas em nível moderado ou severo pode chegar a quase 70 milhões de hectares, segundo o Laboratório de Processamento de Imagens e Geoprocessamento (Lapig).

Usar de maneira mais eficiente esses recursos seria bom para os produtores e para conter o impacto ambiental causado pela conversão de florestas em pastagens.

Políticas públicas e financiamento poderiam acelerar transformação do setor

Um dos caminhos para acelerar a recuperação de pastagens no país está no financiamento e na realocação do crédito existente para práticas comprovadamente sustentáveis. Recursos para investimento na recuperação de pastagens estão disponíveis, mas em muitos casos não exigem e nem garantem a aplicação em boas práticas de manejo. Fortalecer o Plano ABC, que condiciona o financiamento à recuperação de áreas degradadas ou outras técnicas, é uma forma de impulsionar essa transformação.

Além disso, a aplicação desses recursos poderia ser focada em regiões com alto potencial produtivo mas alta concentração de pastagens degradadas e desmatamento. O estudo mostra que atualmente 1% dos municípios brasileiros concentra 25% dos 12 milhões de hectares reconhecidos pelos proprietários como degradados.

A pecuária também é uma das atividades do setor do agronegócio com menor atendimento de Assistência Técnica e Extensão Rural (ATER). Dados do Censo Agropecuário mostram que a presença de assistência técnica está correlacionada com o aumento da eficiência e da produtividade. É necessário expandir esse conhecimento para um grupo muito maior de produtores.

Adequar as práticas produtivas às exigências crescentes dos mercados doméstico e internacional de zerar o desmatamento, cumprir as leis ambientais, fiscais e trabalhistas, e não tolerar relaxamento nos cuidados com bem-estar animal, é um caminho sem volta. Acelerar essa transformação no campo trará muitos benefícios econômicos para a atividade, além de contribuir para o país cumprir com os compromissos ambientais que geram benefícios para toda a sociedade.