Um projeto de restauração florestal, por melhor que seja no papel, não terá chances de funcionar se não contar com uma participação crucial: a população no entorno da área onde serão plantadas as árvores. São os atores locais, formados por produtores rurais, organizações da sociedade civil, empresas e órgãos do governo, entre outros, que farão com que uma área degradada possa florescer.

Incluir esses atores torna o processo da restauração mais democrático, permitindo que todos os atores tenham voz no processo. Mas como identificá-los e entender qual a responsabilidade de cada um?

O WRI Brasil trabalha com uma metodologia de mapeamento da paisagem social que permite identificar as redes, prioridades e os valores dos atores da restauração. Esse mapeamento está sendo conduzido em algumas paisagens em que a restauração florestal para fins econômicos ou ecológicos já está acontecendo, como no Vale do Paraíba Paulista, em São Paulo, no norte do Espírito Santo ou na bacia do Rio Doce, em Minas Gerais. O trabalho está sendo feito em parceria com a equipe da professora Cristina Adams, especialista em Ecologia Humana da Universidade de São Paulo (USP). Nesta entrevista, Cristina explica como funciona o trabalho de mapeamento social e porque ele é importante para impulsionar e dar escala ao reflorestamento em várias paisagens do Brasil.

<p>A professora da USP Cristina Adams</p>

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Acima, a professora da USP, Cristina Adams. Abaixo, ela trabalha com atores da restauração em Montanha, Espírito Santo, para identificar as conexões da cadeia da restauração na paisagem (fotos: WRI Brasil)

O que é um trabalho de mapeamento de atores sociais?

Cristina Adams (CA): O mapeamento de redes sociais para a restauração florestal é uma ferramenta que contribui para identificar e visualizar os atores sociais envolvidos e como eles se relacionam, ou atuam, em uma determinada paisagem. Ou seja, nos mostra quem são as pessoas que devem ser chamadas a participar da construção da governança, e quais delas se constituem como lideranças (nas várias escalas) e, portanto, têm mais a contribuir e precisarão ser ouvidas com mais cuidado ao longo do projeto, através de entrevistas mais aprofundadas, por exemplo. Os mapas também podem nos mostrar os fluxos de recursos que ocorrem na rede de atores (financeiros, técnicos, de conhecimento, insumos, etc.), e possíveis gargalos ou potencialidades para a governança. Quando se trata de um projeto novo, executado numa paisagem que o grupo de pesquisa não tem muita familiaridade, eu diria que é fundamental para uma primeira aproximação com a realidade local.

Como esse trabalho funciona na prática? São feitas reuniões, entrevistas? Que tipo de metodologia se usa?

O trabalho é executado em duas etapas. Na primeira, é feita a coleta de dados (quem são os atores, como eles estão ligados, quem envia/recebe recursos de quem, etc.), que pode se dar de maneira participativa, em oficinas, mas também pode ocorrer através de entrevistas. Tudo depende da escala do projeto. No caso da nossa parceria com o WRI Brasil, usamos as oficinas, adaptando a metodologia do WRI. A segunda etapa envolve a elaboração dos mapas de rede social, e para isso usamos o programa aberto e gratuito Gephi para calcular as métricas e visualizar as redes mostradas nos resultados. Essas métricas indicam quem são os atores mais conectados, as organizações-ponte (que conectam muitos atores), ou agentes de mudança, que são importantes para organizar processos de governança.

É importante destacar que os mapas refletem os atores que participaram das oficinas, e são usados em conjunto com outras informações (levantadas em entrevistas, literatura, documentos), num processo de triangulação que nos permite apontar os gargalos e as potencialidades, trazendo informações para que os atores construam a governança da restauração.

Foi a primeira vez que sua equipe trabalhou com mapeamento para fins de restauração? Na questão de florestas e restauração, há particularidades ou diferenças interessantes em relação a outros mapeamentos?

Sim, foi a primeira vez que trabalhamos com o mapeamento para fins de restauração. Não há muitas diferenças em relação a outros mapeamentos, exceto que desta vez usamos a coleta de dados através de mapeamento participativo.

O trabalho desenvolvido trouxe para sua equipe aprendizados não esperados?

Sim. Mostrou que existe um grande capital social mobilizado para a restauração florestal nas três paisagens investigadas, com graus de avanço distintos em direção à construção de um modelo de governança inclusivo, assim como estruturas de governança baseadas em modelos distintos, com maior ou menor participação de órgãos de governo, ONGs e produtores locais.

Gostaria de destacar que esse trabalho é fruto de uma parceria do WRI Brasil com a USP e a Unicamp, que permite o compartilhamento de expertises, olhares e metodologias de trabalho distintos, que enriquecem todas as partes.

Mapeamento também é utilizado em outras paisagens

O mapeamento de atores sociais na restauração está sendo utilizado em outros projetos. Em Juruti, no Pará, foram analisadas as fontes de informação sobre restauração em uma comunidade para propor ações que contribuam para a melhoria das atividades de produção de mudas lideradas pelas mulheres. Em Minas Gerais, em parceria com a Fundação Renova e outros atores locais e regionais, está sendo aplicada a Metodologia de Avaliação de Oportunidades de Restauração (ROAM) que está utilizando o mapeamento de atores para estruturar a governança do projeto e garantir maior envolvimento local.