Este artigo foi publicado originalmente na revista A Granja, edição de maio de 2019, com o título “Já pensou em lucrar com APP e RL?”


O Brasil é um país florestal e, hoje, tem uma grande oportunidade de desenvolver uma vibrante economia dos produtos madeireiros e não-madeireiros oriundos de árvores nativas plantadas.

Todas as condições estão no lugar. Há pelo menos 30 milhões de hectares de áreas de pastagem de baixa e muito baixa aptidão agrícola que poderiam gerar mais riqueza aos produtores e bem-estar à sociedade se ocupados por florestas formadas com espécies nativas produtoras de frutas, resinas, lenha, madeira e outros produtos florestais – além de valiosos serviços ambientais. No Brasil e no mundo a oferta de madeira tropical vem caindo significativamente, em função do esgotamento dos estoques naturais, ao passo em que a demanda segue aumentando. Contamos com um setor agropecuário moderno, que busca produzir mais em menos espaço através da intensificação – uma tendência identificada por recente estudo da Embrapa que pode abrir espaços para inserir florestas na produção. E já há tecnologias e modelagens econômicas para que mesmo investimentos de longo prazo, como o plantio de florestas para extração de madeira tropical, tragam resultados econômicos.

Essas condições coincidem com o crescente interesse da sociedade em valorizar os produtos nativos e nacionais, em uma produção eficiente e ambientalmente sustentável. A oportunidade para as florestas nativas plantadas terem valor é hoje maior do que nunca.

Mas apesar de todas essas oportunidades, pouco avançamos numa silvicultura de árvores nativas. Praticamente todas as plantações florestais existentes são compostas por espécies exóticas (pinus e eucalipto basicamente), as quais ocupam menos de 1% do território nacional e colaboram com 1,1% do PIB. Ainda podemos crescer muito. Em comparação, a cadeia de florestas produtivas da Finlândia corresponde a 25% do PIB do país. Como desenvolver melhor esse setor e permitir que os produtores rurais tenham lucro plantando florestas com árvores nativas?

Um bom começo é identificando e mapeando as experiências que já existem e estão dando certo no Brasil. Há empresas investindo, produtores grandes, médios e pequenos criando modelos inovadores que geram bons resultados para a economia e para o ambiente. Um exemplo é a Symbiosis, empresa sediada no sul da Bahia que faz um plantio econômico biodiverso com 26 espécies diferentes de árvores nativas da mata atlântica para a produção de madeira. Outro é a Fazenda da Toca, que criou no interior de São Paulo um Sistema Agroflorestal (SAF) de 260 hectares que produz citrus consorciado com espécies madeireiras, culturas agrícolas e adubação verde (utiliza espécies leguminosas como fonte de nitrogênio e arbóreas e gramíneas para aumento da matéria orgânica no solo). E também a Amata, empresa instalada no Pará que faz plantio com o paricá, uma árvore pioneira nativa da Amazônia, para produção de painéis compensados com madeira certificada.

Esses casos exemplificam bem três dos diversos modelos que o WRI Brasil, por meio do projeto VERENA (Valorização Econômica do Reflorestamento com Espécies Nativas), identificou como grande possibilidade de negócios para os produtores. É possível investir em plantio de uma árvore nativa, como o paricá no caso da Amazônia; em SAFs, que permitem combinar florestas com produção de alimentos e culturas permanentes; e em plantios biodiversos, com várias espécies diferentes, que amadurecem em tempos distintos e são plantadas seguindo uma organização que permite ao produtor vender produtos de crescimento rápido até que as madeiras mais nobres da floresta enfim cresçam.

Pequenos produtores lucrando com nativas

Para entender mais de perto como funciona um plantio de floresta para fins econômicos, vale conhecer o trabalho que está sendo desenvolvido no Sul do país.

Nessa região a Apremavi (Associação de Preservação do Meio Ambiente e da Vida), uma organização que trabalha com restauração de áreas degradadas, está aplicando o método de plantio econômico desenvolvido pelo projeto VERENA em quatro áreas diferentes. O principal objetivo é tornar a restauração uma opção atrativa aos pequenos produtores, perfil que caracteriza milhares de proprietários do Sul do Brasil.

O foco são plantios com araucárias, erva-mate e palmito-juçara. São vários modelos viáveis. É possível enriquecer uma área restaurada – como uma APP (Áreas de Preservação Permanente) ou RL (Reserva Legal) – com erva-mate, uma espécie nativa da região que apresenta melhores resultados quando acompanhada de áreas sombreadas, ou seja, outras árvores. Dá para investir em uma área de reflorestamento de araucárias, para pinhão, enriquecida com palmito-juçara. Ou mesmo no cultivo direto de araucárias, visando a extração de madeira e pinhão, com outras espécies madeiráveis. A erva-mate e o palmito são espécies com mercado já estabelecido. Há um bom escopo de informações para o produtor se preparar para o plantio e comercialização. A erva-mate pode ser usada para reduzir o risco de um sistema agroflorestal, já que o produtor poderá recolher resultados econômicos enquanto espera o crescimento de outras espécies madeireiras. O fato de ser nativa do Sul gera oportunidade para produtores que precisam se regularizar no Código Florestal – ela pode enriquecer uma restauração ecológica em Áreas de Preservação Permanente ou Reserva Legal. Assim, o produtor pode usar APPs e RL para ter retorno financeiro.

Além do mercado local, a erva-mate aos poucos vem abrindo mercados internacionais. Um exemplo disso é a empresa americana com sede na Califórnia chamada Guayakí Sustainable Rainforest Products. Essa empresa reinventou o tradicional chá mate para atrair o gosto americano. Para tanto, ela compra mate de 250 pequenos produtores na Argentina, Brasil e Paraguai, e estimula esses produtores a produzir a erva-mate em consórcio com restauração de florestas.

Sistemas agroflorestais de alta produtividade

Nada melhor do que olhar o desempenho econômico de um modelo de restauração para entendermos como que o plantio de florestas pode ser positivo para o produtor rural. É o que mostra o exemplo da AgroItuberá, no sul da Bahia. A empresa familiar, em operação desde 1972, está investindo em um sistema agroflorestal que integra cacau, seringueira e banana. O sistema gera um ganho de produtividade para o cacau, que cresce melhor na sombra dos seringais, além de um ambiente melhor para os trabalhadores. A produção é muito mais eficiente. Estamos falando de um resultado de 1,5 tonelada de cacau por hectare. Para se ter uma comparação, a Costa do Marfim, maior produtora de cacau do mundo, tem uma eficiência de 0,5 tonelada por hectare. Esse ganho de produção reflete nos lucros, que para a empresa chega a uma taxa de retorno entre 14% e 20%.

O reflorestamento com árvores nativas tem a vantagem de permitir a diversificação da produção, reduzindo o risco dos produtores, que não dependem de uma única espécie. Ao criar mosaicos de culturas, a exposição dos produtores à volatilidade dos preços é diminuída e são estabelecidas diferentes fontes de renda.

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Um Sistema Agroflorestal com espécies nativas que mistura cacau e seringueiras (foto: WRI Brasil)

Por ser uma atividade que, além de gerar renda para o produtor, também exporta benefícios para toda a sociedade - incluindo os demais produtores rurais – há um grande incentivo legal para o reflorestamento com espécies nativas, dentro ou fora da Reserva Legal. Uma floresta nativa restaurada ajuda a ter chuvas mais regulares, rios menos assoreados, água mais abundante, dentre outros serviços ambientais associados. É uma atividade econômica que gera impacto ambiental positivo. Por essa razão tanto o Código Florestal como a Lei da Mata Atlântica previram um sistema mais simplificado para a exploração de madeira nativa oriunda de florestas plantadas em área produtiva (fora de Reserva Legal), a qual não impõe limites à exploração ou demanda licenças ambientais. Em contraste, a extração de madeira em florestas naturais está sujeita à elaboração de Plano de Manejo Florestal, a uma série de limitações em relação às espécies e quantidades que podem ser exploradas, a uma sucessão de autorizações e licenças ambientais, além de vultosas taxas. Mesmo espécies ameaçadas de extinção, como é o caso do Palmito Juçara e da Araucária, podem ser legalmente exploradas se forem originadas de florestas plantadas, o que pode ser comprovado por meio de cadastros específicos a serem mantidos pelos órgãos ambientais dos estados, como previsto na legislação federal.

Ainda há muito o que avançar, sobretudo na disponibilização desses cadastros de forma acessível a todos os produtores, bem como na isenção de algumas taxas florestais hoje equivocadamente incidentes, mas é possível afirmar que já hoje a exploração econômica de florestas nativas plantadas é muito mais simples, do ponto de vista legal, do que o manejo de florestas naturais, ou mesmo a exploração de florestas de eucalipto, para o que é necessário licenciamento ambiental.

Uma nova economia para árvores nativas

O caminho está aberto para uma economia de baixo carbono no Brasil, a qual pode ser calcada não apenas na produção de biocombustíveis e no incremento vertical da produção agropecuária, mas também no reflorestamento com espécies nativas e sistemas agroflorestais, com a participação de milhões de produtores. Essa nova economia tem potencial para gerar empregos, produzir riqueza no campo e ao mesmo tempo proteger o meio ambiente e as florestas que cobrem o Brasil. É a revolução verde do século XXI.