O mundo se preparava para um acordo sobre o plano de ação para enfrentamento da crise climática em novembro deste ano, na Conferência Global do Clima da ONU em Glasgow, Escócia, quando foi tomado por uma outra crise de magnitude global, humanitária e urgente: a pandemia de Covid-19. Esta realidade levou a Convenção-quadro da ONU para Mudança Climáticas (UNFCCC) e os governos sede do Reino Unido e da Itália a anunciarem o adiamento da conferência, conhecida como COP 26, para 2021. Uma decisão correta, humana e que mostra que uma crise não é mais importante que a outra. É preciso tempo para tratar cada uma delas com seriedade e a devida ambição.

“O mundo está enfrentando um desafio global sem precedentes e os países corretamente estão focando seus esforços em salvar vidas e combater a Covid-19. Este é o motivo pelo qual estamos adiando a conferência”, afirmou o presidente da COP 26, Alok Sharma. De forma complementar, a declaração da UNFCCC afirma que a decisão também “garantirá que todos as partes possam focar nos temas a serem discutidos nesta conferência vital e permitir mais tempo para as preparações necessárias acontecerem”.

Mais tempo é necessário porque a COP 26 será a conclusão de um processo de negociação que dura meses e envolve diversos encontros globais que foram diretamente afetados pela paralização das viagens internacionais. A negociação em curso é crítica. Trata-se de um plano de ação a ser acordado por todos os países signatários do Acordo de Paris sobre o que cada um fará para mitigar as mudanças climáticas na próxima década. O nível de ambição deste plano determinará o quanto o planeta conseguirá se preparar para enfrentar a crise climática. Segundo os cientistas, quanto mais nos esforçarmos para manter o aumento da temperatura da Terra próximo a 1,5 °C, menor será o impacto dessa crise em nossas vidas.

Tristemente, esse impacto não será tão diferente da crise humanitária provocada pela Covid-19. A previsão é que a economia global também padeça, o sistema de produção de alimentos sofra com eventos extremos mais constantes e que novas epidemias surjam causadas por um maior desequilíbrio biológico provocado pela fragilização de ecossistemas inteiros. A soma leva a colapsos. A diferença será o tempo de duração da crise climática, que tende a perdurar por anos e aumentar a desigualdade e a pobreza na Terra se não for enfrentada.

Daí a importância de ajudar o mundo a enfrentar a Covid-19, para depois, inclusive com as lições apreendidas nesta epidemia, decidir como enfrentar a crise climática. Com a inteligência, a criatividade e o instinto de sobrevivência que são inerentes à espécie humana, podemos construir mecanismos de resiliência econômica, social e ambiental através das Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs), que ajudarão os países a recuperarem economias, sistemas de saúde e prepararem as cidades para serem mais resilientes a futuras epidemias ou crises planetárias na década que se inicia.

A secretária-executiva da UNFCCC, Patricia Espinosa, traduziu esse desafio de forma clara. “A Covid-19 é a ameaça mais urgente que a humanidade enfrenta hoje, mas não podemos esquecer que as mudanças climáticas são a maior ameaça a longo prazo. O que liga as duas crises é o conceito de humanidade trabalhando junto para atingir um objetivo comum que diminua o sofrimento humano – agora e no futuro”.

Um adiamento que pode resultar em mais ambição‬‬‬‬‬

A COP 26 é extremamente importante porque representa uma oportunidade para os países se organizarem para implementar uma estratégia de mitigação das mudanças climáticas. Com a assinatura do Acordo de Paris em 2015, cada país apresentou compromissos para reduzir as emissões de gases de efeito estufa e, desta forma, limitar o aumento das médias de temperatura do planeta a no máximo 1,5 °C. ‬

Porém, uma análise dos compromissos apresentados pelos países até o momento mostra que a soma das metas ainda é insuficiente – estaríamos a caminho de um aquecimento de mais de 3 °C. Por isso o Acordo de Paris tem um mecanismo de revisão periódica para o aumento de ambições. A cada cinco anos os países apresentam novos compromissos. É na COP 26 que os países terão a primeira oportunidade para apresentar novos compromissos, e eles precisam ser mais ambiciosos e definir um plano de ação. ‬ ‬

A restrição de voos e medidas de isolamento social em resposta à pandemia da Covid-19 acabaram por adiar ou atrasar muitos encontros prévios de negociações entre países para aumento de ambição no combate à mudança do clima. Além da precaução necessária para a saúde pública, o adiamento da COP 26 possibilita que os negociadores encontrem novos meios e oportunidades para trabalharem em novas propostas e medidas para limitar as mudanças do clima. ‬

Alguns países já mostraram liderança e anunciaram planos climáticos mais ambiciosos antes da crise da Covid-19. Foram principalmente países em desenvolvimento, que não são os maiores emissores. Pelo menos um grande emissor não demonstrou liderança. No final de março, o Japão apresentou seus novos compromissos, mas o resultado foi considerado decepcionante pela comunidade internacional, já que o novo plano japonês não é mais ambicioso do que o anterior, apresentado há cinco anos. ‬É fundamental que grandes emissores – China, União Europeia, Índia e até mesmo o Brasil – apresentem metas mais ambiciosas. ‬

A boa notícia é que o adiamento da COP 26 proporcionará a esses países uma oportunidade única de construir planos considerando as necessidades de recuperação econômica pós-pandemia. “Os planos climáticos nacionais não deveriam ser desconectados dos planos de recuperação econômica”, diz Andrew Steer, presidente e CEO do World Resources Institute (WRI), em um comunicado sobre o a decisão da ONU de prorrogar a realização da COP 26. “Em vez disso, devem ser parte integral dos esforços nacionais para criar empregos, impulsionar o crescimento econômico, reduzir riscos de saúde e construir economias mais resilientes”.‬

Economia de baixo carbono como resposta à crise‬

‬ Os efeitos econômicos da pandemia da Covid-19 ainda são pouco conhecidos, mas já há estimativas globais sugerindo uma queda da atividade econômica e possível recessão global. Não por acaso, muitos países já estão debatendo pacotes de estímulo para que a economia se recupere assim que o contágio do novo coronavírus for controlado. Se considerarem as questões climáticas nos planos de recuperação, esses países têm oportunidade não só de melhora da atividade econômica, mas também aumento da resiliência de seus sistemas energéticos, alimentares e hídricos, assim como dos grandes centros urbanos. Tudo isso pode significar aumento de ambição nas metas para limitar o aquecimento global.

Investidores Bolsa NY Investidores na Bolsa de Nova York. Financiamento verde é oportunidade para que pacotes de estímulo possam enfrentar ao mesmo tempo a recessão provocada pela Covid-19 e limitar as mudanças climáticas. (Foto: Divulgação)

Buscar crescimento de baixo carbono e resiliente pode permitir que países obtenham benefícios econômicos, sociais e ambientais duradouros. ‬ De acordo com a iniciativa New Climate Economy (NCE), uma ação climática ambiciosa pode gerar pelo menos US$ 26 trilhões em benefícios econômicos globais líquidos entre agora e 2030 em comparação com o cenário business as usual, além da criação de mais de 65 milhões de novos empregos de baixo carbono.‪‬‬‬‬‬‬ ‬

No começo de 2020, muitos atores deram indícios de que estamos no momento certo para passar a considerar a questão climática nos planejamentos econômicos, fazendo a transição para uma economia de baixo carbono. A BlackRock, maior empresa de gestão de ativos do mundo, ‬por exemplo, anunciou que passaria a considerar o componente de mudanças climáticas em seus investimentos, e o Fórum Econômico Mundial em Davos foi incisivo sobre a necessidade dos países migrarem para uma economia mais sustentável e resiliente. Também no Brasil há oportunidades de atrair investimentos verdes para girar a economia e melhorar a qualidade de vida das pessoas.

Sendo assim, a comunidade que se dedica a prevenir e mitigar os impactos da crise climática no mundo se une hoje aos esforços de controle da Covid-19. Ao priorizar o combate desta crise com a prorrogação da COP 26, se coloca à postos para, ao preparar o mundo para os desafios climáticos deste século, planejar também a regeneração das economias e sociedades enfraquecidas pela pandemia. O planeta é um só.