O histórico de investimentos públicos e privados desde a década de 1990 na região semiárida caracteriza-se, entre outros, por programas de convivência com a seca, responsáveis por melhorar consideravelmente a vida do "sertanejo". Diversos programas de âmbito nacional e regional têm objetivado reduzir a pobreza e a problemática das secas prolongadas, assim como melhorar a disponibilidade de água na Caatinga (Programa Água para Todos), Programa Nacional de Apoio à Captação de Água de Chuva e outras Tecnologias Sociais, etc.). Entretanto, pouca atenção tem sido dada às oportunidades relacionadas ao desenvolvimento agrícola associado às espécies nativas do bioma Caatinga.

Embora seja a região semiárida mais biodiversa do planeta, a Caatinga é um bioma culturalmente desvalorizado, sendo conhecido basicamente pelo mandacaru e algumas outras espécies de cactos e arbustos. De acordo com o Ministério do Meio Ambiente, cerca de 80% desse bioma já foi alterado e, além disso, o bioma abriga mais de 20 milhões de pessoas, das quais 38% vivem em áreas rurais. Apesar dos desafios, os proprietários podem reverter o processo de desertificação através de práticas agrosilviculturais economicamente viáveis e ambientalmente coerentes.

Pintadas e o histórico de engajamento social

O município de Pintadas, na Bahia, está localizado a aproximadamente 300 quilômetros da capital Salvador, na Bacia do Rio Jacuípe, onde a economia predominante é a agropecuária de baixa produtividade. O histórico de engajamento social nessa região é muito forte e tem sido fundamental para o seu desenvolvimento. Durante a reunião de um projeto de inclusão digital de jovens em Pintadas, uma das agricultoras da região fez a seguinte provocação: “A inclusão digital é muito boa para os jovens da cidade, mas qual poderia ser a tecnologia para melhorar a vida dos agricultores e agricultoras no campo?”.

A resposta se deu com o desenvolvimento do projeto Adapta Sertão, que concilia tecnologias sociais para aumentar a eficiência produtiva em agricultura e pecuária, visando a resiliência dessa comunidade rural às mudanças do clima, com geração de renda e recuperação da Caatinga. Essa abordagem trouxe oportunidades de desenvolvimento econômico. Em 2008, a Cooperativa Ser do Sertão foi fundada para viabilizar a comercialização de produtos da agricultura familiar. Ao mesmo tempo, as frutas nativas produzidas localmente foram introduzidas na merenda escolar em forma de polpa através de programas governamentais. Os bons resultados incentivaram as mulheres da Cooperativa a sonhar com uma fábrica para o processamento das frutas produzidas localmente.

Hoje, sete anos depois, a “fábrica dos sonhos” transforma os frutos produzidos pela agricultura familiar local em polpas de fruta que são consumidas na merenda de diversas escolas da região.

A fábrica dos sonhos e a conservação da Caatinga

As frutas que abastecem a “fábrica dos sonhos” são provenientes de sistemas agroflorestais ou extrativismo da própria Caatinga. Assim como inúmeras outras espécies do bioma, o umbuzeiro tem sido dizimado pelo desmatamento da Caatinga — em 2008, a vegetação remanescente era de 53,62%. As causas do desmatamento da Caatinga não diferem de outros biomas brasileiros. Em primeiro lugar vem a substituição por pasto para produção animal, seguida pela agricultura e expansão urbana.

Em setembro de 2015, a equipe de Florestas do WRI Brasil visitou alguns sistemas agroflorestais assistidos pelo projeto “Adapta Sertão”. Com raras exceções, todas as espécies introduzidas nos sistemas produtivos visitados são exóticas ao bioma Caatinga. Espécies como umbuzeiro (Spondias tuberosa) e licuri (Syagrus coronata), que produzem frutos comercializáveis, a jurema (Acacia Jurema) e a braúna (Melanoxylon brauna), que oferecem ótimas madeiras para inúmeros usos, a quixabeira (Sideroxylon obtusifolium), que melhora a qualidade do solo, a caatinga-de-porco (Caesalpinia pyramidalis) e o carrancudo (Latymiscium floribundum), que podem ser utilizadas como ração animal, não estão presentes nos sistemas produtivos visitados, mas seus produtos são extraídos das Caatingas remanescentes, cada vez mais escassas.

À primeira vista, parece haver um tipo de subjugação cultural que se reflete na preferência por espécies exóticas e uma perda de conhecimento sobre a importância das espécies nativas que ocorre junto com o sumiço da Caatinga. Nesse sentido, a estratégia de recuperação da Caatinga (ou recatingamento) passa obrigatoriamente pelo reconhecimento e valorização da cultura sertaneja tradicional. Para que essa, uma vez valorizada, se reproduza na paisagem.

O reconhecimento do conhecimento ecológico local sobre as espécies nativas e a inserção dessas nos sistemas produtivos agroflorestais, além de trazer oportunidades de geração de renda para o sertanejo é também uma estratégia para a conservação de espécies da flora da Caatinga.

O WRI Brasil está desenvolvendo projetos com objetivo de reduzir o desmatamento e incentivar a restauração de paisagens florestais. Práticas agroflorestais que utilizam espécies nativas da flora e, ao mesmo tempo, geram renda para a população local, resultam em sistemas produtivos resilientes ao clima e tornam-se uma eficiente estratégia para a conservação da natureza.