A nova mobilidade e suas regulamentações viveram idas e vindas desde que a Uber chegou ao Brasil durante a Copa das Confederações de 2013. Quase sete anos depois, carros por aplicativo são parte da vida nas cidades, e a mobilidade urbana brasileira tem um quadro ainda mais diverso. Atentas às bikes e patinetes nas calçadas, e com um olhar especial para o transporte coletivo, cidades têm criado regramentos para que empresas de natureza potencialmente disruptiva representem soluções que contribuam para a sustentabilidade e estejam integradas aos sistemas de transporte urbano.

O WRI Brasil desenvolveu uma ferramenta (acesse aqui ou navegue abaixo) que permite explorar o conteúdo dessas regulamentações – tanto dos carros por aplicativo quanto da micromobilidade – para entendê-las melhor. Baseada na plataforma Power BI, da Microsoft, a ferramenta retrata como o surgimento de empresas de ride-hailing (termo em inglês para serviços sob demanda como Uber, 99 e Cabify) exigiu das cidades criatividade para acolher o novo serviço. Também mapeiam as regulamentações para a micromobilidade – o compartilhamento de bikes e patinetes.



A base de dados contém regulamentações nacionais e municipais que estipulam padrões para serviços de nova mobilidade ou influenciam como eles operam localmente. Desde 2016, quando São Paulo e Vitória aprovaram as primeiras leis específicas, 30 cidades com mais de meio milhão de habitantes ou relevância nacional estipularam regras próprias. No caso da micromobilidade, foram catalogadas regulamentações de 10 cidades brasileiras, entre capitais e cidades com mais de 500 mil habitantes.

Foram avaliadas categorias como "Requisitos para licenciamento", "Impostos", "Requisitos do serviço", "Compartilhamento de dados" e "Multas e sanções". A ferramenta permite que se interaja com gráficos e mapas, filtrando as regulamentações, por exemplo, segundo o tipo de regulamentação, por cidade ou por ano de entrada em vigência da legislação.

Serviços sob demanda, legislação também

A chegada da Uber ao Brasil impôs ao poder público a urgência de legislar para garantir a convivência da mobilidade sob demanda com modais como ônibus e táxi, que repentinamente se viram diante de um concorrente inovador, atraente e sem legislação que desse conta das especificidades de sua atuação. Atualmente, empresas de ride-hailing ainda geram debates, e muitas cidades – o caso mais recente é Porto Alegre – cogitam criar novas taxas sobre a operação dos carros por aplicativo para compensar suas externalidades negativas e subsidiar o transporte coletivo.

Embora nem todas as cidades tenham optado por cobrar impostos das empresas de ride-hailing, a maioria o fez. Dezessete cidades cobram uma porcentagem do valor total da corrida (geralmente 1%). Outras cobram por quilômetro percorrido em corridas – o valor cobrado varia, mas gira em torno de R$ 0,10 por quilômetro.

A cidade de São Paulo inovou na forma de cobrança, alinhada a metas por desenvolvimento e mobilidade sustentáveis. O imposto parte de R$ 0,10 por quilômetro rodado, porém uma série de fatores podem reduzi-lo (corridas fora de hora de pico e/ou fora do centro expandido, corridas com motoristas mulheres ou feitas com carros menos poluentes, entre outros). Além disso, há uma progressividade de acordo com a quilometragem total percorrida pelas empresas por faixa horária, que pode aumentar o imposto para até R$ 0,36 por km.

Fortaleza é outro exemplo interessante: 2% do valor de cada corrida deve ser repassado ao município, porém a taxa pode baixar para 1% caso as empresas cumpram com contrapartidas para a cidade, como a construção de ciclovias ou de estações de bicicleta compartilhada. É mais uma das formas que a capital cearense encontrou para financiar a estrutura cicloviária, como abordamos recentemente.

Compartilhamento de dados é incipiente

A ferramenta do WRI Brasil também mostra soluções mais elementares. Em “Requisitos dos serviços", categoria que agrupa o que os aplicativos em si ou o serviço como um todo devem oferecer, as exigências mais citadas nas regulamentações são funcionalidades que os aplicativos já costumam apresentar: a emissão de recibos eletrônicos ao término das viagens, a possibilidade de avaliação da qualidade do serviço por parte dos passageiros e a identificação do motorista e do veículo (ligada a questões de segurança). Natal (11 requisitos), seguida por Porto Alegre e Salvador (9), são as cidades com mais regras estipuladas.


<p>Tabela mostrando regras de requisitos de serviço da cada cidade</p>

Ferramenta permite comparar regras criadas por diferentes cidades para serviços operarem


Nos “Requisitos dos motoristas”, estão as regras que os motoristas devem cumprir para estarem aptos a prestar o serviço. Muitas regulamentações acompanham a Lei Federal 13.640/2018, que deve ser seguida por todos os municípios. Ela exige que os motoristas que prestam os serviços tenham CNH com licença de atividade remunerada e provem a contratação de seguro (DPVAT e APP), além de que todos estejam inscritos no INSS e não possuam antecedentes criminais. Nem todas as regulamentações incluem as últimas duas exigências.

Algumas cidades ainda decidiram ir além e estipular outros critérios, como exigir que o motorista resida na cidade (ou na região metropolitana) caso deseje operar lá. Este é um dos fatores que mais geraram polêmicas nos bastidores, sofrendo críticas por parte das empresas e motoristas.

Em “Compartilhamento de dados”, estão os requisitos ligados à obrigatoriedade de compartilhamento de dados por parte das empresas com o município, e quais tipos de dados. É um dos critérios que mais gera controvérsias. De um lado, envolve o interesse do município em obter dados em grande volume e confiáveis que podem ser muito úteis para o planejamento da mobilidade e para integrar o sistema em direção à Mobilidade como um Serviço. Do outro, envolve questões de privacidade do usuário e de valiosas informações de mercado para as empresas. Apesar de a maioria das cidades exigirem o compartilhamento, na prática ele ainda não ocorre.

Caminho pavimentado para a micromobilidade

Um dos principais players do mercado da micromobilidade, a Grow retirou seus patinetes e bikes sem estação de 14 cidades em que atuava no início do ano, permanecendo apenas em São Paulo, Rio de Janeiro e Curitiba. Enquanto empresas de micromobilidade reveem sua operação, colocando em dúvida a viabilidade do negócio, a regulamentação que sua operação legou às cidades permanece.

As diretrizes para estacionamento são um dos pontos mais polêmicos, sobretudo por conta de serviços de patinetes e bikes sem estação, como a Grow e as empresas que a originaram, a mexicana Grin e a brasileira Yellow. A ferramenta do WRI Brasil mapeou sete regulamentações que permitem o estacionamento dos veículos nas calçadas (desde que não prejudiquem os pedestres). Seis delas responsabilizam as empresas por patinetes que estejam mal estacionados, sujeitando as empresas a multas caso não os reposicionem. Algumas cidades decidiram estabelecer também que as empresas implementem espaços específicos para estacionar, como Fortaleza e Recife.

Os “Requisitos dos usuários” englobam regras que os usuários devem seguir, sobretudo quanto aos espaços em que é permitido transitar com os veículos (ciclovias e ciclofaixas são permitidas por todos, enquanto há variações sobre calçadas e vias), quanto à idade mínima para utilização dos veículos (16 ou 18 anos) e sobre os limites de velocidade.

Diferentemente do que ocorre com os carros por aplicativos, a maioria das cidades não cria nenhum imposto específico sobre os serviços de micromobilidade, mantendo-os sujeitos somente ao Imposto Sobre Serviços (ISS) regular. Quatro das dez cidades decidiram cobrar impostos ou outras taxas de diferentes naturezas.

Uma corrida em andamento

As regulamentações (sobretudo as de micromobilidade) ainda estão em construção e avaliação, e mesmo com a maior empresa abandonando o mercado da maioria das cidades, novos players devem surgir – a mobilidade urbana é uma questão urgente em um planeta em acelerada urbanização.

A própria saída de cena da Grow trouxe à tona novas considerações, como, por exemplo, sobre o descarte dos patinetes elétricos e de suas baterias. A ferramenta do WRI Brasil será atualizada à medida que novas regras passem a vigorar, buscando sempre refletir a situação atual da nova mobilidade no Brasil.