Não faltam oportunidades para restaurar áreas degradadas e florestas na escala da paisagem no Brasil e no mundo. Para que essa restauração em campo seja efetiva e permanente, é essencial sistematizar informações nas paisagens onde a restauração está ocorrendo, identificando quem são os atores-chave e quais as condições ambientais, econômicas e sociais de cada região. Um bom conjunto de ferramentas para ajudar esse processo está na Metodologia de Avaliação de Oportunidades de Restauração (ROAM), utilizada pelo WRI Brasil e parceiros ao longo dos últimos anos para apoiar o planejamento da restauração na escala da paisagem, levando em conta os interesses e expectativas das comunidades locais e produtores rurais.

Uma das ferramentas da ROAM ajuda no mapeamento de recursos financeiros (públicos e privados) que podem ser acessados pelos produtores e organizações para implementar ações de restauração. Para isso, é necessário definir as etapas e estratégias para viabilizar o financiamento: identificar as fontes de recursos, avaliar os mecanismos financeiros e as formas de alocação do recurso para os responsáveis pela implementação da restauração, desenvolver e fortalecer os canais por meio dos quais o recurso financeiro chega aos implementadores e possibilitar o acesso a mercados dos produtos e serviços gerados pela restauração, como produtos florestais madeireiros e não madeireiros ou mercados de carbono, por exemplo.

As principais categorias de financiamento da restauração incluem recursos não reembolsáveis (doações), incentivos financeiros e não financeiros, investimento privado e uso de recursos públicos. Acessar essas fontes de recursos é possível e já existem iniciativas financiando a restauração no campo na escala da paisagem. Confira abaixo três exemplos a partir da aplicação da ROAM em várias paisagens que identificaram aspectos relacionados à captação de recursos e possibilidades de como fazer a recuperação de paisagens sair do papel.

1. Caminhos para além das reparações legais em Mariana (MG)

A bacia hidrográfica do Rio Gualaxo do Norte é uma das paisagens atingidas pelo rompimento da barragem do Fundão na região de Mariana, Minas Gerais, em novembro de 2015. O mapeamento de oportunidades de restauração que resultou da aplicação da ROAM nessa bacia mostrou que a restauração de 77,2 mil hectares pode gerar um valor adicional de R$23,5 milhões por ano a ser distribuído entre os municípios da bacia e reduzir 281,2 mil toneladas de emissões de gases de efeito estufa na atmosfera.

A aplicação da ROAM foi liderada pela Fundação Renova, a qual foi criada com objetivo de compensar e reparar os danos socioeconômicos e socioambientais causados pelo rompimento da barragem. Mas como financiar esse potencial de restauração? Sendo a Renova a principal fonte de recursos para ações de restauração na região por causa do seu compromisso de restaurar 45 mil hectares de áreas degradadas como parte da sua estratégia de ajudar na retomada das atividades agropecuárias, seu protagonismo foi apontado como um dos elementos-chave na promoção e sucesso do processo de restauração na bacia.

O levantamento também contribuiu para a identificação, fomento e disseminação de outras fontes de financiamento que podem contribuir para o aumento da escala da restauração na região a longo prazo. Um exemplo são os recursos já existentes e provenientes dos Comitês de Bacia Hidrográfica (CBHs), como o CBH-Doce e o CBH-Piranga, que possuem programas convergentes com as oportunidades de restauração identificadas pela ROAM. Dessa forma é imperativo trabalhar com organizações que atuam na região para garantir a articulação e integração dos esforços e projetos para que os recursos sejam devidamente aplicados e otimizados em prol da restauração.

2. O papel dos recursos públicos na restauração: exemplo no Distrito Federal

Para construir políticas públicas de conservação e restauração no Cerrado do Distrito Federal e região no entorno, a Secretaria de Estado do Meio Ambiente (SEMA/DF) se juntou a 58 organizações locais, nacionais e internacionais e criou a Aliança Cerrado, um fórum permanente resultado da integração de esforços da sociedade civil, parceiros governamentais, empreendedores e representantes do meio acadêmico.

Um dos desdobramentos da Aliança foi o Plano Recupera Cerrado. Esse plano parte da aplicação da ROAM para definir as estratégias e intervenções de restauração, além de mostrar cenários de custo-benefício e fontes de financiamento para implementação no campo.

Os destaques foram as oportunidades de acessar recursos governamentais. É o caso do Fundo Único de Meio Ambiente do Distrito Federal (Funam-DF), que direciona recursos a atividades voltadas à conservação ambiental. Disponível para financiar a demanda de restauração, esse fundo pode ser crucial para impulsionar a implementação de ações para a recuperação do bioma e seus serviços ecossistêmicos.

3. Empresas de saneamento podem ter um papel no financiamento da restauração – e até proteger espécies ameaçadas como os muriquis

Na Mata Atlântica em Minas Gerais, o Corredor Ecológico Sossego-Caratinga (CESC) abriga remanescentes de florestas e interliga duas importantes Reservas Particulares do Patrimônio Natural (RPPN). Esse corredor é crucial para garantir a preservação e restauração de áreas para a conservação do emblemático muriqui-do-norte, um primata classificado como criticamente ameaçado de extinção.

Com o apoio do Projeto de Proteção da Mata Atlântica (Promata), o Instituto Estadual de Florestas (IEF) de Minas aplicou a ROAM e gerou diretrizes para o planejamento da restauração na unidade de conservação e identificou fontes de recursos e investimento de empresas como a Companhia de Saneamento de Minas Gerais (Copasa). Para as empresas de saneamento, financiar a restauração é uma excelente estratégia para proteger as áreas de recarga dos aquíferos e mananciais responsáveis pela produção de água dos sistemas de abastecimento público. O Programa Socioambiental de Proteção e Recuperação de Mananciais (Pró Mananciais) auxilia nesse objetivo.

Encontrar as convergências entre o que foi identificado em termos de oportunidades de restauração e os objetivos de um programa corporativo foi fundamental para justificar a alocação de recursos para os implementadores da restauração.

<p>Imagem de um muriqui-do-norte em uma árvore</p>

O muriqui-do-norte em Caratinga, Minas Gerais. Espécie ameaçada de extinção pode se beneficiar da restauração (foto: Stephen Davis/Flickr//Wikipedia)

Priorização de ações e oportunidades de implementação na Década da Restauração

Em 2017, o Plano Nacional de Recuperação da Vegetação Nativa (Planaveg) – principal instrumento de implementação da Política Nacional para Recuperação da Vegetação Nativa (Proveg) – já previa a necessidade de desenvolvimento e aprimoramento de mecanismos financeiros para a restauração. Um diagnóstico do Planaveg mostrou que há incentivos econômicos para a recuperação da vegetação nativa, porém ainda insuficientes em quantidade e no longo prazo. Além disso, existem muitos obstáculos para acessar os recursos e incentivos, como a falta de conhecimento sobre a existência das diversas fontes de recursos, a burocracia e complexidade das exigências para submissão de projetos e a dificuldade em demonstrar a rentabilidade e benefícios da recuperação da vegetação nativa.

Diversas instituições e atores estão buscando formas de acelerar processos para elaboração de pacotes de soluções que eliminem os obstáculos para o ganho de escala da restauração e mobilização de financiamento e investimento. A Década de Restauração de Ecossistemas da ONU prevê em sua estratégia ações para desbloquear e mobilizar o financiamento nos setores público e privado em prol do aumento da escala da restauração. Destravar o financiamento, fortalecer espaços de diálogo e compreender a visão de diferentes públicos e atores envolvidos na restauração são aspectos cruciais para acelerar e dar escala à restauração de paisagens e florestas no Brasil e mundo.

Esse é o primeiro de uma série de três textos do WRI Brasil sobre financiamento, mecanismos e fontes de recursos para a acelerar e aumentar a escala restauração de áreas e florestas degradadas. A série faz parte do projeto Pró-Restaura.