Primeira mulher a assumir a prefeitura de Rio Branco, capital do Acre, Socorro Neri tem raízes na floresta e trilhou pela educação o caminho para se tornar uma liderança na região. Com formação em Pedagogia, foi vice-reitora e pró-reitora de graduação da Universidade Federal do Acre e assumiu a gestão do município em abril de 2018. A prefeita esteve presente no evento Transformações Urbanas, realizado pelo WRI Brasil em São Paulo, e concedeu esta entrevista na qual fala sobre a relação do município com a floresta e os desafios na gestão da cidade onde reside cerca de metade da população do Acre.

Este é um momento em que a região amazônica está em evidência. Qual a relação do povo de Rio Branco com a floresta?

Nós temos nas cidades acreanas uma população que é basicamente oriunda da floresta, dos seringais. A relação, portanto, é muito imbricada na cultura, na alimentação, nos costumes. Mas ainda não conseguimos criar na população e ela também não desenvolveu uma consciência ambiental, por incrível que pareça. Isso decorre, no meu ponto de vista, de que na vida dos seringais a cultura praticada é a do extrativismo, não da preservação, da inovação, da recomposição, mas de tirar da floresta para consumir.

Você considera que na transição de uma vida rural para urbana é que houve dificuldade de gerar essa consciência?

Há essa dificuldade, sim, é uma transição que ainda não se completou. Tem uma visão muito forte e uma presença dos valores da floresta em grande parte da população, mas não se desenvolveu ainda uma consciência ambiental.

E dentro da cidade de Rio Branco, qual a presença da floresta?

A capital do Acre tem hoje praticamente 50% da população do estado, é uma cidade muito complexa porque não foi planejada, foi crescendo à medida que o êxodo rural e a migração de cidades do interior para a capital se intensificaram, e a cidade cresceu de forma desordenada. É uma cidade, portanto, pouco arborizada no que se refere às vias públicas, embora haja uma massa vegetal grande na área urbana, nos quintais, nos parques, nas áreas de preservação. Então há uma massa significativa, mas as vias são pouco arborizadas, também em razão da largura das calçadas. Há pouco estava ouvindo no painel sobre cidades e florestas o secretário de Sustentabilidade, Inovação e Resiliência de Salvador, André Fraga, tratar de uma realidade de lá que é muito parecida com a nossa. Temos ruas que não foram planejadas, portanto hoje temos que decidir entre colocar uma árvore em uma calçada de um metro e meio de largura ou de fato organizar essa calçada para todos os usuários. Além disso, pelo fato de a fiação elétrica ser aérea, dificulta termos árvores de um porte maior na cidade. Há críticas de vários setores, de que esse é um desafio posto na cidade de Rio Branco.

Nas últimas semanas a Amazônia esteve em evidência em função de incêndios. Muitos também na cidade de Rio Branco ou próximos. Que impactos isso gerou na cidade?

Nós temos de forma repetida, todos os anos, nesse período que se chama de inverno amazônico, que vai de abril até outubro, principalmente de julho a setembro, esse período de queimadas. Isso se repete desde que eu me entendo por gente, todos os anos. Nós temos um impacto muito, muito forte, um acréscimo significativo no número de pacientes que procuram as unidades de saúde por problemas respiratórios, algo como 30 mil nesse último mês (Rio Branco tem cerca de 400 mil habitantes). Certamente em decorrência da fumaça, da seca também, da baixa umidade do ar nesse período. Temos também outro impacto que é o cancelamento de voos, pois o aeroporto fica bem próximo da cidade, em uma área que tem muitas queimadas no entorno. É evidente que o impacto maior mesmo é imensurável. Não é possível que no século 21 a gente não consiga unir o conhecimento, a tecnologia, com essa atividade importante de produção. É um momento de renovar os pastos, mas é possível fazer isso sem desmatar e sem usar uma técnica tão antiga quanto o fogo.


Evento Transformações Urbanas foi realizado pelo WRI Brasil em São Paulo: SP - Transformações Urbanas


Rio Branco é conhecida por ter uma alta proporção de ciclovias por habitante. Qual a situação dessas infraestruturas hoje?

Rio Branco tem um índice bem significativo de ciclovias e ciclofaixas. O que temos hoje, como resultado desse processo que se deu em gestões anteriores, também por parte do governo do estado, que deu incentivos e inclusive executou obras próprias de ciclovias, é que toda a malha viária da cidade está precisando de recuperação e as ciclovias também. Nós temos colocado como prioridade que quando recuperamos as vias públicas, também vamos recuperar as ciclovias na mesma obra. É uma vocação da cidade. Esse é um modal muito utilizado lá. Ainda não temos a bicicleta compartilhada, mas há o hábito entre as pessoas, tanto é que essa infraestrutura foi feita para atender a demanda que já existia e não para incentivar esse modo de transporte.

Você estava assistindo o painel de Ruas Completas. Foi inspirador para você?

O dia inteiro está sendo muito inspirador. As transformações urbanas aqui discutidas, que colocam os desafios para as gestões locais, são semelhantes aos desafios que também temos lá em Rio Branco. O Ruas Completas me chamou muito a atenção, é um conceito relativamente novo para mim e a prefeitura de Rio Branco tem trabalhado nesse sentido, embora não conheça o conceito. Temos buscado criar condições, nas ruas que estamos fazendo a recuperação, de garantir o uso compartilhado de vários modais de transporte, garantindo acessibilidade para cadeirantes e idosos. Temos feito isso apesar da crise econômica que todos estamos enfrentando no país.