A crise de saúde provocada pela pandemia de Covid-19 é grave. A hora é de cuidar das pessoas, especialmente dos mais vulneráveis, e apoiar e expressar simpatia pelos que perderam entes queridos. Contudo, não podemos deixar de começar a nos planejar para o Brasil durante e após a pandemia. Afinal, as projeções econômicas indicam que estamos lidando com um impacto semelhante ao de uma guerra.

A diretora-geral do Fundo Monetário Internacional (FMI), Kristalina Georgieva, apresentou um cenário preocupante para a economia global: uma retração de 3% em 2020, dez vezes mais acentuada que a crise de 2008-2009, e provavelmente uma depressão somente comparável com a crise de 1929, com uma perda cumulativa de produto de US$ 9 trilhões até o final deste ano.

No Brasil, as projeções também são preocupantes. Estimativas do Banco Mundial e do FMI sugerem uma queda de 5% do PIB, com desemprego chegando a 15% ainda em 2020. A Organização Mundial do Comercio, liderada pelo brasileiro Roberto Azevedo, prevê uma retração de até 32% do comércio internacional ainda este ano – a retração foi de 12% em 2009. Os dados de fluxos de capital já começam a demonstrar uma fuga de capital de economias emergentes e em desenvolvimento, com saídas líquidas de US$ 100 bilhões entre março e abril. Frente a um quadro como este, o esforço de reconstrução deve ser imediato. O que fazer para garantir que sairemos melhores desta crise?

A grande maioria das autoridades nacionais lançaram programas emergenciais com grandes quantidades de recursos – dentre os quais chamam a atenção os programas de alguns países do G20, que somados representam, em média, 7% do PIB dos países do grupo. Inicialmente as respostas foram no sentido de evitar um derretimento dos mercados de ativos mobiliários e de crédito, além de medidas emergenciais de apoio aos trabalhadores e empresas direta ou indiretamente atingidas. Mas há um consenso que, uma vez que essas medidas emergenciais superem a crise de saúde, as propostas para a economia não podem, em escopo e intensidade, ser menores do que os grandes planos de recuperação econômica que seguiram situações de guerra – como o Plano Marshall ao fim da Segunda Guerra Mundial.

O Brasil não é, e nem deve ser, exceção neste quadro complexo. Nas últimas semanas, os governos federal, estaduais e municipais lançaram políticas voltadas para atender a crise de saúde e a crise social gerada pela crise. Um orçamento de guerra foi pautado no Congresso, o que permitiu criar recursos suplementares para transferências aos trabalhadores e famílias diretamente afetadas pela paralisação. O Banco Central e os bancos públicos ampliaram seu apoio a empresas e instituições financeiras ameaçadas. O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), especialmente, promoveu uma nova linha de apoio para o setor de saúde, sendo que grande parte associada à transferência do PIS/PASEP para trabalhadores, apoio de capital de giro para pequenas e médias empresas e extensão dos prazos de pagamento de dívida. Esses passos iniciais precisam ser seguidos de planejamento e ação por uma economia sustentável para o planeta e a humanidade no longo prazo.

É preciso retomar o investimento, o crescimento e o emprego, e reconstruir a economia em bases sustentáveis. Tais objetivos exigirão medidas ousadas pelo menos por duas razões: a primeira porque o Brasil já enfrentava um quadro de baixo crescimento, alto desemprego e retrocessos em indicadores sociais antes da crise da Covid-19, e a segunda porque o quadro internacional atual sugere uma maior dificuldade para atrair investimentos estrangeiros. Essa situação indica a necessidade de pensar imediatamente em mecanismos domésticos para aumentar o investimento, emprego e produção. A forma de compatibilizar a estratégia de recuperação pós-pandemia com a estratégia brasileira de longo prazo – ancorada nos esforços de ampliar competitividade, inserção internacional e atração de investimentos estrangeiros – demanda ampliação rápida e responsável dos investimentos em infraestrutura.

Infraestrutura de qualidade: pilar da reconstrução

Há muitos anos o Brasil convive com uma crise de investimentos públicos e privados em infraestrutura social e econômica. E desde a década de 1980 estes investimentos encolheram de mais de 5% para pouco menos de 2% do PIB, o que é insuficiente até mesmo para cobrir a depreciação. Este baixo investimento, por sua vez, se traduz em uma baixa produtividade e competitividade, mas também na baixa qualidade e cobertura de serviços públicos fundamentais – como transporte coletivo, saneamento, conectividade e estruturas de educação e saúde. Sem medidas extraordinárias, a crise atual somente tende a agravar essa tendência.

O desafio é investir mais e melhor em infraestruturas sustentáveis ou “de qualidade” – ou seja, que maximizam a eficiência e o impacto econômico e social, fortalecem a governança de infraestrutura, e criam resiliência contra desastres naturais e outros riscos. Investir em infraestrutura é crucial para a recuperação por seu efeito multiplicador. Estimativas mostram que a cada 1% gasto em infraestrutura há um retorno de até 3% em PIB em 10 anos, e até 8% em 30 anos. Se essa infraestrutura considerar critérios ambientais, climáticos e sociais, ela ainda potencializa a eficácia dos resultados. São investimentos que representam utilização inteligente de escassos recursos públicos, que preservam o capital natural do país, e que têm maior chance de mobilizar recursos privados, nacionais e internacionais.

Para isso, é preciso primeiramente “adensar” a capacidade governamental no planejamento, construção e supervisão de projetos de infraestrutura. Isso exige investir fortemente em capacitação – especialmente nos estados e municípios –, utilizar as instituições publicas e privadas, e obter apoio (e financiamento) nacional e multilateral para promover melhoria da qualidade dos projetos de estados e municípios. O ideal seria também reproduzir em nível nacional os projetos que já foram planejados e implementados com êxito.

Nesse quesito o Brasil não precisa inventar a roda: tem capacidade técnica acumulada em instituições públicas e privadas, em seus bancos públicos e em um setor privado sofisticado. E possui relações bastantes consolidadas com instituições multilaterais e regionais de desenvolvimento que poderiam auxiliar com “fundos de originação de projetos” e com apoio técnico. A questão aqui é, portanto, transformar essas capacidades dispersas em mecanismos articulados de promoção de um plano nacional de investimentos em infraestrutura de qualidade.

Em segundo lugar, tentar maximizar a oferta de financiamento de longo prazo, utilizando os limitados recursos públicos para mobilizar recursos privados. É importante notar que o Brasil vem desperdiçando há anos oportunidades de mobilizar recursos em infraestruturas sustentáveis. Em 2019, a emissão global de títulos verdes foi estimada em US$ 257,5 bilhões, um recorde em relação aos anos anteriores. E a estimativa é de US$ 350 bilhões em 2020, a maioria concentrada na Europa, América do Norte e Ásia-Pacífico, especialmente na China. Grande parte da rápida expansão desses mercados ocorreu devido à responsabilidade corporativa ou mandatos impostos pelos acionistas aos principais bancos, fundos e investidores institucionais. Na China, no entanto, o governo tem feito esforços para "esverdear" seus mercados financeiros domésticos: desde 2016, o mercado local de títulos verdes da China se expandiu rapidamente. Com emissão total de US$ 60,9 bilhões em outubro de 2018, a China é hoje o segundo maior mercado de títulos verdes do mundo, depois da União Europeia. Comprovadamente, o Brasil tem tido tendências internacionais positivas nesse campo, mas só atingiu uma fração de seu potencial.

Um aumento do portfólio de investimentos sustentáveis oferecerá mais chances de mobilizar recursos ativamente. Esse esforço exige expandir a quantidade de projetos tecnicamente confiáveis e usá-los para ampliar o acesso a créditos multilaterais e privados de longo prazo. Esses esforços devem ser ainda mais intensos em novos empreendimentos com vencimentos de longo prazo e retornos incertos, onde a atração de private equity requer a capacidade de desenvolver e financiar projetos adequadamente.

Estação de tratamento de água no Rio de Janeiro. Obras de saneamento básico e infraestrutura natural podem gerar empregos e trazer benefícios para a sociedade. Foto: Marizilda Cruppe/ WRI Brasil.

Uma economia inteligente preserva os recursos naturais

Preservar os biomas brasileiros e outros ricos serviços ambientais não é apenas um imperativo para as futuras gerações do planeta, mas também para uma economia inteligente no momento atual, pois respeita a base da economia que é nosso capital natural. Utilizar esse ativo nacional de forma sábia requer visão e planejamento claros, marco regulatório adequado, além de um processo de identificação e estruturação de projetos que considere a demanda por serviços públicos locais e a necessidade de uma governança bem estabelecida. Nesse ínterim, considerar os detalhes e desafios da implantação de infraestrutura na Amazônia é obrigatório em uma agenda de promoção de investimentos em infraestrutura.

O Brasil precisa de uma melhor infraestrutura, adequada às necessidades dessa economia continental, com grandes dotações naturais e um potencial de crescimento significativo. Os investimentos em infraestrutura sustentável ou de qualidade estão bem posicionados para gerar negócios, emprego e demanda necessários para enfrentar as consequências econômicas da atual crise de Covid-19. O que o país precisa urgentemente é redirecionar a atenção para novos procedimentos, rever projetos existentes e alinhar instituições públicas, privadas, e multilaterais para que cumpram papéis complementares na melhoria de desenvolvimento e financiamento de projetos. Este é um caminho seguro para reconstruir a partir da crise, e construir um futuro melhor, produtivo, competitivo, resiliente e inclusivo.