O déficit de infraestrutura no Brasil faz com que a oferta de serviços básicos como transporte, água potável, saneamento e manejo de resíduos sólidos ainda seja um desafio para muitas cidades. Segundo estimativas, em 2018 o estoque de infraestrutura era de 36% do PIB, enquanto o volume necessário para a universalização dos serviços básicos seria em torno de 60%. No contexto urbano, as consequências são traduzidas em congestionamentos, enchentes, poluição do ar, entre diversos outros problemas.

O país passou por uma rápida urbanização que não foi acompanhada pela qualificação da infraestrutura. O cenário atual de atividade econômica reduzida, em conjunto com a crise fiscal dos municípios, limita a disponibilidade de orçamento público para grandes obras. Em paralelo, bancos nacionais de desenvolvimento também reduziram sua participação nos financiamentos de infraestrutura. Surge a pergunta: como manter as cidades se desenvolvendo?

Uma alternativa ainda pouco explorada no Brasil são as instituições financeiras de desenvolvimento internacionais, como bancos multilaterais e bilaterais e agências de fomento, por exemplo. Além de prover mecanismos de financiamento efetivos e que muitas vezes promovem critérios de sustentabilidade para projetos urbanos, essas instituições também podem auxiliar no desbloqueio dos recursos do setor privado para viabilizar tais projetos. Apesar do capital disponível, a participação dessas instituições financeiras internacionais nos investimentos urbanos ainda é pouco representativa no Brasil: cerca de 2,5% em 2014, segundo cálculo da Confederação Nacional da Indústria (CNI).

Para entender o que ainda distancia as cidades dessas oportunidades de financiamento, o WRI Brasil lidera a Rede para Financiamento de Infraestrutura Sustentável em Cidades (Rede FISC), grupo de discussão criado em 2017 para avaliar alternativas de como melhorar o fluxo de financiamento de infraestrutura sustentável no país e como vencer os principais entraves para esse tipo de solução de financiamento para cidades. Na série de reuniões realizadas, participaram lideranças de instituições tanto internacionais, como Banco Mundial, Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), Cooperação Andina de Fomento (CAF) e Banco Europeu de Investimento, como nacionais, como o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e o Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul (BRDE), entre outras.

Financiadores precisam de segurança e qualidade

Para acessar as oportunidades de financiamento de qualquer instituição financeira de desenvolvimento tanto nacional quanto internacional, são exigidos projetos atrativos, bem estruturados e de considerável impacto para as cidades. A diferença é que os financiadores internacionais têm critérios mais restritos e processos adicionais. As dificuldades dos governos com a elaboração de projetos de infraestrutura e estudos técnicos não é um problema novo. Isso faz os próprios financiadores investirem no apoio à qualificação das propostas.

Nesse contexto, entre as conclusões dos encontros da Rede FISC, fica clara a necessidade de que a cidade tenha um planejamento estratégico de longo prazo, que forneça uma visão de desenvolvimento e seja mantido a despeito dos ciclos políticos. Essas diretrizes permitem que a cidade saiba listar os investimentos prioritários em infraestrutura e foque na preparação dos projetos, aumentando a probabilidade de eles saírem do papel, em comparação com propostas emergenciais.

Além de projetos qualificados, a capacidade fiscal dos municípios também é extremamente relevante, pois dá aos agentes financiadores maior segurança que o endividamento contraído pelo município será pago. Empréstimos internacionais demandam que a União forneça garantias, por isso a avaliação da situação fiscal da cidade é mais exigente. Os municípios precisam de classificação A ou B nos critérios de capacidade de pagamento do Tesouro Nacional.

O diagnóstico dos financiadores também inclui a necessidade de qualificar equipes técnicas dos municípios e manter esses quadros para que o conhecimento se consolide nas prefeituras. Muitas desconhecem o amplo leque de instituições financeiras internacionais disponíveis, bem como suas linhas de atuação. Os financiadores percebem muitas dúvidas sobre como acessar as instituições e quais os processos necessários.

Luana Betti, especialista em Economia Urbana do WRI Brasil, que participou dos encontros, explica que essa aparente complexidade e necessidade de articulação faz com que os recursos internacionais sejam na grande maioria acessados por cidades já capacitadas: “Isso cria um ciclo em que as cidades mais desenvolvidas continuam investindo em projetos estruturantes a partir desse tipo de financiamento, enquanto as cidades com maior necessidade de infraestrutura sustentável, as quais tendem a ser as menos estruturadas em termos técnicos, não conseguem. Difundir conhecimento e capacitar mais municípios no planejamento de longo prazo e na criação de bons projetos parece ser o melhor caminho para reduzir o déficit de infraestrutura sustentável e, consequentemente, melhorar a qualidade de vida das pessoas”.

Ação conjunta pela sustentabilidade

Os investimentos em infraestrutura sustentável implementados hoje determinarão o desempenho socioeconômico e a qualidade de vida da população por muito tempo. No cenário atual, financiadores internacionais se apresentam como uma oportunidade para as cidades tirarem os projetos do papel. Contudo, ainda é preciso superar entraves entre os bancos e os municípios para que estes consigam se desenvolver e atender às necessidades básicas da população. Para impulsionar investimentos sustentáveis nas cidades, a Rede FISC continuará promovendo encontros para entender onde se concentram esses desafios e tem o objetivo de construir um plano de ação para superá-los.