O ano de 2020 impactou profundamente o setor de transportes global. Com o mundo enfrentando uma pandemia, milhões de pessoas começaram a trabalhar de casa e outros milhões perderam seus empregos. Redes logísticas foram interrompidas e depois remodeladas. Tudo isso enquanto o planeta viveu o segundo ano mais quente da história da humanidade, atrás apenas de 2016.

No primeiro dia do Transforming Transportation 2021, a conferência anual organizada pelo WRI e pelo Banco Mundial, líderes dos setores público e privado, da academia e da sociedade civil enfatizaram que o transporte é a chave para a recuperação do Covid-19 e para enfrentar a crise climática. Com mais de 4 mil inscritos de cidades tão diversas como Acra, Beirute e Quirama, o evento totalmente virtual é uma reunião única de líderes globais em um momento crítico.

“Precisamos de mudanças no sistema, não no clima”, disse Andrew Steer, presidente e CEO do WRI. “Não há balas de prata”, mas a centralidade do transporte para tantos objetivos de desenvolvimento evidencia um potencial tremendo. “Para governos que desejam recuperar a economia e criar empregos rapidamente, não há opção melhor do que empregar um transporte novo, sustentável, incluindo bicicleta e caminhada.”

O transporte, como setor, tem muito a avançar. As emissões de carbono do transporte estão aumentando ano após ano. As mortes no trânsito também estão crescendo. Em muitos lugares, locomover-se é muito caro, inseguro ou demorado.

“O setor de transporte é fundamental para alcançar o desenvolvimento sustentável – as lacunas, no entanto, são enormes”, disse o presidente do Banco Mundial, David Malpass. “Elas incluem sustentabilidade e acessibilidade. Estimamos que sejam necessários US$ 420 bilhões por ano para estradas, portos, aeroportos e ferrovias. Oitocentos e quarenta milhões de pessoas em países de baixa renda ainda vivem a mais de 2 quilômetros de uma estrada utilizável.”

“Agora temos uma janela de oportunidade que precisamos aproveitar”, disse Makhtar Diop, vice-presidente de infraestrutura do Banco Mundial. “Estamos vendo os custos da energia renovável cairem drasticamente, estamos vendo uma adoção muito rápida de novas tecnologias no transporte... Temos uma convergência de adoção de tecnologia, que está acelerada, com um contrato social que nos diz para fazermos diferente.”

Criando impulso para COP26

Parte do que a Covid-19 deixou claro são a necessidade de maior resiliência coletiva a crises em todos os setores e a oportunidade para mudanças rápidas. “Houve uma união de esforços abrangente”, disse Yvonne Aki-Sawyerr, prefeita de Freetown, capital de Serra Leoa. “As coisas têm que andar mais rápido, mais longe... As decisões não podem ser deixadas para quando um governo [nacional] decidir fazer algo.”

Stientje Van Veldhoven, ministro do Meio Ambiente e Habitação da Holanda, disse que a crise climática “não é iminente, está aqui”. “Somos a primeira geração que realmente sabe como isso é ruim, e a última geração que pode fazer uma mudança”, disse Stientje.

“Acho que o transporte público e a mobilidade ativa vão desempenhar um papel crucial, tanto no mundo em desenvolvimento quanto no mundo desenvolvido”, disse Van Veldhoven. “É bom para o clima, mas também tem impacto direto na saúde, especialmente em nossas cidades.”

Para tornar o transporte parte da solução, Andrew Steer destacou a necessidade de cinco mudanças principais: 1) fortalecer e reimaginar o transporte público; 2) aumentar ainda mais o investimento no transporte ativo; 3) transferir pessoas e bens para o transporte ferroviário; 4) eletrificar o que falta eletrificar; e 5) investir em pesquisa e desenvolvimento para setores com menos alternativas, como aviação, transporte marítimo e frete pesado.



Uma razão para se preocupar com a mobilidade ativa e veículos pequenos, como bicicletas e patinetes, disse Lina Fedirko, associada sênior da ClimateWorks Foundation, é que pode ser uma “alavanca para a mobilidade com emissão zero nas cidades – uma maneira de redefinir o acesso e expandir o sistema de trânsito. É mais eficiente e menos poluente do que os carros a gasolina e permite o conceito da ‘cidade de 15 minutos’”. Vários líderes e especialistas abordaram esta conexão entre planejamento urbano, transporte e mudanças climáticas. Cidades mais compactas são mais fáceis de caminhar, mais eficientes e mais verdes.

“Acho que é realmente impressionante a diferença entre as conversas de hoje e as conversas de dois ou três anos atrás sobre a ligação entre crescimento econômico e clima”, disse Stephanie Edwards, chefe de estratégia e projetos de mudança climática internacional do Departamento de Negócios, Energia e Estratégia Industrial. Um relatório da Coalition for Urban Transitions (CUT), por exemplo, descobriu que cidades mais compactas, conectadas e limpas renderiam mais de US$ 24 trilhões em benefícios até 2050.

Mas enquanto os governos procuram se recuperar do impacto econômico da pandemia, os investimentos sustentáveis serão uma prioridade? Os primeiros resultados foram mistos, com alguns países investindo pesado em estímulos verdes, mas muitos outros despejando dinheiro em indústrias cinzas.

Uma prioridade para o governo do Reino Unido na presidência da COP26, a ser realizada em Glasgow em novembro, é “a ideia de que faremos a transição de emissão zero mais rápida, fácil e barata, se trabalharmos juntos”, disse Edwards.

Aki-Sawyerr pediu mais ajuda para países em desenvolvimento. “Não podemos ir à COP e prometer todos esses compromissos para apenas os países com meios e recursos avançarem”, disse ela. “Precisamos garantir que nenhum país seja deixado para trás.”

“Tal como acontece com a Covid-19, se o investimento não estiver sendo feito em todos os lugares, o problema ainda afetará a todos”, completou Aki-Sawyerr.

Desbloqueando o desenvolvimento humano

Embora o argumento do clima para melhorar o transporte seja claro, ele não é maior do que os impactos do setor no desenvolvimento e na subsistência. “Talvez mais do que qualquer outra coisa, o acesso das pessoas ao transporte realmente determina quais são os resultados de suas vidas”, disse Harriet Tregoning, diretora da NUMO, a aliança New Urban Mobility.

Termo "sinistro" substitui "acidente"

A Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) publicou no final de janeiro a norma NBR 10697, que determina que se passe a adotar a denominação de sinistro de trânsito para situações como colisões e atropelamentos, comumente chamadas de acidentes. É uma reivindicação antiga de especialistas em segurança viária, dado que esses eventos, via de regra, não são acidentes, mas fatos evitáveis, decorrentes de negligências ou erros técnicos no planejamento, na implementação e na manutenção das infraestruturas viárias, bem como de falhas das pessoas que as utilizam.

No acesso a empregos, saúde e educação, “o transporte é um grande facilitador e equalizador”, disse Mamta Murthi, vice-presidente de desenvolvimento humano do Banco Mundial. É o acesso às oportunidades, mas também o acesso seguro que realmente torna o transporte fundamental para muitos avanços.

“Os sinistros de trânsito têm um efeito direto no capital humano”, disse Murthi. Mais de 1,35 milhão de pessoas morrem anualmente em sinistros de trânsito. Mortes e lesões no trânsito afetam desproporcionalmente os jovens adultos em seus primeiros anos de trabalho e estão entre as principais causas de incapacidades de longo prazo, disse ela.



“Não podemos perder 5% ou mais de nossa produtividade econômica para um problema que tem solução e é evitável”, disse Iman Abubaker, gerente de projeto de Mobilidade Urbana do WRI África. “Por ser o continente mais jovem [em termos demográficos], há um enorme potencial de transformação com nossa juventude. Definitivamente, não podemos perder nossos grupos populacionais mais ativos e produtivos, nossos jovens de 15 a 29 anos, em colisões no trânsito”.

Enquanto isso, a poluição do ar pelo transporte é outro grande problema de saúde que afeta vários avanços – e não apenas nos países em desenvolvimento. “Só na Holanda, uma em cada cinco crianças que sofre de asma tem [esta condição] por causa da poluição do ar”, disse Van Veldhoven.

Na Califórnia, as soluções de transporte sustentável são essenciais para reduzir muitos problemas de saúde, desde a poluição do ar e estilos de vida sedentários até as grandes desigualdades entre os grupos, disse Ellen Greenberg, vice-diretora do Departamento de Transporte da Califórnia.

“Transporte e saúde precisam trabalhar juntos para que alcancemos avanços em desenvolvimento humano”, disse Murthi. “Isso sempre foi importante, mas é ainda mais importante quando pensamos em uma recuperação pós-pandemia e em reconstruir melhor.”

"Nós somos capazes"

“[A pandemia] mostra que, se reduzirmos a quantidade de viagens, se planejarmos melhor nossas cidades... Se tornarmos nosso transporte público mais seguro e acessível... Todas essas coisas vão ajudar", disse Etienne Krug, diretor do Departamento de Gestão de Doenças Não Transmissíveis, Incapacidade, Violência e Prevenção de Lesões na Organização Mundial da Saúde. "Nós somos capazes."

Porém, transformar o transporte não pode significar simplesmente substituir todos os carros por veículos elétricos e autônomos. “Tivemos 50 milhões de mortes no trânsito desde a invenção do carro”, disse Krug. “Se vamos esperar que toda a frota de veículos seja substituída por carros elétricos e autônomos, vamos esperar mais algumas décadas e teremos mais 30, 40, 50 milhões de mortos.”



Os próprios veículos elétricos não eliminam necessariamente toda a poluição do ar se a matriz elétrica ainda estiver suja. Nem reduzem velocidades perigosas ou mudam a forma como as cidades são projetadas.

Estudos em bairros com tráfego reduzido mostram que eles podem adicionar até duas horas a mais de atividade física por semana, criando uma "grande diferença" na saúde das pessoas, disse James Woodcock, principal pesquisador associado da Universidade de Cambridge.

“Você tem que lidar com as raízes do planejamento urbano e do uso do solo”, disse o prefeito Aki-Sawyerr.

De fato, segundo Ellen Greenberg, da Califórnia, o maior problema de planejamento urbano para o estado mais populoso dos Estados Unidos é a acessibilidade da moradia. O zoneamento local e outras dinâmicas políticas criaram um enorme déficit na oferta de habitação.

Vários líderes municipais e nacionais destacaram novas iniciativas urbanas em andamento. George Njao, diretor-geral da Autoridade Nacional de Transporte e Segurança do Quênia, disse que para construir um sistema de transporte mais sustentável e acessível em Nairóbi, eles estão se concentrando no estabelecimento de sistemas BRT e trens urbanos, incluindo cinco novas linhas.

Em Delhi, o Ministro dos Transportes Kailash Gahlot destacou a ambiciosa agenda de eletrificação na cidade. De agosto a janeiro, eles adicionaram quase 6 mil veículos elétricos às ruas. A meta para os próximos cinco anos é que 25% de todos os veículos novos vendidos na cidade sejam elétricos. Em 2019, em um esforço para melhorar a inclusão e a segurança, a cidade também tornou o transporte público gratuito para todas as mulheres. A análise está em andamento sobre os impactos da iniciativa, mas Gahlot disse que a cidade recebeu um feedback encorajador. Su Song, pesquisadora associada do WRI China, disse que está vendo a maioria das grandes cidades mudar da mobilidade privada para ônibus, bicicletas e caminhada. Em Pequim, bicicleta e caminhada juntos representam 42% do total de viagens; em Xangai, 40%. Pesquisas em Pequim e outras grandes cidades indicam que as pessoas estão pedalando distâncias maiores após a Covid-19 para o deslocamento diário. (As evidências dos Estados Unidos e de outros lugares, como Greenberg e outros observaram, são mais confusas quanto ao impacto da pandemia nos quilômetros percorridos pelos veículos e no uso do carro pessoal.)

A prefeita de Bogotá, Claudia López, disse que a capital colombiana acrescentou 85 quilômetros de novas ciclovias durante a pandemia e viu a participação da bicicleta nas viagens diárias aumentar de 6% para 12%.



Em todo o mundo, mais de 400 cidades lançaram ciclovias emergentes desde o início da pandemia. Somados às tendências de longo prazo para eletrificação e aos compromissos com neutralidade de carbono – incluindo mais de 10 mil cidades que assinaram o Pacto Global de Prefeitos –, esses são sinais promissores de mudança positiva.

“Como pensamos agora em reconstruir melhor, o transporte verde é absolutamente essencial”, disse Steer. “O transporte tem um papel central a desempenhar neste ano decisivo, entrando nesta década decisiva.”


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Este artigo foi publicado originalmente no TheCityFix.