A madeira de árvores brasileiras está entre as mais procuradas no mundo. Em um cenário de demanda crescente por madeira tropical, parece um contrassenso que não exista no Brasil um setor pujante e sustentável de plantio de espécies nativas. Parte da explicação está em lacunas no desenvolvimento técnico e científico do plantio dessas espécies. Supri-las pode posicionar o país entre os maiores produtores globais de madeira tropical de alto valor.

É para este futuro que aponta o novo Programa de Pesquisa & Desenvolvimento em Silvicultura de Espécies Nativas (PP&D-SEN), lançado em abril de 2021 pela Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura. Primeiro programa nacional de P&D de árvores nativas, o PP&D-SEN vai conectar instituições de pesquisa, universidades, empresas, governos, sociedade civil e financiadores, formando uma rede inicial de 20 sítios para o desenvolvimento de pesquisas de espécies da Amazônia e da Mata Atlântica.

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Com duração inicial prevista de 15 anos, o PP&D-SEN nasce com o objetivo ambicioso de promover o desenvolvimento tecnológico necessário ao estabelecimento da silvicultura de espécies nativas em escala comparável à dos principais setores agroindustriais brasileiros.

Uma oportunidade econômica

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A criação do PP&D-SEN é resultado de um trabalho iniciado em 2016 pela Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura. O WRI Brasil, por meio do projeto Verena, tem sido parceiro desde o início do processo. Essa construção rendeu outros frutos, como o working paper Prioridades e Lacunas de Pesquisa & Desenvolvimento em Silvicultura de Espécies Nativas no Brasil.

Lançada em 2019, a publicação serviu de base para a estruturação do PP&D-SEN e demonstrou a oportunidade de se investir em pesquisa e desenvolvimento (P&D) de espécies nativas da Mata Atlântica e da Amazônia, como jequitibá-rosa, jacarandá-da-bahia, andiroba, mogno, vinhático e pau-marfim – para citar apenas algumas das 30 espécies consideradas com alto valor econômico para a silvicultura de nativas.

A pesquisa sobre plantio econômico de árvores brasileiras acontece há décadas, porém nunca houve investimento significativo e esforço coordenado no desenvolvimento dessas espécies, diferentemente do que ocorreu com árvores exóticas como pinus e eucalipto. O resultado é que a produtividade do eucalipto aumentou significativamente nas últimas décadas, impulsionada pelo potencial para produção de papel e celulose, enquanto a de nativas permaneceu estável.

O working paper de 2019 mostrou que P&D poderia aumentar entre 35% e 56% o rendimento da maioria das espécies nativas consideradas no estudo, comparável com exóticas como eucalipto, pinus, teca e mogno africano. Um dos cenários de investimento do estudo estimou um retorno de US$ 2,39 para cada US$ 1 investido em uma plataforma de P&D de espécies nativas.

Programa interdisciplinar e estruturação em rede

O PP&D-SEN busca fomentar a produção de conhecimento sobre silvicultura de espécies nativas, estabelecendo estrutura e governança compatíveis com uma atividade interdisciplinar e que precisa ser acelerada. O “coração” do programa é sua Rede de Sítios de Estudo de Longa Duração (Rede Seld). Os 20 sítios distribuídos entre os biomas Amazônia e Mata Atlântica abrigarão pesquisas em três áreas prioritárias.

Em Produção Florestal, desenvolvem-se estudos de melhoramento genético, manejo florestal e tecnologia de produtos florestais. É onde se concentra o potencial de incremento produtivo e de qualidade da madeira, bem como o desenvolvimento de produtos madeireiros e não madeireiros.

Em Meio Ambiente e Paisagem, serão pesquisados serviços ecossistêmicos e biodiversidade. São estudos que podem demonstrar os benefícios dos plantios florestais, como a recuperação e conservação de recursos hídricos e a captura de carbono. Também contribuem para se estabelecer modelos mais sustentáveis de produção.

O potencial econômico da silvicultura das diversas espécies e as oportunidades e desafios em termos de legislação compõem a área Dimensões Humanas. Uma linha de pesquisa sobre políticas públicas vai explorar, por exemplo, a oportunidade de se impulsionar a silvicultura de nativas como parte da implementação do Código Florestal. A linha de socioeconomia vai demonstrar o potencial de geração de empregos e renda através das árvores nativas plantadas.

As relações entre essas áreas ajudam a demonstrar e promover o potencial da silvicultura de árvores nativas. Estimativas dos serviços ecossistêmicos prestados pelos plantios, por exemplo, podem subsidiar novas políticas públicas e incentivos. A estruturação em rede também contribui para o intercâmbio de conhecimento, catalisando o avanço do desenvolvimento de um campo tão complexo quanto promissor.

Além da pesquisa, o PP&D-SEN abrange a capacitação e a comunicação. A capacitação se baseia nas linhas de pesquisa do programa e deve incluir tanto cursos acadêmicos quanto de extensão. Uma pós-graduação lato sensu em silvicultura de nativas foi anunciada para 2022, uma parceria da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e da Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB). Assim, universidades participantes do programa a um só tempo capacitam profissionais para fortalecer a pesquisa sobre árvores nativas no país e entregam à sociedade o conhecimento gerado pelo programa.

O braço de comunicação busca mostrar que a produção de madeira nativa pode e deve ser desvinculada da extração ilegal e do desmatamento. Afinal, a produção sustentável – e legal – de madeira tropical tem entre seus efeitos a diminuição da pressão sobre as florestas naturais.

A hora de dar esse passo é agora

O Brasil responde hoje por apenas 10% da produção global de madeira, e a maior parte da madeira brasileira vem das florestas naturais. Ao mesmo tempo, o país abriga cerca de 50 milhões de hectares de pastagens com algum nível de degradação, a maior parte na Amazônia e na Mata Atlântica. É o equivalente a cerca de metade da área necessária para atender à crescente demanda global por madeira até 2050.

Há uma clara oportunidade econômica, social e ambiental. O desenvolvimento da silvicultura de espécies nativas pode contribuir para recuperação de áreas degradadas, adequação ambiental de produtores rurais, mitigação e adaptação às mudanças climáticas, geração de empregos verdes e renda, criação de uma economia florestal sustentável e atração de investimentos e financiamentos. Impulsionar a atividade também é crucial para que o Brasil atinja suas metas internacionais, como o compromisso do Acordo de Paris de restaurar e reflorestar 12 milhões de hectares de florestas até 2030.

Com excelência científica, clima e geografia propícios e políticas públicas e incentivos alinhados com o plantio de espécies nativas, o Brasil tem condições de ocupar lugar de destaque mundial com uma nova economia florestal enquanto cumpre seu papel, também, na agenda ambiental e climática global. O PP&D-SEN é parte dessa construção.