A restauração de paisagens e florestas pode ser o grande trunfo para unir preservação e desenvolvimento econômico no país. Uma série de estudos já mostram que o plantio de árvores para fins ecológicos ou econômicos melhora a qualidade do solo, da água, gera emprego no meio rural e tem viabilidade e retorno financeiro.

Para que essa restauração saia do papel e realmente possa beneficiar a população local, ela precisa atender a motivações das pessoas que residem e/ou atuam no território. Mas elas não são sempre evidentes, e por isso o WRI Brasil, junto com parceiros, propôs a utilização da ferramenta ROAM, uma metodologia para identificar os interesses e as oportunidades em se plantar florestas em uma determinada paisagem.

Acesse a publicação no site do IEF

Publicado pelo Instituto Estadual de Florestas de Minas Gerais (IEF), com a parceria do WRI Brasil no âmbito do projeto Pró-Restaura, o estudo inédito na porção mineira da bacia do rio Doce mostrou grandes benefícios da restauração para essa região. Segundo os resultados, há uma oportunidade de se restaurar uma área na bacia equivalente ao tamanho da Bélgica, incluindo modelos de restauração ecológica e econômica. Ao se considerar a finalidade econômica desses arranjos, as análises apontaram a possiblidade de gerar rendimentos adicionais de até R$ 1,5 bilhão, dobrando o crescimento do PIB agropecuário da região.

Por que restaurar a bacia do Doce mineiro

A bacia do rio Doce enfrentou um processo histórico de degradação de suas terras. Atividades produtivas sem a correta preocupação com a conservação do solo provocaram um cenário de perda de solo, erosão e na capacidade de infiltração de água, acarretando na sedimentação dos cursos d’água. Atualmente, 49% da área da Bacia do rio Doce é ocupada por pastagens, sendo que 41% delas, ou 1,5 milhão de hectares, apresentam algum nível de degradação.

Com o rompimento da barragem de Fundão, em Mariana, em 2015, o cenário de degradação tomou outras proporções, tornando a agenda da restauração ainda mais urgente. Neste contexto foi criada a Fundação Renova, com o compromisso de reparar os danos causados pelo rompimento, tendo a obrigação legal de restaurar 40 mil hectares entre Áreas de Preservação Permanente (APP) e de recarga hídrica ao longo da bacia.

O estudo publicado hoje mostra que a restauração na bacia pode ir muito além das obrigações legais. Ao avaliar as motivações locais, a ROAM identificou que há três motivações principais para se restaurar: para melhorar a qualidade da água, para gerar renda ao produtor e para promover engajamento social. Ao considerar essas motivações, o trabalho identificou uma oportunidade de restaurar 3 milhões de hectares, sendo metade para fins ecológicos e metade com modelos integrados para gerar renda ao produtor.

<p>imagem mostra participantes de oficina ao redor de uma mesa trabalhando no planejamento</p>

Oficinas contaram com a participação de representantes de instituições governamentais, terceiro setor, associações, sindicatos e outras instâncias representativas de atores locais (foto: Marcelo Matsumoto/WRI Brasil)

Árvores tornando a pecuária leiteira mais produtiva

O que seria uma restauração para fins econômicos? O estudo apresenta modelos econômicos para seis tipos de restauração com fins produtivos que podem gerar renda para o produtor rural. São modelos como a silvicultura de nativas para lenha ou madeiras nobres; os Sistemas Agroflorestais; e a integração de áreas de pastagens com árvores, em sistemas conhecidos como Manejo de Pastagem Ecológica (MPE).

A integração da pecuária com a floresta é uma opção fundamental para permitir que a restauração acelere na bacia do rio Doce. A principal atividade da bacia é a pecuária leiteira. O produtor de leite pode incrementar sua renda com a introdução de árvores em seu arranjo produtivo. O estudo fez uma modelagem econômica com base em duas espécies, a macaúba e o abacateiro – mas que pode ser expandido para outras espécies arbóreas –, e mostra que nos dois casos há melhora dos índices ambientais das pastagens, como qualidade do solo e água, e ao mesmo tempo produz renda para o produtor rural.

O estudo mostra ainda que, se todas as oportunidades de restauração forem aproveitadas na bacia, com a implementação de modelos econômicos como silvicultura de nativas, SAFs e integração lavoura-floresta, a restauração pode trazer uma receita adicional de produção entre R$ 848 milhões e R$ 1,5 bilhão. Isso significa que a restauração poderia duplicar o crescimento do PIB agropecuário do Doce mineiro.

Bacia do Doce conectada com o movimento pela restauração

As oportunidades identificadas na aplicação da ROAM podem ajudar tomadores de decisão em Minas Gerais a melhor priorizar recursos e projetos de restauração e reflorestamento da paisagem. Elas identificam as sinergias com as atividades de restauração que já estão em andamento e se conectam com um grande grupo de organizações, iniciativas locais, de empresas e governos que estão trabalhando em prol da restauração da região. O próprio IEF e a Fundação Renova se tornaram membros do Pacto pela Restauração da Mata Atlântica no último ano, ajudando a fortalecer a agenda da restauração no território.

Essas oportunidades podem colocar Minas Gerais na liderança de uma economia restaurativa e florestal no Brasil, e ajudam a conectar com o movimento de restauração em outras paisagens – a ROAM já foi aplicada em várias paisagens no território mineiro. No âmbito do projeto Pró-Restaura e Renovando Paisagem desenvolvido pelo WRI Brasil, um processo similar ocorreu na Bacia Hidrográfica do Rio Gualaxo do Norte em uma parceria com a Fundação Renova, onde as atividades e análises desenvolvidas são complementares e alinhadas ao esforço de induzir as condições necessárias ao ganho de escala e maximização de oportunidades para restauração em toda a Bacia do rio Doce. Além disso, outros dois territórios – Corredor Ecológico Sossego- Caratinga e Área de Proteção Ambiental do Alto Mucuri – construíram seus planos estratégicos baseando-se na ROAM.

O Brasil se comprometeu a restaurar 12 milhões de hectares de florestas até 2030. Minas e a bacia do Doce podem contribuir para essa meta e seguir caminhos endereçando lacunas e avançando com o pacote de regulamentações e normas ajudarão a cultivar o ambiente de negócios florestais mais seguro juridicamente para atores locais.