Quais as dificuldades que você encontra em um simples trajeto a pé da sua casa até, por exemplo, um ponto de ônibus, da estação do trem até o seu trabalho, ou no trecho que você se desloca de bicicleta? Esse tipo de fluxo, que compreende o percurso final ou inicial de um deslocamento complementar ao transporte coletivo ou particular, realizado para acessar os espaços urbanos que se encontram nos ambientes públicos das cidades, em geral realizados a pé, é chamado de microacessibilidade.

O conceito de acessibilidade frequentemente é associado às condições de deslocamento oferecidas às pessoas com algum tipo de mobilidade reduzida. No entanto, de maneira geral, está relacionado à facilidade de aproximação a um destino desejado. O termo microacessibilidade também passa por algumas variações de uso. Segundo o engenheiro, sociólogo e doutor em Ciência Política, Eduardo Alcântara de Vasconcellos, uma das formas de avaliar a microacessibilidade diz respeito ao tempo de acesso ao destino final desejado. “Quanto menor este tempo, melhor é a microacessibilidade, uma vez que a pessoa atinge mais rapidamente o destino desejado após deixar o veículo que a transporta ou, ao contrário, atinge mais rapidamente o veículo que a transportará para um novo destino, após deixar a origem na qual se encontrava”, escreve Vasconcellos no livro “Circular é preciso, viver não é preciso".

Cidades compactas e orientadas ao transporte sustentável devem ter em mente que a popularidade de modos sustentáveis de deslocamento como o transporte coletivo, a bicicleta e até a mobilidade a pé dependem das facilidades e da autonomia que os usuários terão ao optar por elas. A experiência que compreende todo o caminho diário entre origem e destino é decisiva para a escolha de um modo de transporte. Aprimorar a confiabilidade, segurança e qualidade dos meios de transporte é de extrema importância, mas o acesso até o serviço também deve ser prioridade.

De acordo com Vasconcellos, a microacessibilidade é um componente da macroacessibilidade. Macroacessibilidade está diretamente relacionada com a abrangência espacial do sistema viário e dos sistemas de transporte em função das possibilidades de acesso à cidade em si (associada ao planejamento urbano e dos transportes), enquanto a microacessibilidade refere-se à facilidade relativa de acesso direto às edificações e pontos desejados, estando mais associada ao planejamento da mobilidade e à questão do desenho urbano universal. Problemas de microacessibilidade são facilmente detectáveis e diversas pequenas medidas podem gerar grandes diferenças.

Microacessibilidade é determinante para segurança e bem-estar de pedestres

O Diagnóstico e Propostas para a Melhoria da Microacessibilidade, desenvolvido pelo WRI Brasil com o apoio da Caterpillar Foundation, foi realizado nas áreas do entorno das estações Berrini, Vila Olímpia e Santo Amaro, da Linha 9 – Esmeralda do trem da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM), em São Paulo. As áreas de grande fluxo de pessoas foram analisadas com foco na acessibilidade e na segurança dos pedestres e ciclistas.

Para o trabalho, foi definido um raio de 1000 metros desde a estação de origem, considerando deslocamentos a pé de até 15 minutos, levando em conta uma velocidade média aproximada de 4,5 km/h. Foram realizados mapeamentos do sistema de transporte existente, uso do solo, principais polos atratores e geradores de fluxo, contagens de pedestres e veículos, observações em campo, análise de dados da Pesquisa Origem e Destino (OD) de São Paulo de 2007 e dados da CPTM.

O estudo identificou o que foi chamado de “áreas de conflito”, que poderiam ser motivos, por exemplo, para a não utilização do metrô como meio de transporte. Um beco próximo à Estação Santo Amaro, uma travessia de pedestres insegura, uma calçada estreita sem iluminação, uma rotatória mal sinalizada, todos problemas recorrentes em qualquer cidade. A valorização do espaço público nas proximidades de locais de acesso ao transporte das cidades determina a qualidade da microacessibilidade.

Na pesquisa do WRI, com a parceria do Laboratório de Conforto Ambiental e Eficiência Energética do Departamento de Tecnologia da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (LABAUT/FAUUSP), também foi analisada a satisfação dos usuários conforme aspectos de conforto urbano do ambiente construído na área de entorno imediato das três estações.

Quando perguntado aos usuários como se sentiam em relação ao risco de atropelamento no entorno, a maior parte das respostas foi negativa nas três estações, assim como o risco de assalto nos locais – praticamente 50% das respostas representavam insatisfação. Já a avaliação sobre a percepção geral sobre a calçada e sobre o espaço para circulação receberam respostas mais variadas.

<p>Gráficos presentes no Diagnóstico e Propostas para a Melhoria da Microacessibilidade</p>

Gráficos presentes no Diagnóstico e Propostas para a Melhoria da Microacessibilidade

Conforme o diagnóstico, “o que se nota é que a largura da calçada é um fator determinante para que o pedestre construa sua experiência no passeio. Isso significa que calçadas estreitas demais causam grande insatisfação. A avaliação em relação à dimensão das calçadas está diretamente relacionada com a quantidade de pedestres circulando, podendo variar bastante ao longo do dia, diferente de outros fatores, como a qualidade do piso e o número de obstáculos”.

Na via identificada como de maior fluxo no entorno da Estação Vila Olímpica, a Rua Gomes de Carvalho, foi feita uma contagem do número de pedestres, automóveis, ciclistas, motocicletas e caminhonetes e caminhões. Os resultados mostraram uma proporção de 25 pedestres para cada veículo, demonstrando uma ampla predominância da mobilidade não-motorizada, ainda que ela não seja priorizada.

Além da importância da presença de rampas de acesso, elevadores, espaço para embarque e desembarque de passageiros, entre outros elementos no interior das estações, o lado de fora é tão relevante quanto. É na rua que ocorrerá a mudança de modo, onde o usuário irá seguir seu trajeto a pé, de bicicleta, ônibus etc.

<p>Princípios de desenho urbano que ajudam a melhorar o acesso e a segurança em corredores de transporte coletivo (Foto e arte: Mariana Gil/WRI Brasil)</p>

Princípios de desenho urbano que ajudam a melhorar o acesso e a segurança em corredores de transporte coletivo (Foto e arte: Mariana Gil/WRI Brasil)

Ao enxergar o espaço público como elemento de grande influência para o transporte, fica evidente a importância do desenho seguro nas cidades. A publicação O Desenho de Cidades Seguras, lançada neste mês pelo WRI Brasil Cidades Sustentáveis, fornece um compilado de orientações e exemplos de intervenções no desenho das vias. Um dos seis princípios tomados pelo guia diz respeito exatamente a segurança no acesso ao transporte coletivo. Corredores prioritários de ônibus e estações de BRT, por exemplo, precisam ser projetados de forma a garantir a preservação de quem os utiliza ou convive no entorno.

A integração multimodal é um dos recursos mais promissores para um futuro sustentável nas cidades grandes. Ao se investir em áreas de grande fluxo de pessoas, beneficia-se mais gente. É preciso solucionar os problemas nos pontos de grande pressão e conflitos, como as saídas de estações e trem, pontos de conexão/transbordo. Pensar na microacessibilidade é priorizar o pedestre, as conexões e a segurança viária.