São Miguel Paulista, na Zona Leste de São Paulo, é claramente um bairro que tem vida. Com um comércio intenso e muita gente circulando nas ruas e no transporte coletivo, está entre os mais populosos da capital paulista, com cerca de 370 mil habitantes. Mas o desenho urbano da região, ao invés de potencializar isso, prioriza os veículos e faz com que as pessoas caminhem por calçadas estreitas e perigosas. São Miguel é cheio de vida, mas tem uma das vias que mais matam em São Paulo – e essa é uma realidade que precisa mudar.

É fácil perceber que a comunidade do bairro sabe disso e começa a se engajar por uma transformação. O grafite de cerca de um quilômetro, recém, inaugurado, mostra que há a preocupação de valorizar a história do bairro e torná-lo mais humano. Nesta sexta-feira, São Miguel recebeu o evento Rua Para Todos, organizado pelo WRI Brasil Cidades Sustentáveis, que deu uma outra cara para a Rua Américo Gomes da Costa, localizada no epicentro do bairro. Sem circulação de veículos, o espaço foi todo aberto para sessões de bate-papo, oficinas de horta urbana e compostagem, apresentações musicais, artesanato, brincadeiras para crianças, grafite, break, skate, entre outras atividades com a cara dos moradores.

A rua aberta à circulação das pessoas é uma amostra de como a cidade pode ser transformada quando é pensada para quem vive nela. São Miguel Paulista tem um futuro promissor nesse sentido. Onze Áreas 40, com limites baixos de velocidade, já foram estabelecidas e, a partir de novembro, intervenções no desenho urbano começarão a ser implementadas no projeto batizado de São Miguel Mais Humana. As calçadas, que hoje mal comportam duas ou três pessoas caminhando simultaneamente, serão alargadas, semáforos de travessia terão tempo maior, com o auxílio de faixas de pedestres elevadas, pensadas para priorizar quem atravessa a rua e para alertar motoristas para que deem passagem.

Além de apoiar as intervenções e auxiliar a prefeitura no projeto de redesenho urbano proposto para o bairro, o WRI Brasil Cidades Sustentáveis está desenvolvendo ações para ampliar a participação da população local. O Rua Para Todos foi pensado para engajar os moradores, com espaço para que eles se envolvam nas mudanças propostas e percebam que elas influenciarão a realidade. Uma transformação urbana como essa precisa fazer sentido para quem será beneficiado por ela.

"Intervenções como a de hoje permitem que as pesoas vivenciem um outro conceito de rua, em que o espaço urbano pode ser compartilhado por todos. Quando se une oficinas lúdicas e debates sobre os projetos, cria-se um ambiente mais propício para a interação e a integração entre as pessoas e as políticas públicas. Isso que fizemos aqui mostra que é possível integrar a comunidade em um processo de redesenho urbano", explica Daniely Votto, Gerente de Governança Urbana do WRI Brasil Cidades Sustentáveis.

<p>O Rua Para Todos foi pensado para engajar moradores</p>

O Rua Para Todos foi pensado para engajar moradores (Foto: Otávio Almeida)

A tarde no Rua Para Todos mostrou que as propostas refletem as necessidades da comunidade. Ainda pela manhã, durante a montagem do evento, alguns perguntavam se a rua ficaria fechada para sempre ou pelo menos uma vez por semana. Os moradores sentem diariamente a falta de espaço para quem caminha. Isso ficou claro durante um workshop realizado antes do Rua Para Todos pela Iniciativa Bloomberg para Segurança Global no Trânsito com apoio do WRI Brasil Cidades Sustentáveis, da Nacto e do Banco Mundial. O depoimento de Beatriz Luz Silva, 16 anos, aluna da Escola Estadual Dom Pedro I, mostra como o desenho urbano afeta o dia a dia de todos.

"Saindo da escola, temos duas opções de paradas de ônibus. Se eu vou para um dos lados, a calçada é um pouco melhor, mas é escuro e perigoso. Se vou pelo outro, é difícil atravessar a rua e caminhar pela calçada porque não tem espaço. O ambiente estava aberto para dizermos o que pensamos e isso foi muito legal, os alunos se sentiram livres para mostrar como acham que deve ser a cidade" contou Beatriz.

<p>Crianças aproveitaram as atividades</p>

Crianças aproveitaram as atividades do evento (Foto: Otávio Almeida)

Os jovens, a maioria do segundo ano do Ensino Médio, apontaram algumas de suas preferências para o espaço hoje destinado aos carros e que será, em breve, dos pedestres: bicicletários, bancos, áreas de convivência, bebedouros, arte de rua, entre outras sugestões. O projeto também foi apresentado durante uma roda de conversa no Rua Para Todos comandada por Hannah Machado, consultora representante da Iniciativa Bloomberg.

“Na cidade que almejamos, em primeiro lugar estão os pedestres. Muitas calçadas em São Miguel Paulista são muito estreitas e quase impossíveis de duas pessoas passarem simultaneamente. Cadeirantes, então, de maneira alguma. Nosso projeto é mudar isso. Essa rua aberta hoje tem todo o espírito da Aréa 40 e é exatamente o que vamos fazer: devolver a cidade para as pessoas”, afirma Hannah Machado, consultora representante da Iniciativa Bloomberg.

Nas próximas semanas, as primeiras obras serão iniciadas. A Avenida Marechal Tito, a via que tem alto índice de acidentes referida no início deste texto, poderá ter trânsito exclusivo para ônibus a partir de intervenções temporárias. Calçadas que hoje são muito estreitas, ganhariam mais três metros de cada lado. Tanto a Marechal Tito quanto a Nordestina têm alto fluxo de veículos e ficam ao lado do centro do bairro, onde há muitos pedestres.

“São Miguel realmente precisava de uma intervenção no seu desenho urbano que devolvesse o espaço para as pessoas e colocasse a segurança viária em primeiro lugar. Pequenas alterações nas calçadas e nas travessias já causam um alto impacto na redução de acidentes e, consequentemente, de mortes no trânsito”, explica Marta Obelheiro, Coordenadora de Segurança Viária do WRI Brasil Cidades Sustentáveis.