A Rio-92, Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (CNUMAD), realizada no Rio de Janeiro em 1992, marcou o momento em que a comunidade política internacional assumiu o compromisso de conciliar o desenvolvimento socioeconômico com as questões ambientais. Também conhecido como Cúpula da Terra, ou Eco-92, o encontro teve como resultado a aprovação da Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, na qual foram proclamados 27 Princípios. Vinte anos depois, durante a Rio+20, um grupo de países da América Latina e do Caribe deflagrou um processo para promover a aplicação do Princípio 10 (P10), que trata do acesso à participação, à justiça e à informação em temas ambientais. Desde então, outros países se somaram a esse processo, e após dois anos de discussão, em novembro de 2014, decidiram dar início às negociações para o estabelecimento de um Acordo regional. Após cinco reuniões oficiais, o Brasil sediará uma pela primeira vez, entre os dias 20 a 24 de março, em Brasília.

“Nossa região pode ser protagonista da única convenção que emana da Rio+20, um único contrato, de segunda geração, que não trata de uma questão ambiental específica, mas que une o ambiente para os direitos humanos e redefine as tradicionais relações entre o Estado, o setor privado e a sociedade civil”, afirmou Alicia Bárcena, secretária executiva da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL) durante a Quinta Reunião do Comitê de Negociação do Acordo Regional sobre o Acesso à Informação, à Participação Pública e o Acesso à Justiça em Assuntos Ambientais na América Latina e Caribe. A CEPAL é a secretaria técnica responsável pelo processo regional de negociação.

Brasília sediará a Sexta Reunião do comitê, que terá a presença de representantes de 23 países. Desde a primeira sessão, em maio de 2015, os governos negociam os artigos referentes aos objetivos, princípios, obrigações gerais, os artigos 6º e 7º sobre acesso à informação e o artigo 8º sobre acesso à participação. Dessa vez, o encontro buscará estabelecer os dispositivos de acesso à justiça (art. 9º) e de fortalecimento de capacidades e cooperação (art. 10º), além de revisar pontos que ainda não obtiveram consenso.

O Princípio 10 busca tornar cada informação de que disponha as autoridades públicas relativa ao meio ambiente disponível a todos os cidadãos interessados. O Acordo regional tem o potencial de aprofundar a democracia ambiental no Brasil e nos países da região. É esperado que o Acordo permita aprofundar a coesão democrática e social, desenvolver confiança nas decisões adotadas, eliminar assimetrias e evitar conflitos socioambientais. No entanto, um dos principais objetivos da construção desse Acordo regional é que o instrumento se torne juridicamente vinculante. A existência de uma força de lei pode fazer com que os países adotem e implementem leis e práticas para atender de forma concreta as necessidades das nações.

“A construção de um Acordo regional que reflita não apenas o entendimento governamental, mas também o da sociedade civil sobre os direitos de acesso fundamentais para a democracia ambiental, será um marco importante para a consolidação das instituições democráticas nacionais e supranacionais da América Latina e Caribe”, celebra Daniely Votto, gerente de Governança Urbana do WRI Brasil. “Em um momento como este que estamos vivendo, com tantos desafios em termos ambientais, é fundamental que a negociação seja muito clara e que o efeito vinculante seja assegurado para que se tenha a força necessária para pressionar governos a ratificar e implementar políticas de efetivo acesso à justiça, informação e participação na tomada de decisão ambiental”, reforça.

Área de mineração (Foto: Julia Kilpatrick/Pembina Institute)

O acesso à informação motiva a população a participar nas tomadas de decisões do governo que, por sua vez, consegue de maneira mais efetiva responder às demandas das comunidades e aumentar a aceitação e o cumprimento das medidas ambientais. Essas decisões incluem, por exemplo, projetos de larga escala de estradas, aeroportos e centrais elétricas que frequentemente são realizados sem a consulta das comunidades. Em outro cenário, assentamentos urbanos não recebem informações sobre os impactos ambientais que indústrias vizinhas causam na região. Ambas situações são apenas exemplos entre tantos outros que ocorrem em decorrência da falha na democracia ambiental.

Um dos pontos a ser debatido na sessão em Brasília é a expressão “momento oportuno”, que surge nos documentos em relação ao momento em que a participação da sociedade civil será levada em conta nas tomadas de decisão. O grupo debate uma troca para a expressão “momento imediato”, que coloca a população na origem de qualquer decisão que terá reflexos ambientais importantes.

O P10 deseja ainda expandir a prática das políticas públicas já existentes sobre transparência e acesso à informação. Nem todos os países da América Latina e Caribe já adotaram esse tipo de prática. "O futuro que queremos", declaração adotada pela Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento na Eco-92, inclui diversos pontos que defendem melhorar processos de governança, o que remete o P10.

Os países signatários da Declaração do Rio estabeleceram um Mecanismo Público Regional, que permite que os interessados no processo participem e se mantenham informados. A inscrição pode ser feita através do site do CEPAL.

Ranking de democracia ambiental

Para avaliar o status dos direitos de acesso em diferentes países, o WRI e a rede The Access Iniative (TAI) desenvolveram o Índice de Democracia Ambiental (EDI, na sigla em inglês). Ao analisar as legislações de 70 países, o EDI estipula 75 indicadores, construídos com base em padrões internacionalmente reconhecidos por meio do documento produzido pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (UNEP) chamado “Diretrizes para a Elaboração de Legislação Nacional sobre o Acesso à Informação, a Participação do Público e a Justiça em Assuntos Ambientais” (Diretrizes de Bali). O indicador foi lançado em 2015 e permite avaliar pontos onde os países podem avançar. Segundo o EDI, no Brasil:

  • apenas alguns tipos de decisões ambientais possuem oportunidades de participação no inicio do processo decisório;

  • o governo tem poder discricionário para ouvir a sociedade na elaboração de leis relacionadas a questão ambiental;

  • existem poucos mecanismos legais para reduzir as barreiras financeiras ou sociais para o acesso à justiça;

  • as agências governamentais não são obrigadas a prestar contas sobre as propostas apresentadas pela sociedade em processos de tomada de decisão ambiental.

O Brasil ficou na 17ª posição do ranking, com 1.80 pontos de 3 possíveis. "Apesar da nota não ter sido alta em relação ao total de pontos possíveis, a posição do Brasil no ranking demonstra que o país possui bom desempenho, quando comparado a outros países", avalia publicação do Imaflora (Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola).

No dia 15 de março, em Brasília, ocorrerá um seminário em que serão discutidas as perspectivas de contribuição do Acordo do Princípio 10 para o Brasil. O evento é organizado pelo WRI Brasil, Imaflora, http://artigo19.org/ e Fundação Grupo Esquel Brasil (FGEB), e recebe o apoio do Ministério da Transparência, Fiscalização e Controladoria- Geral da União (CGU) e Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais para o Meio Ambiente e Desenvolvimento (FBOMS). O encontro terá o objetivo de compartilhar informações sobre a negociação em curso do Acordo regional latino-americano e caribenho, estimular a mobilização de organizações da sociedade civil a participarem desse processo, e debater a importância de implementar o P10.