Em 2008, o WRI Brasil, que na época ainda trabalhava apenas com projetos de mobilidade urbana, contratou uma de suas primeiras estagiárias: Brenda Medeiros. Hoje diretora de Mobilidade Urbana, Brenda trabalha com foco na promoção e operação de sistemas de transporte coletivo de alta qualidade.

No final de 2015, Brenda concluiu seu doutorado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. O estudo teve como foco a rede de relações entre os atores envolvidos na operação dos sistemas de transporte coletivo por ônibus e desenvolveu um modelo de análise qualitativa e quantitativa para representar essa rede. A especialista analisou os diferentes atores, a fim de determinar quais são os mais importantes para a implantação de melhorias no transporte coletivo por ônibus.

Conversamos com Brenda sobre os anos de experiência no WRI, a articulação entre os atores envolvidos na operação de sistemas de transporte, o desafio de criar redes integradas e a importância de ouvir as pessoas na hora de planejar os sistemas.

 

 

Como foi sua trajetória e como os anos de experiência no WRI contribuíram para o desenvolvimento da tese de doutorado?

Brenda Medeiros - Meu interesse por transporte começou ainda na graduação, quando tive as primeiras aulas nessa área e me apaixonei. Eu disse para mim mesma: “É isso o que eu quero fazer”. Logo no fim da graduação, dei início ao mestrado e comecei a minha trajetória profissional no WRI. Tanto a minha vida profissional quanto a acadêmica sempre foram entrelaçadas, misturando-se de alguma forma. Mas o meu mestrado era focado em uma área muito técnica: questões operacionais de sistemas BRT, centradas no desempenho, na capacidade, na velocidade, na engenharia mais tradicional. O que aconteceu foi que, depois que acabei o mestrado, avaliando o pouco tempo de experiência profissional que tinha na época, percebi que estava cheia de gás, cheia de vontade de aplicar nas cidades todo o conhecimento que eu vinha construindo e acumulando na vida acadêmica. Mas percebi também que era muito difícil fazer isso – mesmo os conhecimentos mais básicos que a gente tem às vezes são de difícil aplicação prática. Então, comecei a me perguntar: “Por que é tão difícil?”. Aí começou a surgir o meu interesse em entender os relacionamentos, as pessoas, como as organizações se estruturam e interagem entre si. E foi nesse momento que comecei a definir o foco do meu estudo de Doutorado: entender essa rede de relacionamentos. Claro, uni a isso o meu lado da engenharia – não só entender e qualificar, mas quantificar, tentar estabelecer valores. Quem são os atores mais importantes? Qual é a força das relações entre eles? A partir dessas perguntas comecei a trabalhar para tentar modelar essas relações, criar um mapa com elas.

 

Sua tese fala dos diferentes atores envolvidos na operação dos sistemas de transporte coletivo. Quem são esses atores e quais os desafios de cada um?

O transporte, pela característica do serviço, envolve diferentes atores. Na minha tese, o que a gente levantou foi o grupo dos três principais atores envolvidos: a prefeitura ou prefeito, na figura do tomador de decisão; os operadores, por essa ser uma característica dos sistemas de transporte no Brasil, que em geral são operados por empresas privadas; e a população. O que mais me chamou a atenção nesse estudo foi conseguir mostrar conhecimentos empíricos – alguns atores são mais importantes ou envolvidos do que outros. A tese conseguiu modelar essa questão e mostrou também a força da população. E essa acredito que foi uma das conclusões mais interessantes do estudo – ver o quanto é importante envolver as pessoas nas decisões sobre o transporte coletivo. As pessoas não são obrigadas a usar o transporte, elas são clientes. São pessoas com necessidades, com desejos, e que precisam, de alguma forma, ter esses desejos satisfeitos. Com isso, começamos a olhar de uma forma diferente para esse público e entender que é um público que precisa ser bem informado, receber um bom serviço, ser atraído a utilizar o transporte coletivo. Assim como outros diversos serviços já melhoraram seu desempenho por considerar que as pessoas não os utilizam por obrigação, mas por escolha, o mesmo vale para o transporte. Considero esse um dos grandes highlights da minha tese. Ver as pessoas como um grande stakeholder no que diz respeito à operação do transporte coletivo.

 

De forma geral, o que considera que as administrações municipais ainda não fazem e precisam fazer para garantir a participação das pessoas – que a população seja de fato considerada um stakeholder importante?

Prefeituras, tomadores de decisão e gestores deveriam ouvir as pessoas. Porque são as pessoas que vivem o transporte todos os dias, que sabem das qualidades e deficiências. É importante ouvir na hora de planejar. Muitas vezes, um planejador ou um técnico que esteja desenvolvendo determinado trabalho tem uma concepção diferente da pessoa que está na outra ponta recebendo o serviço. É fundamental estabelecer essa conexão, ter canais de comunicação claros com as pessoas e entender o que as satisfaz, o que não agrada tanto, quais as deficiências percebidas e reclamações. Ao projetar um sistema novo ou implementar melhorias, são as pessoas que serão impactadas no final. Essa é uma visão que, no WRI, estamos trabalhando há alguns anos para construir: a qualidade do transporte coletivo não só em termos operacionais. Com certeza vamos considerar questões como velocidade média e índice de cumprimento de viagens, que são aspectos muito técnicos, mas o nosso trabalho de qualidade é feito sempre a partir do ponto de vista de quem está recebendo esse serviço. É preciso olhar para as pessoas como clientes, como usuários que têm escolhas, e tentar compreender essas escolhas é o que as administrações deveriam fazer hoje.

 

Um dos desafios de países em desenvolvimento como o Brasil é a criação de redes integradas de transporte. Qual o papel da articulação entre stakeholders para esse objetivo?

Um passo essencial para que avancemos no que diz respeito a redes de transporte integradas é que os atores envolvidos na operação tenham uma visão comum. Claro, cada um terá seu objetivo específico. Operadores e empresas privadas têm um negócio, gestores públicos têm de atender à demanda por um serviço de qualidade. Existe uma série de interesses, no bom sentido, de cada um dos atores envolvidos. Mas esses interesses precisam ser combinados em prol de uma visão maior: a visão de uma rede integrada. É quando tem início a articulação. Que todos, juntos, consigam maximizar os benefícios, construir essa rede e ainda assim ter seus objetivos realizados. No processo de formação de uma rede integrada de transporte, são fundamentais o diálogo e a construção de uma visão. Qual é a rede de transporte que uma cidade precisa para operar de forma eficiente, limpa, segura e que atenda à necessidade da população? Essa é a rede que se quer criar. Todos precisam trabalhar para que esse objetivo seja alcançado.

 

De que forma organizações como o WRI Brasil podem contribuir para esse processo?

Um aspecto importante que organizações de pesquisa como o WRI trazem é a aplicação do conhecimento acadêmico. Existem muitas pesquisas e conhecimento sendo gerados que precisam chegar no público-alvo, nas cidades. É importante que exista essa ponte – transformar toda a teoria, dados e modelos em ações aplicadas, em mudanças que realmente melhorem a vida nas cidades, a mobilidade, a oferta de transporte. Organizações como o WRI têm esse papel: de serem organizações com um lado acadêmico – com uma capacidade de pesquisa muito bem desenvolvida –, mas também com a aplicação desse conhecimento. Para gerar mudanças. Porque esse é o nosso objetivo: mudar a realidade nas cidades. Não a pesquisa pela pesquisa, e sim oferecer uma mudança, oferecer um mundo melhor para as pessoas.