Em março, Fortaleza iniciava uma grande ação contra o assédio sexual no transporte coletivo ao lançar o botão de denúncia NINA e a campanha Respeito Coletivo. Até então, as ocorrências de casos de assédio eram difíceis de quantificar e de tratar. Hoje, os dados coletados pela tecnologia mostram que, em média, é feita uma denúncia a cada três horas. As queixas são agora reportadas para um painel de controle que pode ser acessado pela segurança pública e pela prefeitura.

A NINA Mobile está gerando pela primeira vez no Brasil dados que conseguem rastrear casos reais de crimes sexuais ocorridos no sistema de transporte público ao detalhar local, horário, perfil das vítimas, entre outras informações. De 6 de março, quando a ferramenta NINA foi integrado ao aplicativo Meu Ônibus de Fortaleza, até 26 de junho, foram 930 denúncias recebidas. Dessas, 77 foram concluídas com os dados de cadastro do usuário, validadas e disponibilizadas para a Polícia Civil.

Conforme o primeiro balanço divulgado, 58% das denúncias foram de crimes ocorridos dentro dos ônibus. As demais, nas paradas e nos terminais. Todas as vítimas eram mulheres. Os horários de maior ocorrência de denúncias são às 20h, 13h e 18h. A maioria das denunciantes tem entre 20 e 30 anos (61%), sendo 54% vítimas, 52% testemunhas e 6% ambas.

Fortaleza foi a primeira cidade brasileira a implantar a NINA ao estabelecer o Programa de Combate ao Assédio Sexual no Transporte Público. A iniciativa foi despertada após a criadora da tecnologia NINA, Simony César, apresentar a tecnologia para a cidade durante a fase de projeto-piloto do Desafio InoveMob, promovido pelo WRI Brasil.

Dados das denúncias serão usados para identificar necessidades de melhorias em Fortaleza (Foto: Daniel Hunter/WRI Brasil)

A cidade entendeu que apenas implantar o botão de denúncia não seria suficiente para combater o problema. Portanto, criou um sistema que coleta as imagens das câmeras instaladas nos ônibus durante o horário relatado pela vítima e envia para a Delegacia da Mulher ou para a Delegacia da Criança e do Adolescente. Assim, ao procurar o órgão, a vítima tem como obter a prova do ocorrido e recebe orientação e apoio.

A capital cearense tem, a partir de agora, informações iniciais para mapear zonas de risco, implantar estratégias de prevenção e punir agressores. “Como a NINA em Fortaleza é um projeto piloto, os dados gerados têm sido utilizados para entender padrões de ocorrência que irão nortear ajustes e melhorias no próprio piloto e na política de combate ao assédio sexual da Prefeitura de Fortaleza”, afirma Bianca Macêdo, engenheira civil da Prefeitura de Fortaleza e responsável pelo Programa de Combate ao Assédio Sexual no Transporte Público..

Segundo Simony, esses dados são o resultado de uma pesquisa de quase três anos e uma realização pessoal e profissional. “Esses dados são inéditos no país e gerados por uma tecnologia aplicada dentro de uma política pública. O resultado traz primeiro uma preocupação, mas por outro lado mostra que está sendo realmente efetivo esse trabalho construído há anos”, ressalta. “Queremos gerar inteligência com essas informações para a construção de políticas de prevenção que reverberem para uma melhor condição de vida na cidade”, afirma Simony.

Os dados da NINA já estão gerando ideias que serão estudadas pela prefeitura. Segundo Bianca, o perfil de horário das denúncias será levado em consideração no estudo sobre a flexibilização da parada fora do ponto à noite, que hoje acontece a partir das 23hs. "Estamos, portanto, estudando tecnicamente a viabilidade de redução desse horário para que se inicie às 20hs", explica. Outro ponto é a localização das denúncias que ajudam a identificar regiões com necessidade de melhorias na iluminação, por exemplo.

“É o início de uma grande mudança de paradigma e, para isso, tão importante quando a ferramenta NINA de denúncia, é o engajamento da sociedade no enfrentamento desse problema. Quanto mais a cidade se envolver e apoiar, incluindo tanto o poder público quanto várias instâncias da sociedade civil, mais resultados positivos obteremos com essa política”, ressalta Bianca.