Este post foi publicado originalmente no TheCityFix.


Como em muitos outros setores, centenas de milhares de trabalhadoras domésticas foram demitidas de seus empregos em todo o mundo durante a pandemia de Covid-19. Mas, à medida que as economias começam a reabrir, muitas dessas trabalhadoras estão retornando ao trabalho, enfrentando não apenas o risco do contágio no transporte coletivo, mas também deslocamentos extremamente longos que já eram um desafio antes da pandemia.

Nos últimos quatro anos, conduzi mais de 180 entrevistas com trabalhadoras domésticas, autoridades públicas, especialistas e empregadores em Medelín e Bogotá, na Colômbia, para entender as dificuldades únicas enfrentadas por esse enorme contingente de passageiros. Uma em cada quatro trabalhadoras assalariadas da América Latina é empregada doméstica, totalizando cerca de 17 milhões de pessoas. Somente em Bogotá existem cerca de 150 mil trabalhadoras domésticas e em Medelín cerca de 54 mil. Os dados para 2019 do aplicativo HogarU, que conecta domésticas e contratantes, mostram que o tempo médio de viagens de trabalho de trabalhadoras domésticas é de 86 minutos em Bogotá e 68 minutos em Medelín – 42% a mais do que a média entre trabalhadores e trabalhadoras em geral.

Um dos principais desafios é a enorme quantidade de tempo que trabalhadoras domésticas levam em seus deslocamentos, em parte porque geralmente têm padrões de viagem diferentes dos outros passageiros. Planejado principalmente para os padrões de deslocamento dos homens, o transporte coletivo em ambas as cidades conecta os trabalhadores entre periferias de baixa renda e áreas comerciais centrais, onde estão localizados o maior número e concentração de empregos formais. No entanto, muitas trabalhadoras domésticas encontram emprego em áreas residenciais de alta renda que não estão bem conectadas às redes de transporte coletivo.

Uma solução clara seria estabelecer rotas mais diretas entre locais residenciais de baixa e alta renda. Mas as autoridades de transporte das duas cidades insistiram para mim que uma linha direta não era politicamente viável nem financeiramente sustentável.

Em 2020, a Bolsa do Memorial Lee Schipper me deu a chance de aprofundar a ampliar o escopo da pesquisa dessa dinâmica de mobilidade, adicionando aos dados qualitativos de Bogotá e Medelín, dados quantitativos de ambas as cidades e de São Paulo. Para minha surpresa, encontrei em São Paulo o que procurava: linhas diretas de metrô entre bairros residenciais de baixa e alta renda.

Uma dessas linhas é a Lilás. A construção dessa linha de metrô, que atende uma enorme área de baixa renda ao sul de São Paulo, começou em 1998 como parte do Plano Integrado de Mobilidade Urbana da cidade e começou a operar com cinco estações em 2002. Inicialmente, essas estações eram conectadas ao resto do sistema de metrô por uma linha ferroviária suburbana. Mas, em uma entrevista com Sergio Avelleda, diretor de Mobilidade Urbana do WRI Ross Center For Sustainable Cities e ex-secretário de Mobilidade e Transporte de São Paulo, ele disse que o então governador Mario Covas acreditava que iniciar a Linha Lilás nessa área de baixa renda era a única maneira de garantir que ela estivesse conectada ao resto da cidade. Avelleda observou que também era mais viável financeiramente começar a construção nessa área porque o metrô ali é de superfície, de implementação muito mais barata do que a infraestrutura subterrânea.

<p>mapa da linha lilás do metrô de são paulo</p>

Mapa das estações da Linha Lilás (fonte: Metrô CPTM)

A construção da Linha Lilás foi reiniciada em 2011 e a linha completa foi inaugurada em 2019, com a conclusão da estação de Campo Belo. Agora, a linha conecta Capão Redondo e Campo Limpo, ambos bairros residenciais de baixa renda, com várias áreas residenciais de alta renda.

Em entrevistas que realizei, trabalhadoras domésticas que moram em Campo Limpo disseram que a nova linha economizava tempo significativo de deslocamento. Elas não precisam ir primeiro à região comercial central e fazer transferência para alguma outra opção de transporte para se conectar aos bairros residenciais de alta renda onde trabalham, como ocorre em Bogotá e Medelín.

“Agora levo uma hora e meia para ir de casa ao trabalho porque pego o metrô na estação Campo Limpo para o Brooklin”, explicou Lucia*. “Antes eu costumava pegar um metrô, um ônibus e ainda caminhava mais um trecho. Costumava levar duas horas. Hoje levo meia hora a menos." Outra empregada doméstica, Claudia*, disse que seu trajeto de ida foi reduzido de duas horas e meia para uma hora e meia.

<p>pessoas, em sua maioria mulheres, dentro de vagão de metrô</p>

Na Linha Lilás, em São Paulo (foto: Valentina Montoya-Robledo)

Mais cidades latino-americanas devem considerar linhas diretas de transporte coletivo que possam atender melhor a essas mulheres. Outros trabalhadores, como porteiros e cuidadoras, também se beneficiam dos tempos de deslocamento dramaticamente reduzidos desses tipos de sistemas integrados, seja através de metrô, ônibus, teleférico ou outras conexões de transporte coletivo. Sistemas de compartilhamento de bicicletas também podem complementar essas linhas, ajudando na conectividade da última milha.

O exemplo da Linha Lilás em São Paulo deve ser replicado em cidades com padrões semelhantes. Por exemplo, em Medelín, uma linha direta entre a área rica de El Poblado e os bairros operários da comuna Buenos Aires, ou em Bogotá, entre Usme e Rosales, melhoraria significativamente a vida das trabalhadoras domésticas. Tempos de deslocamento mais curtos significam mais tempo para cuidar de crianças, descansar, estudar e se envolver com suas comunidades e a cidade em geral.

Planejadores e urbanistas devem reconsiderar a cidade como um organismo dinâmico e vivo, onde todas as partes são conectadas por meio de sistemas de transporte coletivo. Se queremos que a mobilidade esteja disponível para todos os residentes e reduza os congestionamentos e a poluição, os bairros de alta renda não podem permanecer excludentes e desconectados. Todos os residentes e todos os tipos de trabalhadores merecem acesso igual ao transporte eficiente, seguro e sustentável.


*Os nomes das entrevistadas foram alterados para proteger sua privacidade.

Valentina Montoya-Robledo é doutora em ciências jurídicas pela Harvard Law School e ganhadora de uma bolsa Lee Schipper 2020.