Este blog foi publicado originalmente no Insights.


Temos um problema de desperdício.

O mundo jogou fora em torno de 300 milhões de toneladas de plástico em 2019, quase o equivalente ao peso total da população humana. Cientistas estimam que os oceanos poderão ter mais plástico do que peixes até 2050. O lixo eletrônico gerado em um ano soma mais de 50 milhões de toneladas. E, enquanto muitas pessoas ainda passam fome, nós desperdiçamos um terço de todos os alimentos produzidos.

Em conjunto, mais de 100 bilhões de toneladas de recursos entram na economia todos os anos – e mais de 60% acabam como lixo ou convertidos em emissões de gases do efeito estufa.

Embora a Covid-19 tenha causado uma redução significativa no consumo em escala global, o resultado ainda não é claro. As vendas de roupas despencaram, mas as de equipamentos para home office e exercícios físicos cresceram; gastos com eventos caíram, mas com supermercado aumentaram. O uso de materiais de plástico descartáveis aumentou consideravelmente e, em paralelo, a queda do preço do petróleo reduziu os incentivos econômicos para a reciclagem.

A recessão de 2008 mostrou que qualquer queda no consumo tende a ser temporária sem um esforço consciente para gerar mudanças de longo prazo.

Não se trata apenas de consumidores comprando demais e reciclando pouco. A economia global está construída sobre um modelo “pegue-use-jogue fora” no qual os recursos naturais são explorados, usados e depois acabam como lixo. Esse modelo ineficiente está levando o planeta à beira do colapso, impulsionando a crise climática e esgotando os recursos dos quais precisamos para manter comunidades equitativas e prósperas no futuro.

Os benefícios de construir uma economia circular

Precisamos mudar nossa forma de pensar e construir uma economia circular – na qual o lixo e poluição sejam “planejados” de antemão, produtos e materiais permaneçam em uso por mais tempo e os sistemas naturais possam se regenerar.

A mudança para uma economia circular seria uma contribuição fundamental aos esforços de preservar o meio ambiente e mitigar a crise climática. Criar uma economia circular para cinco setores-chave – cimento, alumínio, aço, plástico e alimentos – poderia reduzir as emissões em 3,7 bilhões de toneladas em 2050, o equivalente a eliminar as emissões atuais de todos os modos de transporte.

Não é apenas uma questão ambiental. Simplesmente faz sentido, social e economicamente, fazer um uso melhor de recursos escassos planejando um sistema que evite o desperdício e mantenha os produtos em uso por mais tempo. Considere o fato de que há 100 vezes mais ouro em uma tonelada de celulares descartados do que em uma tonelada de minério de ouro. Se reduzirmos o desperdício e a perda alimentar em apenas um quarto, podemos alimentar 870 milhões de pessoas passando fome.

Pesquisas mostram que criar uma economia circular é uma oportunidade de economizar US$ 4,5 trilhões ao evitar o desperdício e, ao mesmo tempo, gerar o crescimento dos negócios e criar oportunidades de trabalho. O objetivo é romper a relação entre crescimento econômico e o uso de recursos naturais, de forma que o bem-estar da economia global não seja mais associado à destruição do meio ambiente.

3 maneiras de mudar para uma economia circular

Existem três formas de mudar nossos níveis de consumo:

1. Consumir menos

A economia circular baseia-se em um melhor uso dos recursos – e a verdade é que muitos de nós consumimos demais. Ao longo do século 20, o uso de matérias-primas aumentou duas vezes mais do que a taxa de crescimento populacional. Em um mundo no qual as pessoas dos países mais ricos consomem dez vezes mais do que as dos mais pobres, é necessário que muitos de nós passemos a consumir menos e outros mais.

Para as empresas, o consumo com frequência é o “elefante na sala”, na medida em que o princípio da maioria dos modelos de negócio é vender mais para mais pessoas. Romper essa mentalidade vai exigir inovação, apoio político e uma demanda dos consumidores.

Tanto em países desenvolvidos quanto na crescente classe média global, campanhas e incentivos políticos têm um papel importante para promover a mudança de comportamento, por exemplo, no que diz respeito à “fast fashion”, plásticos e desperdício de alimentos.

Cortar o uso de materiais descartáveis é um objetivo comum, e 127 países já introduziram algum tipo de taxa ou proibição. Uma das políticas mais fortes é a do Quênia, onde 80% da população parou de usar sacolas descartáveis depois que o governo anunciou a proibição em 2017.

2. Consumir melhor

Economia circular não é apenas consumir menos, é também consumir melhor. Para os consumidores, isso quer dizer escolher versões dos produtos que tenham sido fabricadas de forma mais sustentável ou que possam ser recicladas. Também pode significar mudar o que consumimos – mudando, por exemplo, para uma dieta vegetariana, que ajuda a reduzir emissões e tem menos impacto sobre os recursos naturais em comparação às dietas com alto consumo de carne.

A conscientização das pessoas em relação à sustentabilidade tem aumentado em todo o mundo, com a maioria dos consumidores afirmando esperar que as marcas façam o que é certo. A pressão dos clientes é crucial para encorajar as empresas a mudarem suas práticas e os governos a introduzirem políticas favoráveis.

Consumir melhor também pode significar evitar a compra como um todo e optar por modelos circulares, como as plataformas de compartilhamento. Se você considerar, por exemplo, que um carro passa em média 95% de seu tempo estacionado e que uma furadeira é usada por menos de 15 minutos em toda a sua vida, é fácil perceber o potencial das plataformas de compartilhamento para reduzir o uso dos produtos.

Serviços de streaming são outro exemplo de como é possível consumir melhor sem necessariamente precisar fazer sacrifícios. A última década passou por uma bem-vinda queda na produção e no consumo de CDs e DVDs. Essa mudança de comportamento não mudou em nada nosso estilo de vida – nós apenas passamos a consumir o entretenimento de uma maneira melhor e mais sustentável.

Essa mudança para um modo melhor de consumir cria grandes oportunidades para empresas inovadoras se adaptarem aos novos modelos de negócio.

3. Criar uma mudança sistêmica

Há um limite para o que os consumidores podem fazer quando toda a economia é baseada no modelo “pegue-use-jogue fora”. O que nós precisamos é de uma mudança sistêmica, de forma que a sustentabilidade não dependa apenas das escolhas das pessoas.

O princípio central da economia circular é que os produtos sejam projetados para durar, com componentes ou materiais que possam ser reaproveitados.

Existem benefícios econômicos claros para esse modelo considerando máquinas grandes, como fotocopiadoras, aparelhos de ressonância magnética ou equipamentos agrícolas. Essas máquinas têm altos custos iniciais e são feitas de materiais caros, de modo que muitas empresas do setor já estão usando modelos circulares com sucesso, nos quais pegam o produto de volta para reformá-lo ou reaproveitar as peças. A questão é ampliar esse modelo e estendê-lo para uma gama mais ampla de produtos e consumidores.

Há muito a ser feito na esfera política para incentivar a circularidade nos sistemas. É preciso haver uma mudança substancial para incentivar ou exigir o uso de materiais secundários ou reciclados – por exemplo, cobrar taxas sobre produtos que usam apenas materiais novos. O Reino Unido deu um passo nessa direção ao introduzir uma taxa sobre embalagens de plástico com menos de 30% de conteúdo reciclado.

Também é preciso grandes investimentos em infraestrutura para aumentar a reciclagem ou mesmo torná-la obrigatória. Um caso de sucesso vem da Coreia do Sul, onde a criação de um programa obrigatório de reciclagem de resíduos alimentares e a proibição de resíduos de alimentos em aterros sanitários levou a um índice impressionante: 95% dos resíduos reciclados e convertidos em composto, ração animal, biogás ou combustível sólido. O proposto Green Deal Europeu estabelece muitas políticas similares a essa, incluindo o Plano de Ação para a Economia Circular.

À medida que mais governos estabelecerem políticas que incentivem a reciclagem e o reaproveitamento – e que a conscientização dos consumidores a respeito da sustentabilidade continue a crescer –, as empresas que adotarem modelos de negócio circulares estarão em clara vantagem.

Circularidade significa uma economia melhor para todos

Mudar para uma economia circular não vai ser fácil. Mas a recompensa – um mundo onde as pessoas, a natureza e as economias possam prosperar – valerá o esforço. Nós todos – governos, legisladores, sociedade civil e comunidades – precisamos unir esforços para sermos consumidores melhores.