Artigo escrito por Luis Antonio Lindau e publicado originalmente na Revista NTU Urbano

 

Se há um consenso no setor de transporte coletivo urbano brasileiro, este reside na necessidade de melhorar a qualidade do serviço para recuperar os clientes perdidos para o transporte individual. Será necessário mais compromisso entre os atores para chegar ao que a sociedade almeja. Isso fica claro quando observamos as licitações recentes. Os contratos, quase sempre questionados, não trazem incentivos a quem cumpre todas as exigências, que dirá aos que fazem mais do que o prometido. Assim, que estímulo teria um operador para aprimorar a produtividade, a pontualidade e a regularidade de suas linhas?

O mundo desenvolvido percebeu, nas últimas décadas, a necessidade de atrelar cláusulas aos contratos que incentivem o desempenho operacional. Isso permite que os melhores concessionários de Londres, por exemplo, ganhem até 15% sobre o valor inicialmente previsto caso superem o padrão mínimo de confiabilidade de suas linhas. Por outro lado, os piores podem receber até 10% menos. Ainda, quem desempenha melhor é favorecido em uma futura renovação. 

Atualmente, diversas cidades brasileiras trabalham para elevar a qualidade do transporte coletivo com base em avaliações periódicas e monitoramento do desempenho de seus sistemas de transportes. O esforço é fundamental, mas a falta de tradição e de padronização impõe uma limitação importante. Justamente pela ausência de um método consagrado e reconhecido, alguns municípios tiveram contestadas suas iniciativas de incluir indicadores de qualidade nos contratos de concessão do transporte coletivo. Ficar preso ao número de passageiros transportados ou à quilometragem rodada é pouco e não traduz o desejo dos clientes.

O processo de melhoria da qualidade do transporte coletivo é longo e não depende apenas da regulamentação. Nos últimos 10 anos, o WRI Brasil está debruçado sobre o tema. Os estudos conduzidos estão reunidos na série QualiÔnibus, disponível para download na internet. As publicações Dia Um de Operação, Pesquisa de Satisfação e Segurança em Primeiro Lugar ajudaram a construir a base teórica para a fase que nos encontramos agora: a de formação do Grupo de Benchmarking Qualiônibus, composto por municípios, regiões metropolitanas, federações de empresas de transporte e outras organizações que acreditam que o aprimoramento da oferta de serviços passa pela comparação e troca de experiências. O processo de benchmarking nasceu no mundo corporativo e consiste em reconhecer problemas internos de uma organização, constatar que alguém está realizando um trabalho melhor, aprender como processos podem ser aprimorados e, em seguida, incorporar os métodos de sucesso.

Para que indicadores de desempenho sejam comparáveis, os participantes do Grupo de Benchmarking utilizarão um procedimento padrão de medição. Além disso, participarão de reuniões periódicas, organizadas e facilitadas por especialistas do WRI Brasil, para debater desafios comuns enfrentados pelo setor. Oito municípios já confirmaram a participação, mas outros ainda podem aderir. Entendemos que as cidades têm muito a aprender umas com as outras.

A experiência internacional consolidada pelas discussões técnicas na série de conferencias Thredbo revela que o caminho rumo a um desejável “contrato perfeito” de concessão do transporte coletivo, que contemple os interesses conflitantes dos diferentes atores, passa por uma espiral ascendente. No nosso caso, ainda estamos próximos do ponto de origem, marcado por um cenário de penalidades e quase nada de incentivos.