O ano de 2022 vai colocar o Brasil na rota da transição econômica necessária para cumprir as metas climáticas e manter viável o objetivo de longo prazo de zerar as emissões líquidas até 2050? Ainda há uma janela de oportunidade para o mundo limitar o aquecimento a 1,5°C, mas a falta de ambição dos países até aqui tem tornado esse cenário cada vez mais custoso de alcançar. Cada ano que passa torna o cenário mais urgente e a ciência tem deixado claro que as decisões tomadas nesta década vão definir o equilíbrio climático do planeta.

Os brasileiros vão escolher em outubro quem ocupará os cargos de presidente da República, governador, senador, deputado estadual e federal pelos próximos quatro anos. Esses representantes serão cruciais para o país não apenas contribuir globalmente na redução das emissões que desequilibram o clima, mas se tornar mais competitivo, eficiente, resiliente e menos desigual. Altamente dependente de fatores climáticos, especialmente da chuva, para produzir alimentos e energia, o Brasil já sente os efeitos concretos desse desequilíbrio. A emergência climática já afeta diretamente a vida do eleitor e precisa de mais destaque nos debates destas eleições.

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Após um ano em que o termo “retomada verde” esteve na vitrine do debate econômico, com muitos discursos e novos compromissos com o combate à crise climática, o que se espera em 2022 são ações contundentes não apenas dos governos, mas também do setor privado, com apoio da sociedade civil. O país tem muitos desafios pela frente para entregar o que prometeu. Veja cenários, perspectivas e o que esperar de alguns temas ambientais no país neste ano.

Uma nova economia para a Amazônia

Não há como limitar o aquecimento do planeta a 1,5°C nem cumprir o recém-assinado Pacto de Glasgow sem considerar a Amazônia. A maior floresta tropical do planeta já começa a emitir mais carbono do que pode absorver, em função dos desmatamentos recorrentes, colocando em xeque a resiliência do bioma e sua capacidade de prover os serviços ecossistêmicos de estabilização do clima.

Durante a COP26, o governo brasileiro apresentou novas promessas para enfrentar as mudanças climáticas, entre elas a meta de zerar o desmatamento ilegal até 2028. Porém, o mesmo governo que tentou mostrar uma mudança de atitude perante a comunidade internacional adiou a divulgação dos dados oficiais do desmatamento para dias depois da conferência. Os números mostraram uma realidade alarmante: a área desmatada na Amazônia foi de 13.235 km² entre agosto de 2020 e julho de 2021, a maior desde 2006. A região enfrenta crises que passam pela desigualdade socioeconômica, o risco de a floresta converter-se em um ecossistema próximo das savanas, além das ameaças constantes à sua inestimável biodiversidade. Tudo isso pode comprometer a capacidade da Amazônia de absorver carbono no futuro.

O aumento do desmatamento é resultado de um desenvolvimento baseado na conversão da floresta em pastagens, áreas agrícolas ou urbanas, deixando imensas áreas degradadas e que não necessariamente produzem riquezas para a população local. A mudança no uso do solo e a agricultura continuam respondendo por três quartos das emissões de gases de efeito estufa do Brasil. Prova disso é que em 2020, durante a pandemia da Covid-19, as emissões globais despencaram quase 7%, enquanto no Brasil cresceram 9,5%. A Amazônia precisa de uma nova economia, baseada na floresta em pé e nos rios fluindo, e que promova a prosperidade e o bem-estar da população da Amazônia, seja nas cidades, nas comunidades rurais, indígenas, quilombolas ou ribeirinhas.


<p>homem em barco com amêndoas de cacau, foto em belém, pará</p>

Nova economia para a Amazônia precisa promover a prosperidade e o bem estar da população local. Na foto, transporte de amêndoas de cacau em Belém, no Pará (foto: Dado Photos/Shutterstock)


O WRI Brasil está desenvolvendo um estudo, em parceria com quatro universidades – a USP/Fipe, UFRJ/COPPE, UFMG/Cedeplar e UFPA – no qual prospecta qual seriam os melhores caminhos para essa Nova Economia para a Amazônia. Nesse estudo, será abordada a questão da mudança do uso do solo, os papeis da agricultura, pecuária e mineração de baixo carbono, além da participação da bioeconomia em viabilizar um modelo de desenvolvimento que seja compatível com a manutenção dos ativos florestais e atenda às demandas das comunidades locais.

Reforço do papel das cidades na ação climática

A retomada verde da economia passa necessariamente pelas cidades e por um maior entendimento de que as políticas urbanas são determinantes para o combate às mudanças climáticas. Ações no âmbito nacional para desafios urbanos se fazem necessárias.

Durante a COP26, o protagonismo das cidades foi, muitas vezes, reduzido à questão da eletrificação dos veículos. Congestionamentos de veículos elétricos definitivamente não são a melhor solução nem para o clima nem para a vida urbana.

Reverter o atual modelo de desenvolvimento das cidades para um modelo de baixo carbono passa pelo aumento do acesso às oportunidades urbanas como moradia, emprego, lazer, educação. Prover esse acesso com soluções de baixo carbono é uma oportunidade para estimular a economia e reduzir desigualdades, gerando emprego e renda no caminho.

O ambiente deve ser seguro e com velocidades compatíveis para que pedalar e caminhar sejam as escolhas prioritárias de deslocamento – o Brasil acaba de atualizar o plano nacional (PNATRANS) para reduzir as mortes no trânsito, com princípios de sistemas seguros. Para alcançar a meta de reduzir à metade as vidas perdidas no trânsito até 2028, ações mais robustas precisam começar a sair do papel neste ano.

Para deslocamentos maiores, o transporte coletivo eficiente, com qualidade e sem emissões é o caminho. Vale a pena acompanhar neste ano como se desenrolam as experiências de Rio de Janeiro, São Paulo, Campinas e São José dos Campos com ônibus elétricos. Veículos individuais elétricos são importantes para a transição na mobilidade urbana, mas não podem ser vistos como solução isolada.


<p>ônibus elétrico circula em são Paulo</p>

Novo ônibus elétrico em circulação em São Paulo (foto: Sidnei Santos/SP Trans)


A Política Nacional de Desenvolvimento Urbano (PNDU) e o Plano Nacional de Habitação (PlanHab), em discussão pelo governo federal, são grandes oportunidades para promover esse protagonismo das cidades. Em dezembro, o Ministério do Desenvolvimento Regional apresentou, pela primeira vez, os Objetivos de Desenvolvimento Urbano Sustentável (ODUS), que representam uma visão comum para promover a agenda da sustentabilidade nas áreas urbanas. A implementação dos ODUS, que em 2022 devem passar por consulta pública antes de serem concluídos e lançados, depende em grande parte do governo federal, mas também das ações locais.

A mobilização do nível local para o nacional também é fundamental. Em 2021 foi lançado o Fórum Unicidades, que passará a reunir em 2022, pela primeira vez, secretários municipais de desenvolvimento urbano de todo o Brasil para discutir uma agenda comum e sustentável para suas cidades e para o país.

A crise do financiamento do transporte coletivo é uma oportunidade de renovação

A espinha dorsal da mobilidade urbana nas grandes cidades permanece sob ameaça. Continua se agravando Brasil afora a crise do transporte coletivo que coloca em xeque a continuidade do serviço. O WRI Brasil acredita que o futuro sustentável do transporte coletivo passa não só por sobreviver, mas por se renovar para então prosperar. Para sobreviver em 2022, a criação de novas fontes de recursos precisará avançar muito mais rápido.

Poucos prefeitos de cidades grandes tiveram avanços a partir de esforços locais, como a criação de taxas e impostos sobre o uso do território, seja desincentivando o uso do carro, em especial, e capturando recursos para compensar seu alto impacto na sociedade, seja por uma gestão moderna dos estacionamentos públicos ou soluções que aliam a melhoria do sistema de transporte à recuperação da valorização imobiliária. Transformar os contratos de concessão também poderia promover, além de novas fontes de receitas, a qualificação do sistema, por meio de indicadores de qualidade e inovações que gerem mais eficiência e competitividade.

O pleito de prefeitos no Congresso Federal por um auxílio emergencial do governo federal destinado a bancar a gratuidade dos idosos é uma solução paliativa, que apenas adia o colapso. Será necessário ir além. Neste ano, vale a pena acompanhar as discussões do Fórum Consultivo da Mobilidade Urbana do Ministério do Desenvolvimento Regional, como o Vale-Transporte Social e um novo Marco Legal para o Transporte Público, assim como o projeto de lei que propõe a alteração da Polícia Nacional de Mobilidade Urbana no Senado.

A natureza como aliada no campo e nas cidades

Chuvas extremas e períodos de estiagem impactam tanto o campo quanto a vida urbana. Perdas agropecuárias e do setor de energia devido às chuvas abaixo da média tiram cerca de R$ 80 bilhões por ano do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro, segundo estimativas recentes. Um estudo feito em 2013 mostrou que cada ponto de alagamento formado apenas na cidade de São Paulo após uma chuva forte provoca um prejuízo diário de mais de R$ 1 milhão à economia do país. O ano de 2022 já começou com brasileiros ameaçados pelas chuvas e onda de calor. Neste cenário de extremos, a adaptação das cidades e das atividades agropecuárias são igualmente importantes para tornar o país mais resiliente aos efeitos do clima em transformação.

As soluções baseadas na natureza (SBN) são um caminho para nos proteger desses efeitos, e também para mitigar emissões de gases de efeito estufa ao mesmo tempo em que geram benefícios sociais. A natureza pode ser uma solução para complementar a infraestrutura tradicional, gerando múltiplos benefícios para governos, empresas e para a sociedade. Bem planejadas, podem contribuir para capturar carbono, conservar a biodiversidade, gerar empregos, reduzir custos no tratamento de água e com a saúde pública, ao melhorar a qualidade de vida e a qualidade do ar nas cidades.


<p>imagem aérea de estrada em campinas às margens de rio</p>

Preservar e restaurar matas ciliares tem múltiplos benefícios para adaptação e resiliência climática. Na foto, Rio Atibaia, em Campinas (foto: Renan Pissolatti, WRI Brasil)


Integrar as soluções baseadas na natureza ao planejamento das áreas que ocupamos para construir as cidades permite tanto melhorar a qualidade da água que recebemos em casa quanto proteger populações pelo poder de drenagem e de prevenir deslizamentos. Florestas próximas e distantes de onde está a maior parte da população são igualmente importantes. Esse tipo de inovação já começa a aparecer em algumas cidades brasileiras. A atuação de instituições financeiras de desenvolvimento pode ser decisiva para dar impulso técnico e financeiro a mais projetos urbanos de infraestrutura verde.

Importante observar em 2022 as respostas de gestões municipais para os impactos dos eventos climáticos extremos, assim como acompanhar se novos Planos Diretores vão incorporar esses novos conhecimentos. Também será fundamental observar o impacto da municipalização das regras de proteção de rios em áreas urbanas, que pode resultar em desmatamentos inaceitáveis em Áreas de Preservação Permanente (APPs) urbanas. As soluções baseadas na natureza precisam entrar na agenda das administrações públicas de todos os níveis.

Dez anos do Código Florestal: aposta na regeneração natural

A aprovação do Código Florestal completa dez anos em 2022. Apesar de já ter uma década, a adequação às regras ainda segue em passos lentos. Estima-se que cerca de 12 milhões de hectares precisam ser recuperados em Reserva Legal (RL) e APPs em todo o país.

Ajudar os processos naturais de regeneração da vegetação nativa removendo os fatores de degradação é uma das soluções mais baratas e promissoras para dar escala à restauração. Está entre as mais acessíveis para os produtores rurais se adequarem ambiental e legalmente com possibilidades de gerar de renda a partir da comercialização de produtos florestais. A chamada Regeneração Natural Assistida, é um misto de restauração ativa (em que o produtor maneja a área a ser restaurada) com a restauração passiva (onde os processos naturais de sucessão ecológica são dominantes). Nessa abordagem, as pessoas intervêm para ajudar a vegetação nativa a se recuperar mais rapidamente, isolando a área, protegendo-a do fogo e enriquecendo a regeneração através do plantio de mudas ou sementes que possam aumentar o sombreamento, atrair polinizadores e dispersores.

Assistir a regeneração de APPs e RLs e garantir que áreas já regeneradas não sejam novamente derrubadas são elementos cruciais tanto para o Brasil reduzir suas emissões e cumprir os compromissos climáticos quanto estimular uma nova economia verde. Em 2022, a onda de flexibilização de regras ambientais não pode fragilizar também o Código Florestal, para não colocar em xeque a relevância do Brasil e do agronegócio brasileiro na transição para uma economia eficiente e de baixo carbono.

Este será um ano para acompanhar quais produtores, empresas e organizações estão fazendo a regeneração natural assistida acontecer no país e no mundo: um novo levantamento a ser publicado pelo WRI Brasil em 2022 mostrará casos e fatores de sucesso para a regeneração natural ganhar escala. Além disso, garantir que recursos financeiros e investimentos fluam para a implementação de ações concretas envolvendo esses diferentes setores é chave para acelerar a ação na Década da Restauração da ONU.

Ano para avaliar se promessas serão acompanhadas de ações concretas

Reduzir as emissões de gases de efeito estufa (GEE) em 50% em relação aos níveis de 2005 até o fim desta década, acabar com o desmatamento na Amazônia antes disso e zerar as emissões líquidas até a metade do século exigirá ações coordenadas e planejadas em muitas frentes. Mais do que qualquer discurso, a credibilidade do Brasil será medida por suas práticas. Nos últimos anos, especialmente pela alta do desmatamento, a atuação do Brasil na área ambiental esteve sob escrutínio internacional. Debates globais sobre barreiras a produtos de áreas desmatadas ou até a securitização do tema das mudanças climáticas podem ter impactos no país.

A melhor resposta para possíveis pressões – e para acessar os fundos internacionais de financiamento previstos nos compromissos globais – é colocando em prática ações ambiciosas que vão gerar benefícios para o próprio país. São muitas as oportunidades em 2022 tanto nas atividades rurais e na gestão da terra, quanto nos centros urbanos.

O mesmo vale para o setor privado. Em 2022, cresce a necessidade de oferecer financiamento e investir em ações de transição ambiciosas, usar metodologias padronizadas e confiáveis para mensurar e gerenciar emissões, como o GHG Protocol, e garantir que metas e planos estão alinhados à ciência.

Nesse sentido, o avanço de novas ferramentas e tecnologias pode contribuir com o planejamento e o monitoramento da ação climática nacional, estimulando boas práticas e a transparência. Algumas delas foram desenvolvidas pelo WRI Brasil, como EPS Brasil, Observatório da Restauração e Reflorestamento, e pelo WRI, como Land & Carbon Lab e GFW Pro. Outras, como o MapBiomas, por exemplo, são fundamentais para garantir que a sociedade não fique sem acesso a informações indispensáveis.

O mundo tem oito anos para reduzir as emissões de gases de efeito estufa pela metade – o Brasil precisa ser parte da solução.