Por Luis Antonio Lindau, diretor do programa de Cidades do WRI Brasil

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A ocupação de edifícios abandonados torna-se alternativa para famílias de baixa renda quando não há uma relação entre a política urbana e a política habitacional de uma cidade. O desabamento do edifício Wilton Paes de Almeida, no Centro de São Paulo, evidencia a urgência de soluções efetivas para acolher quem não tem onde morar.

Quase 8 milhões de pessoas residem em moradias inadequadas no Brasil, de acordo com o relatório da ONU para a Moradia Adequada. No caso de São Paulo, dados da Secretaria Municipal de Habitação contam 1,2 milhão de famílias vivendo em situação precária. Garantir habitação acessível e adequada a essa parcela da população é crucial não apenas para a qualidade de vida dessas pessoas, mas para um funcionamento sustentável do município como um todo.

Como resposta à tragédia do dia 1º de maio, a Prefeitura deu início a vistorias em outras 69 ocupações na cidade – 48 delas na região central. O acidente, no entanto, não deve ser usado para questionar ou criminalizar os movimentos de luta por moradia digna. No Brasil, a função social da propriedade e o direito à moradia estão previstos na constituição desde a década de 1980. O direito à “terra urbanizada e à moradia digna e sustentável” também está previsto na Lei 11.124, que institui o Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social (SNHIS), e deve ser garantido à população de baixa renda. Ainda assim, muitas famílias se veem obrigadas a ocupar espaços públicos, áreas de risco ou imóveis abandonados para suprir não apenas a necessidade de um teto, mas de acesso às oportunidades e serviços da cidade. Ao mesmo tempo, os centros urbanos da maioria das cidades brasileiras dispõem de um grande número de imóveis públicos e privados desocupados ou subutilizados.

O Brasil conta com um avançado marco legal para o reconhecimento da função social da terra e da cidade. O Estatuto da Cidade oferece um menu de instrumentos que os municípios podem aplicar para evitar a exclusão social e garantir o direito à cidade. Direito de Preempção*, Parcelamento, Edificação e Utilização Compulsórios (PEUC), IPTU Progressivo e Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS) são alguns desses instrumentos. Muitos deles já são previstos em planos diretores de muitas cidades, porém pouco implementados. Urge, em suma, que tais dispositivos sejam efetivamente utilizados, junto a políticas habitacionais efetivas, para corrigir as distorções existentes e evitar novas tragédias.

O caso do edifício Wilton Paes de Almeida deixa uma lição que não pode ser ignorada: é dever do poder público agir antes que acidentes aconteçam, focando menos na mitigação dos efeitos do que na prevenção dessas ocorrências. Trata-se de uma fatalidade que deve servir para desencadear uma estratégia de inclusão das famílias de baixa renda no acesso ao mercado formal de moradias. Soluções, estratégias e instrumentos existem, o que falta até o momento é vontade política para fazer valer a função social da propriedade urbana. A ausência do Estado na promoção de uma política habitacional inclusiva segue colocando vidas em risco. A habitação social é um dos pilares do direito à cidade e deve estar no centro da agenda urbana.

*O Direito de Preempção é um instrumento que visa conferir ao poder público, em determinadas situações, a preferência na compra de imóveis urbanos em razão das diretrizes da política urbana.

Foto: Renato Gizzi/Flickr