Este post foi escrito por Helen Ding, Rachel Biderman e Sophie Boehm e originalmente publicado no WRI Insights.

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Dois temas que aqueceram a pauta política de Brasília no final de 2016 podem representar, se aprovados, a flexibilização do licenciamento ambiental e a alteração no procedimento administrativo de demarcação de terras indígenas no país. Surgidos sem os devidos debates públicos com a sociedade civil, o Projeto de Lei 3.729/2004, que propõe a revisão das regras para a licença ambiental no Brasil, e a proposta de Decreto do Ministério da Justiça, que altera o procedimento de demarcação de terras indígenas, são propostas equivocadas e capazes de causar mais estragos- ao ambiente, aos direitos humanos e até à economia - do que combater a recessão em um país capaz de se tornar uma liderança do desenvolvimento sustentável.

O Projeto de Lei 3.729/2004 propõe uma revisão das leis brasileiras de licenciamento ambiental, regulamentações que exigem que as atividades e empreendimentos propostos por empresas passem por uma avaliação ambiental antes de iniciar suas operações, a fim de minimizar os impactos. A revisão tornaria o licenciamento mais flexível para os estados, permitiria que empresas selecionadas fornecessem suas próprias licenças, dispensaria o licenciamento para algumas atividades agrícolas e concederia isenção de responsabilidade para instituições financeiras sobre seus investimentos, entre outras modificações.

Já a proposta de Decreto do Ministério da Justiça seria para alterar o procedimento administrativo de demarcação de terras indígenas. Com o título “Proposta de Regulamentação da Demarcação das Terras Indígenas”, a minuta foi divulgada pela imprensa em dezembro. O texto limita os direitos dos povos indígenas sobre as terras que habitam. Organizações da sociedade civil que lutam pela causa indígena e pelos direitos humanos afirmam que este é o pior ataque ao direito territorial indígena na história recente do país e, caso sancionado, distorceria decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) e afrontaria direitos constitucionais.

Os benefícios econômicos da garantia do direito à terra das comunidades indígenas na Amazônia

Publicado em outubro de 2016, o relatório Benefícios Climáticos, Custos de Posse quantificou pela primeira vez o valor econômico oriundo da garantia do direito à terra para as comunidades indígenas que vivem na Floresta Amazônica na Bolívia, no Brasil e na Colômbia. A análise mostrou, por exemplo, que entre 2000 e 2012 as taxas anuais de desmatamento dentro de áreas florestais indígenas com posse assegurada na Amazônia brasileira foram 2,5 vezes menores que aquelas fora dessas áreas.

O estudo também concluiu que garantir o direito de posse das áreas indígenas é um investimento de baixo custo com altos benefícios econômicos. Nos próximos 20 anos, estima-se que as áreas florestais indígenas com posse assegurada na Amazônia brasileira gerem em benefícios econômicos de US$ 523 bilhões a US$ 1,165 trilhões, considerando a mitigação das emissões de carbono e outros benefícios locais e regionais, como serviços hidrológicos, reciclagem de água, retenção de nutrientes no solo, biodiversidade, recreação e turismo.

Os apoiadores do Projeto de Lei 3.729/2004 podem se perguntar: “E quanto à renda desperdiçada pelo não uso da terra para alternativas produtivas, como a agricultura ou pastagens para o gado?” A pesquisa do WRI mostra que mesmo considerando tais oportunidades perdidas, os benefícios econômicos de garantir o direito à terra para as comunidades indígenas superam os custos.

Garantir a posse da terra como estratégia econômica para a mitigação das emissões de carbono

A taxa de desmatamento na Amazônia cresceu 29% no ano passado em relação a 2015. A mudança legal proposta pelo governo federal poderia influenciar ainda mais negativamente esses índices, minando a capacidade do Brasil de cumprir seus compromissos climáticos de reduzir as emissões de Gases do Efeito Estufa (GEE) em 37% até 2025 e zerar o desmatamento ilegal até 2030.

Assegurar o direito à terra aos povos indígenas também é importante para que o país alcance seus compromissos climáticos. As terras indígenas na Amazônia têm o potencial para ajudar o Brasil a evitar a emissão na atmosfera de 31,8 a 43,2 milhões de toneladas de gás carbônico (CO2) por ano, o que seria equivalente à retirada de 6,7 milhões a 9,1 milhões de automóveis das ruas por ano. Considerados sozinhos, os benefícios pela mitigação das emissões de carbono valeriam para o Brasil de US$ 16 bilhões a 21,8 bilhões nos próximos 20 anos. Além disso, garantir a posse de áreas florestais aos indígenas custa muito menos do que outras opções de mitigação das mudanças climáticas, que variam de nove a 12 dólares por tonelada de CO2. Para se ter uma ideia, as tecnologias alternativas de captação e armazenamento de carbono em usinas a carvão e gás custam entre US$ 58 e 85 por tonelada de CO2.

Ao invés de desmantelar os direitos sobre as terras indígenas e adotar regulamentos ambientais mais permissivos para estimular o crescimento econômico, os órgãos governamentais brasileiros deveriam fortalecer a proteção legal aos povos indígenas em nome de um futuro econômico sustentável para o país.