A implementação de soluções baseadas na natureza (SBN) é uma grande aliada das cidades no enfrentamento a problemas complexos como a mudança do clima e a desigualdade urbana. Mas implementar SBN também tem seus desafios . Entre eles, o caráter inovador frequentemente desperta desconfiança no setor público, e a transformação urbana pode gerar resistências da população e do setor privado.   

Para implementar SBN, cidades precisam se abrir a novas formas de planejamento em colaboração com esses diferentes grupos. Do apoio do Executivo e do Legislativo, pode depender a viabilidade do projeto. Outras organizações, como universidades e empresas, podem aportar expertise sobre soluções ambientais que nem sempre foram assimiladas dentro do governo. Por fim, a participação efetiva da população impactada pelo projeto determina não só sua legitimidade, mas sua efetividade: quem vive os problemas pode ajudar a compreendê-los e, assim, enfrentá-los de forma mais assertiva.  

logo do Acelerador de SBN

Este artigo compartilha conhecimentos do Acelerador de Soluções Baseadas na Natureza em Cidades. Clique aqui para saber mais sobre a iniciativa.

A cocriação beneficia o projeto ao reunir diferentes conhecimentos e capacidades que se complementam. “A gente constrói soluções melhores de forma compartilhada. Podem ser processos mais difíceis, longos e conflituosos, mas esse olhar para o território, considerando as pessoas e também suas interações, nos ajuda a ter um projeto mais perene”, avalia Tamara Crants, mentora de governança do Acelerador de SBN em Cidades e diretora da Vena, consultoria especializada em gestão pública.   

Mapeamento de atores e governança colaborativa  

Este processo de cocriação, tomada de decisão e gestão participativa das soluções para um determinado problema é chamado governança colaborativa. Na resolução de problemas complexos, característicos da gestão pública, a experiência tem mostrado que dispor dessa estrutura de governança desde a concepção do projeto é um diferencial que gera valor e contribui para seu sucesso no longo prazo.  

Mas quem são os participantes dessa governança? Responder a essa questão depende de um entendimento das partes interessadas: os atores que influenciam ou que serão impactados pela execução do projeto, também chamados de stakeholders. Conhecê-los é passo fundamental na elaboração do projeto, de seu modelo de negócio, na estratégia de engajamento político para viabilizá-lo e na construção de uma governança compartilhada, capaz de reduzir oposições e aumentar o potencial de sucesso das soluções implementadas.   

Como organizar o mapeamento de atores  

O mapeamento de atores começa junto com o projeto. Deve-se identificar os defensores e opositores à proposta, parceiros que podem contribuir ativamente para a criação, qualificação, gestão e sucesso do projeto – mas também os grupos que demandarão ações de engajamento para ao menos reduzir sua oposição às soluções. Para cada ator, deve-se elencar informações sobre suas possíveis contribuições, demandas, expectativas e críticas em relação ao projeto, bem como os melhores caminhos e momentos para engajá-los.  

Para organizar o mapeamento e priorizar as ações de engajamento, pode-se dispor os atores em níveis.  

Em um primeiro nível, ficam os atores essenciais no planejamento e na implementação, como secretarias e técnicos do governo, membros do comitê gestor, que normalmente vai englobar consultores, entes privados e públicos, entidades representativas. É o grupo que vai comandar o empreendimento e receber informações relacionadas à gestão.  

Em um segundo grupo, o mapeamento considera atores diretamente afetados, como a população do entorno, e outros atores determinantes para a execução do projeto ou que possam ser incluídos no escopo, como outras secretarias municipais – por exemplo, de mobilidade ou infraestrutura. Quanto antes estes segmentos forem envolvidos, melhor para a coordenação e o sucesso do projeto.  

No terceiro nível, coloca-se os atores que não têm relação direta com o projeto das SBN, mas que podem impactar o planejamento e a viabilização. Podem ser parlamentares locais com influência na liberação das obras, servidores de órgãos de controle, líderes comunitários ou comerciantes, por exemplo.  

Potencializar apoios e reduzir oposições  

O mapeamento de atores é o primeiro passo da construção de uma relação que será importante em cada fase do projeto, desde a concepção, passando pelo monitoramento da execução e, por fim, a gestão.  

Um erro comum em projetos é negligenciar os atores que se opõem à iniciativa, como vereadores e associações de moradores. “Esses atores podem ter um papel fundamental na continuidade do projeto. É comum olhar para os aliados, mas temos que considerar os opositores, pessoas ou grupos com posições contrárias", alerta Tamara. "O mapeamento ajuda a ler o cenário e pensar em como manter os atores engajados ou pelo menos monitorá-los.”  

O nível de adesão dos atores ao projeto vai determinar também o tipo de comunicação e engajamento a ser usado. Ao final da realização do mapeamento, os atores podem ser classificados dentro de um espectro de engajamento:  

  • Opositores ativos, que são contrários ao projeto de SBN e agem para dificultar ou inviabilizar a proposta
  • Opositores passivos, que são contra o projeto, mas não exercem essa oposição
  • Indiferentes, que não se dedicam a criticar ou apoiar o projeto
  • Apoiadores passivos, que são a favor da implementação, mas não advogam por ela
  • Apoiadores ativos, que dão suporte ao projeto e agem como embaixadores, defendendo e promovendo a proposta

Com o mapeamento de atores em mãos, deve-se buscar trazer os opositores ativos para uma posição o mais próximo possível dos apoiadores ativos. Se for possível converter um opositor ativo em opositor passivo, ou mesmo indiferente, é sinal de que a estratégia de comunicação, articulação e engajamento do projeto está fazendo efeito.

Estratégias de engajamento dos atores  

Mapear os interesses, demandas e posições dos atores sobre o projeto vai ajudar a definir a estratégia a ser utilizada com cada um, considerando o que o mobiliza: ele quer se sentir mais incluído, ouvido? Precisa ter reforçada a noção de que algo está sendo construído em prol do desenvolvimento sustentável? São questionamentos que vão ajudar na análise do comitê gestor na formulação de uma estratégia de engajamento eficiente, que mostre a importância das SBN propostas para a cidade em questão.  

Fará parte da estratégia definir os canais de comunicação a serem usados com cada grupo. Vai ser email ou grupo de WhatsApp? O mesmo vale para a frequência e o tom das mensagens (mais informal? Mais sério?). Também é importante estabelecer um fluxo transparente de comunicação e prever momentos de participação e interação, como encontros para prestação de contas e escuta ativa da comunidade.  

“É importante estar de fato aberto, envolver as organizações e fazer modificações no projeto para poder avançar”, observa Tamara, lembrando que isso vai trazer também mais demandas e possíveis modificações. “É preciso haver, de fato, colaboração. É essencial ouvir as pessoas em audiências e modificar o projeto sempre que possível [para contemplá-las] .”  

Uma maneira de reduzir a oposição de grupos que se vejam impactados negativamente pelo projeto é enumerar os benefícios de longo prazo que serão gerados. É a máxima "o transtorno é temporário, os benefícios são permanentes".   

“A sociedade costuma ser imediatista, e, quando falamos de SBN, são soluções que veremos ao longo do tempo. É uma argumentação que vai levar isso em conta, e é difícil falar para as pessoas esperarem dez anos para ver uma melhora no solo, no ar, na água. Contudo, é importante construir esses cenários”, afirma Tamara.  

É normal que, durante a implantação do projeto, haja oscilações no engajamento dos atores, com picos de maior interação e momentos de baixa. Mas deve-se estar atento quando houver queda contínua, para avaliar se as pessoas estão se sentindo incluídas e se os processos de participação estão funcionando de forma satisfatória.  

Projetos inclusivos para soluções duradouras

Assim como um projeto robusto deve prever fatores como orçamento, viabilidade técnica e impactos positivos e negativos, precisa considerar também os diferentes públicos envolvidos ou afetados pelas intervenções. Opositores ou apoiadores da ideia precisam ser engajados na criação e manutenção de soluções.  

Mantendo portas abertas para críticas e contribuições, o trabalho de cocriação proporcionado pela governança colaborativa oferece um caminho para construir soluções diversas e eficientes para a resiliência climática das cidades, bem como permite aos cidadãos serem coautores das transformações destes espaços.